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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Entenda a PEC contra a herança maldita orçamentária de Bolsonaro-Guedes

Colunista do UOL

06/12/2022 16h41

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O senador Alexandre Silveira (PSD-MG) apresentou o seu relatório da PEC da Transição. Houve mudanças durante a tramitação do texto na CCJ, com posterior aprovação por acordo. Segue, ao mesmo tempo, a conversa de uma possível PEC paralela que tem origem numa proposta de Tasso Jereissati (PSDB-CE), de que se fala adiante.

Abaixo, comento os principais pontos da PEC, segundo síntese (em vermelho) feita pelo Estadão.

- A PEC ampliava o teto de gastos em R$ 175 bilhões por dois anos, em 2023 e 2024, para garantir o pagamento do Bolsa Família. O valor é suficiente para bancar a parcela de R$ 600 e o adicional de R$ 150 por criança de até seis anos. Na CCJ, o PT negociou uma redução de R$ 30 bilhões. Logo, a comissão aprovou R$ 145 bilhões fora do teto.
A intenção inicial do PT era tirar definitivamente do teto os gastos com o Bolsa Família. Há o entendimento, que não me parece absurdo, mas deixa os mercados de cabelo em pé, de que esse dinheiro se destina à reparação social e não pode se misturar com verbas do Orçamento. Desde o começo, sabia-se que a tese estava fadada ao insucesso. Muita coisa precisa mudar nas mentalidades para que se chegue a esse entendimento. Então se passou a trabalhar com a perspectiva de quatro anos, que também encontrou resistência. Independentemente do valor, os dois anos parecem palatáveis: mas o texto traz um compromisso, como se verá abaixo.

O PT chegou à conclusão de que a PEC poderia enfrentar dificuldades na CCJ. O senador Jaques Wagner (PT-BA) negociou pessoalmente a redução, com a anuência de Lula.

- A proposta deixa fora do teto despesas atreladas a 6,5% de receitas extraordinárias do governo num valor de até R$ 23 bilhões por ano. A medida vale a partir de agora, o que pode garantir liberação do orçamento secreto, fechamento das contas do governo atual e o aumento dos investimentos.
Estou entre os que consideram que o chamado estouro passaria a ser, agora, de R$ 145 bilhões, não de R$ 168 bilhões porque os R$ 23 suplementares que aparecem na conta vêm na forma de um percentual: 6,5% das receitas extraordinárias líquidas, que ninguém sabe de quanto serão.

Até o governo Bolsonaro pode pegar uma caroninha. No apagar das luzes, as universidades, por exemplo, foram submetidas ao regime de pão e água. No Ministério da Economia, teme-se que faltem recursos até para pagar aposentados. Como diz Silveira, ele abriu a possibilidade para que, na CCJ, realoquem-se recursos para as despesas deste ano. Diz o senador: "Esse governo não tem números para fechar o país do ponto de vista fiscal e isso é muito sério."

Durante reunião nesta segunda-feira (5) com o grupo de transição do governo, o Ministério da Educação (MEC) afirmou que não conseguirá pagar as bolsas dos cerca de 14 mil médicos residentes que trabalham em hospitais universitários federais. Eis a obra de Paulo Guedes. Sem pagar as contas, há quem tenha a cara de pau de propor a revisão do déficit deste ano de R$ 63,7 bilhões para pouco mais de R$ 40 bilhões. Dando o calote, tudo se resolve... para a caloteiro.

- A PEC determinava que o novo governo enviasse ao Congresso, até o fim de 2023, um projeto de lei complementar com a proposta de substituição do teto de gastos por um novo arcabouço fiscal, sem estabelecer qual seria a nova regra. O prazo caiu para seis meses na CCJ.
Eis aí uma boa oportunidade. Dinheiro não cai do céu, não é maná -- que, por seu turno, não caía a toda hora, não é mesmo? O que se vai se buscar é uma nova maneira de ler os números. Seja lá quanto fique fora do teto por dois anos, é fato que esse valor não pode ser simplesmente devolvido ao Orçamento usando-se a métrica atual. Ou será preciso fulminar as demais áreas.

Deve-se entender que o que estava em curso era uma liberação de R$ 105 bilhões para recompor a peça orçamentária de ficção que foi enviada ao Congresso. Já se sabe a que custo Paulo Guedes fez superávit primário no ano passado e pode fazer neste. O Orçamento de 2023, note-se, já traz de novo déficit primário. E com os Ministérios na mais absoluta penúria. Até a Saúde perderia mais de R$ 16 bilhões, e a Educação, mais de R$ 4 bilhões. Com a redução do extrateto de R$ 175 bilhões para R$ 145 bilhões, o dinheiro para rearranjar o Orçamento pode cair para R$ 75 bilhões.

- A proposta deixa fora do teto de gastos despesas com projetos socioambientais custeadas por doações e despesas com projetos custeados com recursos decorrentes de acordos judiciais ou extrajudiciais firmados em função de desastres ambientais.
Convenham: o absurdo estava no fato de que isso contava para efeitos de teto. É uma aberração lógica: se o que se recebe de doação ou de multa de reparação passa a contar para o limite de desembolso, então se tira com uma das mãos o que se recebe com a outra. Ora, essas receitas não eram oriundas do Orçamento.

- A PEC tira do teto despesas custeadas com recursos oriundos de operações financeiras com organismos multilaterais dos quais o Brasil faça parte, destinados a financiar ou garantir projetos de investimento em infraestrutura, constantes de plano integrado de transportes e considerados prioritários por órgão colegiado do setor.
Trata-se do mesmo raciocínio do item anterior. Acordos dessa natureza acabariam virando operações de soma zero. Então fazê-los para quê?

- A proposta deixa fora da âncora fiscal as despesas das instituições federais de ensino custeadas por receitas próprias, de doações ou de convênios celebrados com demais entes da Federação ou entidades privadas.
Vejam que coisa: o mecanismo acima, como está, é uma punição à competência. Uma instituição que não produzisse receita nenhuma oriunda de algum serviço ficaria pendurada só no Orçamento, certo?, tendo direito a "x". O ente capaz de gerar receita não poderia se beneficiar de seu esforço e competência porque o valor gerado entraria no cálculo do teto. Sendo assim, compensaria ficar com o traseiro na cadeira.

- A PEC tira do teto despesas custeadas por recursos oriundos de transferências dos demais entes da Federação para a União destinados à execução direta de obras e serviços de engenharia.
É o óbvio. Mais uma vez, a fonte desses recursos não é Orçamento.

- A proposta inclui a possibilidade de as comissões permanentes do Congresso poderem fazer sugestões de alocação dos recursos do Orçamento que ficarão livres com a ampliação do teto para pagar o Bolsa Família (R$ 105 bilhões). A ideia inicial era que fossem atendidas somente as solicitações da equipe de transição.
Isso é parte da dança de aproximação entre o futuro governo Lula e o Congresso.

A PROPOSTA DE TASSO
O senador Tasso Jereissati apresentou uma proposta que, na prática, eleva o teto de gastos e pronto. Observem: há uma diferença entre retirar gastos do teto e subir o sarrafo. O PT não descarta a conversa, desde que com outro valor. Estima-se que R$ 150 bilhões seriam "neutros", mantendo os gastos no patamar deixado por Bolsonaro.

Ocorre que, dado o patamar de Bolsonaro, a neutralidade não é neutra: as universidades ficam à míngua, parte dos aposentados pode não receber, e se dá calote nos médicos residentes.

Reitero: a PEC, adicionalmente, está abrindo uma brecha para pagar as contas deste ano, que este governo, o grande "zica" das galáxias da responsabilidade fiscal, deixou a descoberto.

A PEC busca, na verdade, dar ao país governabilidade orçamentária, encaminhando uma saída para a herança maldita deixada por Bolsonaro também nessa área.
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O texto foi alterado às 20h08 para acrescentar as mudanças feitas na PEC durante tramitação da CCJ do Senado.