Topo

Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaro quer "Riocentro II" para ocultar conivência silenciosa com terror

 Pedro Vilela/Getty Images
Imagem: Pedro Vilela/Getty Images

Colunista do UOL

14/12/2022 03h44

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Jair Bolsonaro parece estar determinado a cometer mais crimes para ver se consegue a tão sonhada impunidade. É estupefaciente, mas é assim. É claro que os atos golpistas ainda em curso, com adesão a táticas terroristas, como se viu em Brasília na noite de segunda, são estimulados ou por seu silêncio ou por suas palavras ambíguas, que sempre parecem apontar para um horizonte finalista, em que Lula seria impedido de tomar posse, e ele próprio, Bolsonaro, voltaria a dar as cartas.

Relembremos o que disse na sexta a seguidores no Palácio da Alvorada:
"O Brasil está pronto para dar um salto, mas o que aconteceu... Aconteceu algo que a gente não esperava em condições normais. Nunca vi no mundo a rua pedindo pra um presidente ficar. O que ouvi ao longo de 67 anos foi a rua pedindo pra tirar presidente."

Como se nota, voltou a pôr em dúvida a lisura da eleição ("algo que não se esperava em condições normais") e sugere que a sua permanência no cargo é uma "vontade da rua". Está se oferecendo para liderar um golpe.

Atentem para a outra fala:
"Eu tenho certeza, entre as minhas funções garantidas na Constituição, é ser o chefe supremo das Forças Armadas. As Forças Armadas são essenciais em qualquer país do mundo. Sempre disse, ao longo desses quatro anos, que as Forças Armadas são o último obstáculo para o socialismo. As Forças Armadas, tenho certeza, estão unidas. As Forças Armadas devem, assim como eu, lealdade ao nosso povo, respeito à Constituição, e são um dos grandes responsáveis pela nossa liberdade. Quantas vezes eu disse, ao longo desses quatros anos, que temos algo mais importante que a própria vida: que é a nossa liberdade? As decisões, quando são exclusivamente nossas, são menos difíceis e menos dolorosas. Mas, quando elas passam por outro setor da sociedade, elas são mais difíceis e devem ser trabalhadas. Se algo der errado é porque eu perdi a minha liderança."

Para surpresa de ninguém, imprime suas digitais nos atos golpistas, anuncia as Forças Armadas como barreira ao socialismo — que Lula representaria — e destaca a sua liderança e fala em decisões que "precisam ser trabalhadas".

Ao participar, nesta terça, de mais uma solenidade militar, não discursou, mas o locutor do evento leu um texto que lhe foi atribuído:
"Registro, como presidente da República, a gratidão e o reconhecimento de nossa população aos marinheiros, fuzileiros navais e servidores civis de ontem e de hoje, que até mesmo com o sacrifício da própria vida, lutaram e sempre lutarão para impedir qualquer iniciativa arbitrária que possa vir a solapar os interesses de nosso país, mantendo o Brasil como uma nação grande, livre e soberana. Berço de povo resiliente e, acima de tudo, patriota."

Assim, estimula a baderna para, vejam só, "impedir qualquer iniciativa arbitrária que possa vir a solapar os interesses do nosso país". Quais interesses? Quem lhe atribuiu a competência para ser porta-voz dos tais interesses ao arrepio da Constituição?

MENTIRA ESCANDALOSA
Na segunda, a bandidagem decidiu partir para a ação direta, com atos de vandalismo que podem ser considerados, sem qualquer exagero, ataques de natureza terrorista. E o presidente houve por bem silenciar diante do caos. Anderson Torres, seu ministro da Justiça, preferiu engrolar burocratês nas redes sociais em vez de se mobilizar efetivamente para conter a arruaça, que tinha a sede da Polícia Federal como um dos alvos.

Como a violência assustou até parcela do eleitorado bolsonarista, então os valentes resolveram pôr para circular uma "Operação Riocentro II". No dia 30 de abril de 1981, setores de extrema-direita do Exército decidiram explodir duas bombas no Riocentro, durante um show em homenagem ao Dia do Trabalho, que reunia 20 mil pessoas. Um dos artefatos explodiu longe do lugar em que se concentrava a massa. Outro foi detonada por acidente no carro em que se encontravam os criminosos: o sargento Guilherme Pereira do Rosário, que morreu instantaneamente, e o capitão Wilson Dias Machado, que ficou gravemente ferido.

O objetivo, se a operação tivesse sido bem-sucedida, era criar um tumulto generalizado, com muitos mortos, o que poderia justificar uma intervenção militar que pusesse fim ao processo de abertura política então em curso. O país vinha, então, de uma sequência de atentados terroristas praticados pela extrema-direita.
O Exército abriu uma investigação para a apurar o caso e buscou oficializar a farsa de que o atentado havia sido praticado pelas esquerdas. Mas e a bomba que explodiu no carro em que estavam os militares? Ora, eles teriam sido "vítimas" dos esquerdistas. Aquele crime restou impune.

Já desde a noite desta segunda, ainda no calor dos ataques, a bandidagem lançou nas redes a versão de que os atos violentos haviam sido praticados, na verdade, por esquerdistas e militares do MST que teriam se misturado aos patriotas.
O ainda presidente está sendo aconselhado por interlocutores a fazer um pronunciamento contra a violência. Mas consta que ele está convencido -- e é claro que só pode ser uma convicção fingida -- de que a barbárie é mesmo obra de infiltrados.

SENADOR VITALÍCIO
Ao mesmo tempo em que o presidente alimenta o vale-tudo aliados seus tentam emplacar no Congresso a aprovação de uma proposta que instituiria no país o "senador vitalício", função que seria desempenhada por ex-presidentes da República. Não teriam direito a voto, mas conservariam o fórum especial por prerrogativa de função. Isso impediria que respondesse por seus crimes na primeira instância, coisa de que ele tem pavor porque acha que seria preso com mais facilidade. A propósito: ele tem a certeza de que a maioria dos ministros do Supremo optariam pelo servilismo a um arruaceiro.

Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, já demonstrou simpatia pela ideia. Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que comanda o Senado, por sua vez, anunciou que a proposta não tem chance de prosperar na Casa. E se prosperasse? E se a excrescência fosse efetivamente aprovada? Os que defendem os senadores vitalícios, hoje, sabemos, não estão preocupados em criar uma bancada de sábios conselheiros. O intuito é apenas impedir o livre exercício do Poder Judiciário.

Os Poderes têm sua independência, claro! Mas será que a criação de senadores vitalícios, dados os propósitos anunciados, não constituiria um caso claro de "desvio de finalidade"? E, sendo assim, a eventual aprovação da proposta poderia ser obstada pelo próprio Supremo.

AO PONTO
Voltemos ao ponto: enquanto prega golpe de Estado, o "Mito" está desesperado em busca de uma saída que possa livrá-lo de responder por seus crimes. Ainda que seus processos corressem no Supremo, é certo que a impunidade, note-se, não estaria garantida. Mas ele enxerga no tribunal dois aliados incondicionais -- Nunes Marques e André Mendonça -- e acha que conseguiria abrir interlocução com outros. Em seu lugar, eu teria menos certezas.

Quanto mais o presidente esperneia, mais vai ficando presa na teia de sua própria delinquência política. O Riocentro I acabou, para todos os efeitos, prosperando porque o país estava ainda sob o tacão da ditadura. O Riocentro II não vai colar. Os atos violentos desta segunda e outros praticados por aí, especialmente no Mato Grosso, têm a digitais do bolsonarismo e são moral e politicamente patrocinados pelo presidente da República.

De resto, a canalha já conta com a colaboração do crime organizado, inclusive o narcotráfico e o contrabando. Por que haveria de ser diferente? Não passará, Bolsonaro!