Reinaldo Azevedo

Reinaldo Azevedo

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

Ação terrorista, crime organizado e exploração vil na boca de um extremista

Os atos a que assistimos no Rio nesta segunda apelam, sem dúvida, a táticas terroristas, segundo a definição contida em legislação específica. Já vimos coisa parecida antes. Não só no Rio. Sim, eles cobram uma resposta organizada do Estado, de longo prazo. Está em curso. Mas é preciso que se fale mais dela; é forçoso que tenha mais visibilidade. Até porque os demagogos de plantão se assanham. Já chego lá. Quero falar primeiro sobre a tática do terror.

Transcrevo um trecho da Lei 13.260, mas omitindo uma parte, o que se elucida logo adiante.

Define a nossa lei antiterrorismo, no artigo 2º:
"Art. 2º O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo [TRECHO CORTADO] quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública."

Os milicianos fizeram precisamente o que vai acima, certo?

O texto também diz quais são os atos. Dispõem os Incisos IV e V:
"IV - sabotar o funcionamento ou apoderar-se, com violência, grave ameaça a pessoa ou servindo-se de mecanismos cibernéticos, do controle total ou parcial, ainda que de modo temporário, de meio de comunicação ou de transporte, de portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias, hospitais, casas de saúde, escolas, estádios esportivos, instalações públicas ou locais onde funcionem serviços públicos essenciais, instalações de geração ou transmissão de energia, instalações militares, instalações de exploração, refino e processamento de petróleo e gás e instituições bancárias e sua rede de atendimento;

V - atentar contra a vida ou a integridade física de pessoa"

Obviamente o Inciso IV contempla os 35 ônibus queimados e o consequente terror social.

Logo, parece-me estar evidenciado que se trata mesmo de tática terrorista. Cláudio Castro (PL), governador do Rio, ainda perplexo, dizia que todos os responsáveis serão enquadrados por crime de terrorismo.

Pois é. Não serão. Vamos ver o que está escrito no caput do Artigo 2º da lei, que agora transcrevo na íntegra, sem o corte:
"Art. 2º O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo,
POR RAZÕES DE XENOFOBIA, DISCRIMINAÇÃO OU PRECONCEITO DE RAÇA, COR, ETNIA E RELIGIÃO, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública."

Continua após a publicidade

Vale dizer: tem-se a tática terrorista, mas não se tem a motivação. As milícias atuam por outros motivos.

Os ataques em série tiveram como causa a morte de Matheus da Silva Rezende, o "Faustão" ou "Teteus". Ele morreu nesta segunda em confronto com agentes da Polícia Civil, numa operação que contou com a Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), Polinter e unidades especializadas, durante incursão na região de Três Pontes, em Santa Cruz, na Zona Oeste. Era o segundo na hierarquia do maior grupo miliciano do Rio, chefiado por seu tio, Luís Antônio da Silva Braga, o Zinho.

CRISE
A segurança pública passa por uma crise no Estado. Ontem, chegaram mais 155 homens da Força Nacional de Segurança, enviados pelo Ministério da Justiça, para se juntar a outros 150. O contingente de 305 vai atuar no monitoramento das estradas federais.

O governo do Estado tem de se haver também com a infiltração do crime nos órgãos de repressão... ao crime. Na quinta, a Polícia Federal e o Ministério Público Estadual desfecharam a Operação Drake, que prendeu quatro agentes da Polícia Civil — Alexandre Barbosa da Costa Amazonas; Eduardo Macedo de Carvalho; Renan Macedo Villares Guimarães e Juan Felipe Alves da Silva — e um advogado: Leonardo Sylvestre da Cruz Galvão. Silva é ex-chefe do setor de Investigações da DRFC (Delegacia de Roubos e Furtos de Cargas).

Como informou O Globo, "a investigação teve início com ação integrada do serviço de inteligência da Polícia Rodoviária Federal com a PF. Em agosto deste ano, duas viaturas ostensivas da DRFC abordaram um caminhão, que veio de Mato Grosso do Sul, carregado com 16 toneladas de maconha na divisa de São Paulo com o Rio de Janeiro. Após escoltarem o veículo até a Cidade da Polícia, os agentes negociaram, por meio de um advogado, a liberação da droga e a soltura do motorista, mediante ao pagamento de propina."

Viaturas da DRFC escoltaram a droga em segurança até as dependências do Comando Vermelho.

Continua após a publicidade

AS METRALHADORAS
Vamos para o sumiço das 21 metralhadoras de uma base do Exército em Barueri, em São Paulo. Quatro ainda não apareceram, e 17 foram recuperadas. A Polícia Civil do Rio encontrou 8 delas na região chamada Gardênia Azul. Em Carapicuíba, em São Paulo, outras nove. Tudo indica que o próprio crime organizado -- Comando Vermelho e PCC, respectivamente -- resolveram facilitar a devolução. Ainda que o Exército chegue aos culpados, entre os seus, por subtrair as armas, é inegável que o crime conseguiu se imiscuir no quartel.

CRIME ORGANIZADO E OPORTUNISMO
O que eventos aparentemente desconectados têm em comum? O crime organizado, nas suas várias modalidades, está se tornando mais ousado e, para ficar no próprio termo que o define, "organizado". À diferença do que baba a extrema-direita em todo canto, o governo federal está, na medida das suas atribuições, prestando auxílio aos Estados, como faz agora no Rio.

A gestão Bolsonaro não só ignorou a questão como contribuiu para tornar tudo pior. Os sucessivos decretos armamentistas do Biltre, por exemplo, contribuíram para armar os PCC, o CV e assemelhados.

No Twitter, o sempre detestável Sergio Moro (UB-PR), senador por enquanto, escreveu ontem, enquanto o Rio ardia:
"Esses ataques a ônibus a outros alvos civis pelo crime organizado tinham cessado a partir de 2019 e agora, com a volta de Lula, também retornaram. Governo federal passa as mensagens erradas para o mundo do crime".

Quais mensagens erradas? O que o presidente tem a ver com o confronto entre a Polícia do Rio e um grupo miliciano? O ex-juiz não citou o ano de 2019 por acaso: foi aquele em que ele cobriu de vergonha o Judiciário — ao qual havia servido e do qual havia se servido para fazer política —, tornando-se ministro da Justiça e Segurança Pública do cara que só havia ganhado a eleição porque ele, Moro, condenou sem provas o único que poderia derrotar seu futuro chefe. Um homem honrado, como se sabe.

No cargo, assistiu impassível aos sucessivos decretos estimulando o armamentismo — para gáudio das milícias e dos partidos do crime, como já ficou demonstrado — e tentou aprovar a excludente de ilicitude, que funcionaria, na prática, como uma espécie de esquadrão da morte, aí oficial, de pretos e pobres. A Câmara barrou a barbárie. No governo a que ele serviu, assistiu-se à emergência de outra modalidade de crime, decorrente das múltiplas delinquências que se conjuraram e se conjugaram: o "narcogarimpo organizado".

Continua após a publicidade

A propósito: quando ministro, este senhor divulgou, no primeiro mês de gestão, uma lista dos criminosos mais procurados do Brasil. Mandou ver no twiter:
"A SEOPI/MJSP [Secretaria de Operações Integradas da pasta] elaborou, com critérios técnicos e consulta aos Estados, a lista dos criminosos mais procurados. A lista ajudará na captura, e segue a orientação do PR @jairbolsonaro de sermos firmes contra o crime organizado".

Quanta valentia!

Não incluiu o ex-capitão Adriano da Nóbrega, acusado, então, de comandar uma das mais poderosas milícias do Rio e suspeito de integrar um grupo de assassinos profissionais do Estado. Foragido havia mais de um ano, o ex-PM também era citado na investigação que apurava a prática de "rachadinha" no gabinete do senador Flávio Bolsonaro quando deputado. O Zero Um até o condecorou.

Em março de 2020, o "conje" da "conja" voltou ao assunto:
"Temos enfrentado o crime organizado como um fenômeno amplo. Todas as organizações. Eu sempre falei muito claramente que milícia também é crime organizado. Todo criminoso tem que ser combatido, e o crime organizado em particular. Talvez, em certo nível, começa a ameaçar até o estado de direito. Não ignoro a ameaça das milícias, mas há outros grupos que, nacionalmente, são mais organizados. É o caso do PCC".

De fato, não havia por que a milícia temer Sergio Moro. Adriano da Nóbrega morreu em confronto com policiais da Bahia em 9 de fevereiro de 2020. O Estado era, e é, administrado pelo PT. Flávio se manifestou:
"Acaba de chegar a meu conhecimento que há pessoas acelerando a cremação de Adriano da Nóbrega para sumir com as evidências de que ele foi brutalmente assassinado na Bahia. Rogo às autoridades competentes que impeçam isso e elucidem o que de fato houve".

UM PLANO
No dia 2 deste mês, informava a página do Ministério da Justiça:
O Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) lançou, nesta segunda-feira (02/10), em Brasília, o Programa Nacional de Enfrentamento às Organizações Criminosas (ENFOC), um dos desdobramentos do Plano de Ação na Segurança (PAS), assinado em julho pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Continua após a publicidade

Com investimento de R$ 900 milhões, o ENFOC tem o objetivo de viabilizar visão sistêmica das organizações criminosas, valorizar os recursos humanos das instituições de segurança pública e fortalecer a investigação criminal e a atividade de inteligência, a fim de desarticular e descapitalizar os grupos, que cresceram nos últimos anos. Os recursos provêm do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), do Fundo Nacional Antidrogas (Funad) e do Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD), além de contar com financiamentos nacionais e internacionais, entre outros.

Para o ministro Flávio Dino, o projeto inédito põe em prática o Sistema Único de Segurança Pública (Susp), previsto pela Lei 13.675/2018, e a Política Nacional de Segurança Pública. "Diferente do que aconteceu nas políticas públicas de saúde e educação, em que a integração federativa está no núcleo, isso não aconteceu na segurança, infelizmente. Foram precisos 30 anos para que fosse votada a Lei do Susp. Ela já existe, mas não era efetivada", disse. "Nosso slogan é união e reconstrução, mas, neste caso, não trata-se de reconstrução, trata-se de construir o que nunca existiu no Brasil. Temos tido a firmeza necessária para traçar o rumo e nele permanecer", completou o ministro Flávio Dino.

CONCLUO
Acho, sim, que medidas boas e corretas estão sendo implementadas. Também há a mobilização de recursos. Lá estão, no Rio, os 305 homens na Força Nacional. A Polícia Federal apreendeu mais de R$ 2 bilhões do crime organizado neste ano. A Justiça bloqueou outros R$ 5 bilhões.

O governo federal precisa dar a essas iniciativas o mesmo peso que dá a programas sociais e à inserção internacional do país. Ou a extrema-direita que ronca e fuça, como se lê, começa a surfar nos descalabros que ela mesma ajudou a produzir. Até porque, convenham, ela entende de tática terrorista, não é mesmo?

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Deixe seu comentário

Só para assinantes