Brasileiros deixam de ser 'reféns diplomáticos' de Israel. Vamos aos fatos
O governo de Israel finalmente incluiu os brasileiros ou pessoas com direito a entrar em nosso país na "Lista de Gaza". Dos 34 relacionados, 33 obtiveram autorização. Uma senhora ficou de fora, mas se considera um equívoco a ser sanado nesta sexta. Vai, assim, chegando ao fim ao menos esse capítulo da espantosa hostilidade israelense, marcada por provocações, inverdades e agressividade explícita. Nesta quinta, a embaixada chegou a emitir duas notas, depois de entrevistas desastradas e desastrosas concedidas pelo embaixador Daniel Zonshine. Volto a elas mais adiante.
Que fique claro: informa-se por aí que é o Egito a autorizar a saída porque é quem abre, literalmente, o portão para que os libertos passem do território palestino para o seu. E também é quem recebeu o avião que fará o transporte. Mas é o governo israelense, e sempre foi, a decidir quem sai e quem fica. E isso é apenas um fato, com provas abundantes. Vamos ver.
Às 17h52 de ontem, o perfil do Itamaraty no Twitter publicou:
"O Ministro Mauro Vieira manteve esta tarde contato telefônico com o Ministro das Relações Exteriores de Israel, Eli Cohen. Foi o 4º contato entre eles para tratar da situação dos brasileiros retidos em Gaza. @IsraelMFA @elicoh1"
E ainda:
"Cohen afirmou não ter sido possível cumprir a garantia dada por ele de que os brasileiros sairiam ontem, 8/11, por fechamentos inesperados na fronteira. Assegurou a Vieira que brasileiros e familiares estarão na lista de estrangeiros autorizados a cruzar a fronteira amanhã."
Alguma dúvida sobre quem tinha o comando? Por que isso é importante? Afirmei há alguns dias que a resistência de Tel-Aviv em incluir meros 34 indivíduos em róis que já somavam mais de três mil estrangeiros fazia dos retidos verdadeiros "reféns diplomáticos". A expressão "pegou". E Zonshine resolveu gravar um vídeo, publicado nas redes na quarta, em que contou o oposto da verdade:
"O Estado de Israel não possui interesse algum de atrasar a saída dos brasileiros e de estrangeiros de qualquer outra nacionalidade. A cota para sair da Faixa de Gaza é determinada pelo Egito. De acordo com ela, algumas centenas de estrangeiros recebem permissão para sair a cada dia. O Hamas está fazendo uso cínico da população civil estrangeira. No meio de guerra, impediu estrangeiros de sair no domingo, na segunda e na quarta desta semana. O Estado de Israel está empregando esforços para evacuar todos os estrangeiros, de 20 países diferentes e para aumentar a cota, de forma a compensar atraso causado pelo Hamas. O Estado de Israel está fazendo tudo o que está a seu alcance para articular a saída dos brasileiros de forma segura e o mais rápido possível".
Observei o óbvio: ainda que os egípcios definissem a "cota" — o que também é inexato —, eram os israelenses a fazer a "Lista de Gaza", como sabem os negociadores. Releiam acima os tuítes do Itamaraty. Nesta quinta, em entrevista ao UOL, o homem mudou um tantinho a versão, admitindo ao menos a interferência do seu país nessa definição. Voltem lá às mensagens do Itamaraty. Lá está o fato.
AGRESSIVIDADE ABSURDA
Já escrevi aqui sobre a destrambelhada ida de Zonshine à Câmara, na quarta, escoltado por Jair Bolsonaro, que publicara pouco antes um tuíte acusando o governo Lula de simpatia pelo Hamas. Nesse mesmo dia, a PF estava em diligências para prender dois homens supostamente envolvidos com militantes do Hezbollah. Na operação, contou também com informações fornecidas pelo Mossad.
Benyamin Netanyahu nem esperou que a PF prestasse contas da ação e anunciou a operação no Twitter. Se, de um lado, o evento desmoralizava de vez a tese da suposta simpatia da gestão Lula pelo Hamas, como anuncia o bueiro dos partidários de Bolsonaro, de outro, passava a impressão de uma polícia infiltrada por agentes estrangeiros. O ministro Flávio Dino reagiu:
"O Brasil é um país soberano. A cooperação jurídica e policial existe de modo amplo, com países de diferentes matizes ideológicos, tendo por base os acordos internacionais. Nenhuma força estrangeira manda na Polícia Federal do Brasil. E nenhum representante de governo estrangeiro pode pretender antecipar resultado de investigação conduzida pela Polícia Federal, ainda em andamento".
O israelense achou que ainda não tinha feito bobagem o bastante e houve por bem conceder uma entrevista ao Globo. Disparou:
"O interesse do Hezbollah em qualquer lugar do mundo é matar os judeus. Se escolheram o Brasil, é porque tem gente que os ajuda".
Bem, no "Olha Aqui", do UOL; em "O É da Coisa", na BandNews FM, e nesta coluna, faço o mesmo exercício lógico: dado o pressuposto do valente, seríamos levados a concluir que israelenses ajudaram os terroristas do Hamas a matar 1.400 pessoas, certo? Alguma falha no raciocínio? De resto, lamenta-se que os serviços de Inteligência, a poucos metros dos terroristas, tenham falhado tão miseravelmente.
Aí foi a vez de Andrei Rodrigues, diretor-geral da PF, responder:
"[Causa mal-estar] a maneira como tá sendo explorado um trabalho técnico [o da PF] e que tem com únicas balizas a Constituição do Brasil e as leis brasileiras".
A Polícia Federal já havia se manifestado sobre o açodamento do governo de Israel ao tratar da operação:
"A PF se utiliza da cooperação internacional como instrumento para combater de maneira eficaz a criminalidade organizada transnacional e para preservar a segurança interna. Para isso, todas as suas ações são técnicas, balizadas na Constituição Federal e nas leis brasileiras. Não cabe à PF analisar temas de política externa. Contudo, manifestações dessa natureza violam as boas práticas da cooperação internacional e podem trazer prejuízos a futuras ações nesse sentido."
Na tarde de ontem, a o embaixador decidiu publicar uma nota:
"A reunião de ontem no Congresso Nacional teve como intenção mostrar as atrocidades do 7 de outubro cometidas pelos terroristas do Hamas. Um material muito bruto e sensível.
Convidamos parlamentares, e apenas parlamentares. A presença do ex-presidente não foi coordenada pela Embaixada de Israel e não era de nosso conhecimento antes da reunião.
Gostaríamos também de agradecer às autoridades brasileiras pelo sucesso da operação para evitar os ataques terroristas que teriam sido planejados aqui pelo Hezbollah."
Era insuficiente para a confusão que havia causado. Então veio à luz uma atualização:
"A reunião de ontem no Congresso Nacional teve como intenção mostrar, como foi feito aos jornalistas Brasileiros, as atrocidades do 7 de outubro cometidas pelos terroristas do Hamas. Um material muito bruto e sensível.
Convidamos parlamentares e apenas parlamentares. A presença do ex-presidente não foi coordenada pela Embaixada de Israel e não era de nosso conhecimento antes do evento, ocorrendo de forma fortuita.
Ainda, a Embaixada de Israel agradece e cumprimenta o Ministério da Justiça, a Polícia Federal e as autoridades brasileiras pela prisão de suspeitos envolvidos e ligados ao grupo terrorista Hezbollah, que planejavam atentados contra a comunidade judaica no Brasil.
E, novamente, se afirma que o governo israelense jamais criou obstáculos ou preteriu a saída dos brasileiros de Gaza.
Brasil e Israel têm laços fortes e fraternos desde a fundação do Estado de Israel, e nosso esforço é para fortalecer cada vez mais essa amizade."
ENCERRO
Ao afirmar que jamais se criaram obstáculos para "a saída dos brasileiros de Gaza", admite, finalmente, que é Israel a decidir que sai e quem fica para morrer na região -- além, claro!, dos palestinos.
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OLHAR APURADO
Uma curadoria diária com as opiniões dos colunistas do UOL sobre os principais assuntos do noticiário.
Quero receberEnquanto escrevo, de madrugada, o grupo que estava em Khan Yunes já chegou a Rafah. Estão todos à espera da abertura do portão, que pode acontecer daqui a pouco. Seguirão para a cidade de Al Arish, no Egito, a 53 km da fronteira, onde os aguarda o avião rumo à liberdade. Deixarão de ser "reféns diplomáticos".
E, com efeito, nunca é tarde para lembrar que o brasileiro Oswaldo Aranha presidiu a Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1947, quando se aprovou a Resolução 181, o chamado "Plano de Partilha da Palestina", que definiu a criação do Estado de Israel.
O que não se tem, até agora, é o Estado Palestino.
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