Reinaldo Azevedo

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Opinião

Discípulos de 'rachadeiros' contra rachadinha? 1% anjos e 99% vagabundos...

Tanto a Procuradoria Geral da República como o ministro Luiz Fux fizeram o inescapável em relação ao deputado André Janones (Avante-MG): a primeira pediu a abertura de inquérito, e o segundo a autorizou. Curioso seria se nada fosse feito. Quem pediu o procedimento foi a vice-procuradora-geral da República, Ana Borges Coêlho Santos, para a apuração de supostas práticas dos crimes de associação criminosa, peculato e concussão. Esse texto ainda fará a distinção entre defensores da lei e vagabundos. Vamos lá.

Todos sabem o que aconteceu, mas lembro. Vieram a público gravações de áudio, tudo indica que feitas em 2019, em que Janones conversa com assessores e sugere que os que tem salários mais altos contribuam com uma espécie de fundo para que ele possa fazer frente a dívidas de campanha, contraídas em 2016, na disputa malsucedida pela prefeitura de Ituiutaba, em Minas. Ficou em segundo lugar.

Para Fux, "verifica-se que os pedidos de diligências formulados pelo Ministério Público Federal se encontram fundamentados nos indícios de suposta prática criminosa revelados até o momento", acrescentando: "Nesse contexto, a suspeita de prática criminosa envolvendo detentor de prerrogativa de foro perante o Supremo Tribunal Federal demanda esclarecimentos quanto à eventual tipicidade, materialidade e autoria dos fatos imputados".

OS "SES"
Dadas as gravações, cuja origem são dois ex-assessores do deputado, não havia outro caminho que não a investigação, que pode até ser positiva para Janones -- do ponto de vista penal -- ou empurrá-lo para o buraco. Se apenas fez um pedido para que houvesse a doação de dinheiro, não realizou a operação, o caso está encerrado. Em tendo havido, terá de se demonstrar que houve alguma forma de coação ou criação de um modelo de transferência de recursos que não passava por atos volitivos dos funcionários. De saída, não parece -- ao menos não li em nenhum lugar -- que os funcionários aos quais solicitou uma doação (ou parte do salário, a se apurar direito) fossem fantasmas.

A PGR pediu ainda autorização para tomar depoimentos e para ter acesso a documentos, como as pastas funcionais dos colaboradores do gabinete no deputado, e-mails institucionais, credenciais de acesso à Câmara etc. É o rotineiro numa investigação.

É OU NÃO É O "MODELO FAMÍLIA BOLSONARO"?
A coisa toda tem seu lado irônico, é claro! Acionaram a PGR 46 deputados bolsonaristas distribuídos entre PL, Republicanos, PP, Novo, União Brasil e MDB. Assim, estamos aqui a falar dos discípulos do Capitão, o que implica que também são fieis ao Pai de Todos e à sua descendência, incluindo o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), o número um, e Carlos, o número dois. Com confissão de Fabrício Queiroz e tudo, é incontroverso que tenha havido "rachadinha" no gabinete de Flávio ao tempo em que era deputado estadual. Segundo Queiroz, o dinheiro era, digamos, "rachado" para a contratação de mais funcionários -- só que informais, claro.

Façam a pesquisa vocês mesmos. Vejam aí: "Laudo comprova rachadinha no gabinete de Carlos Bolsonaro, e MP apura de vereador se beneficiou". Um tira-gosto para quem não sabe: o chefe de Gabinete do vereador desde 2018, Jorge Luiz Fernandes, recebeu um total de R$ 2,014 milhões em créditos provenientes das contas de outros seis servidores nomeados pelo filho 'zero dois" do ex-presidente Jair Bolsonaro.

"Errou, Reinaldo, você não falava sobre o Flávio?" Sim. Mas há também a acusação contra o Carlos.

E O JAIR?
Aí eu me lembrei desta reportagem publicada no UOL, intitulada "Ex-cunhada implica Jair":

"Gravações inéditas apontam o envolvimento direto do presidente da República, Jair Bolsonaro, no esquema ilegal de entrega de salários de assessores na época em que ele exerceu seguidos mandatos de deputado federal (entre os anos de 1991 e 2018).

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Os áudios podem ser ouvidos no vídeo que aparece nesta reportagem.

Em três reportagens publicadas hoje na coluna da jornalista Juliana Dal Piva, o UOL mostra gravações que revelam o que era dito no círculo íntimo e familiar do presidente.

As declarações indicam que Jair Bolsonaro participava diretamente da rachadinha: nome popular para uma prática que configura o crime de peculato (mau uso de dinheiro público)."

Minha memória se animou um tanto mais. Também há esta:
"Rachadinha': Filha de Queiroz transferiu para o pai quase 80% de seus salários no gabinete de Bolsonaro na Câmara". Lá se lê:

"Filha do ex-assessor de Flávio Bolsonaro, a personal trainer Nathália Queiroz repassou a maior parte de seu salário para o pai, Fabrício Queiroz, quando ainda trabalhava no gabinete do presidente Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados. Dados da quebra do sigilo de Nathália obtidos pelo jornal "Folha de S. Paulo" corroboram a revelação feita pelo GLOBO, em março do ano passado , de um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) que apontou transferências bancárias de 80% de seus vencimentos para Queiroz entre junho e novembro de 2018, quando trabalhava para Bolsonaro."

TODOS E NINGUÉM
"Que é, Reinaldo, está tentando livrar a cara de Janones?" Não mesmo! Se praticou ilegalidades, que pague. Estou aqui apenas a lembrar que os "patriotas" que se mostram tão indignados com o deputado do Avante, tudo indica, estão numa expedição meramente punitiva, ainda um desdobramento da campanha eleitoral, não é mesmo?

Como é que uma pessoa pode ser tão inimiga da "rachadinha" que ingressa contra o parceiro de Câmara com uma denúncia de caráter criminal e se organiza para levá-lo ao Conselho de Ética e, ao mesmo tempo, é subordinado moral e político de uma verdadeira dinastia de pessoas acusadas do mesmo crime — ou até pior? Reitero: que se saiba, nem os inimigos acusam Janones de recorrer a fantasmas, como eram mulher e mãe do miliciano Adriano da Nóbrega no gabinete de Flávio.

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Sejamos claros: ou se é contra todas as rachadinhas — esse nome fofo inventado para "peculato" — ou se é favor de todas. Quem defende só as dos amigos não é um moralista, mas um vagabundo.

CONCLUO
"E você, Reinaldo"? Ora, se tal nome for sinônimo de roubo de dinheiro público por intermédio do salário de servidores, sou contra qualquer uma. Mas prefiro chamar a coisa de peculato mesmo. Nesse caso, convém deixar a fofura de lado.

Os agora muito indignados, afinal, ao contrário daquela música, são "1% anjo, perfeito", mas "99% são vagabundos"?

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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