Reinaldo Azevedo

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Opinião

Derrota da "Intentona Fascistoide" faz um ano hoje. E o país depois deles

Os respectivos comandos dos Três Poderes não poderiam deixar que este 8 de janeiro passasse como uma data qualquer. A derrota da Intentona Fascistoide tem de fazer parte do calendário oficial. Não podemos esquecer o que houve nem aceitar a impunidade. É preciso chegar à autoria intelectual daqueles atos como forma de acertar as contas com o passado — punindo os crimes cometidos — e marcar um compromisso com o futuro, em sinal de advertência sobre o destino que aguarda os que se insurgirem contra a ordem democrática.

"Mas, afinal, aquilo a que se assistiu foi mesmo uma tentativa de golpe?" Só os reacionários, de viés... golpista!, propõem esse debate. Aquela sequência de eventos criminosos chega a ser aborrecida por excesso de provas. Nego-me a voltar a essa questão. Meu ponto é outro.

O que nos desafia não é a natureza do ataque. Aquele foi um dia numa sequência que remonta ainda à campanha eleitoral de Jair Bolsonaro em 2018. O anúncio de que investiria contra a institucionalidade já estava lá. Como ignorar que o então candidato do PSL fundou a sua postulação na agressão sistemática a direitos fundamentais, abstendo-se de apresentar um miserável rascunho que fosse de um programa de governo?

O SUPREMO
Não por acaso, o ministro Dias Toffoli abriu, de ofício, o benfazejo Inquérito 4.781, em meados de março de 2019, antes que se completassem três meses do então novo governo. As milícias digitais já haviam se constituído como organização criminosa. A sandice que hoje completa um ano foi a culminância de um longo processo. E é preciso que reconheçamos: o país estava despreparado para enfrentar não o assalto às sedes dos Três Poderes -- o combate poderia ter sido feito pela Polícia do DF se não tivesse sido omissa --, mas o assalto às instituições. E advirto: ainda nos faltam instrumentos de defesa.

A propósito: a cada vez que leio artigos de certo colunismo "isento", que tem como alvo os supostos superpoderes do Supremo ou mesmo do TSE, eu me dou conta do acanalhamento ideológico em que caíram certos valentes que se querem "centristas", "liberais" ou sei lá que designação autocomplacente e obviamente errada escolheram para si mesmos. É um espetáculo deprimente vê-los a implorar à militância bolsonarista o selo de pensadores independentes. Trata-se de um dos últimos estágios da degradação moral.

Os inquéritos que têm Alexandre de Moraes como relator foram a barreira de contenção ao avanço autoritário. "Ah, mas ele emprega métodos semelhantes aos da Lava Jato, que você condena". Isso é uma estultice e revela ignorância tanto sobre a malfadada operação como sobre as apurações que estão em curso. Não por acaso, Deltan Dallagnol, o cassado, participará nesta segunda de uma live com expoentes da extrema-direita que tem como alvos o STF e o governo.

ARRANHADA?
O UOL pediu que os colunistas respondessem se a democracia sai arranhada daquele 8 de janeiro. Escrevi o seguinte:
Do ponto de vista institucional, das prerrogativas dos Poderes e do funcionamento do sistema de Justiça -- que soma o Judiciário e o Ministério Público --, a resposta é "não"; ao contrário, assiste-se a um fortalecimento das instâncias formais do Estado de direito na defesa de suas prerrogativas. Ocorre que é preciso prestar atenção também à cultura democrática. E esta, sem dúvida, tem sido degradada por teorias e práticas alucinadas, que nos colocam diante do conhecido "paradoxo da tolerância". Indaga-se: "Ações e proselitismo que solapem o regime de liberdades podem ser tolerados?" Assistimos a um flerte perigoso com a normalização de práticas disruptivas. A leniência com milícias de extrema-direita (as de extrema-esquerda são irrelevantes), potencializada pelas redes sociais, envenena a política e contamina até a chamada "grande imprensa". Há quem sustente, por exemplo, que o bolsonarismo peca por falta de modos, não por seu ódio ao pacto civilizatório, como se pudesse haver uma versão benigna de uma corrente inequivocamente fascistoide -- e não tomo como sinônimos "bolsonarismo" e "eleitores de Bolsonaro". A democracia, na sua estrutura, segue inabalada, mas é preciso combater com mais dureza os golpistas que continuam a vandalizá-lá

O FUTURO
O Estado legal tem dado a devida resposta aos criminosos daquele dia insano, mas eles são protagonistas de um ponto numa trajetória. Como observou Gilmar Mendes, decano do Supremo, a "responsabilidade política" de Bolsonaro, dada a sua pregação, é "inequívoca". É preciso, agora digo eu, que o ex-presidente e outros instigadores da Intentona Fascistoide arquem com as penas que lhes reserva o Código Penal.

Acima, observo que ainda nos faltam instrumentos. Há um que é vital para a defesa do regime de liberdades: ou bem se regulam as redes sociais para responsabilizar os delinquentes por suas escolhas, ou ficaremos reféns da indústria da mentira, que prospera e lucra com o caos. O Brasil tem de ser melhor depois deles. E depois de nós.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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