Reinaldo Azevedo

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Opinião

Petição real, não a "fake", da África do Sul contra Israel. Brasil acertou?

Se o Hamas existe, tudo é permitido? Antes de avançar, andemos alguns passos para trás.

A PETIÇÃO
O governo brasileiro, como sabem, manifestou apoio à decisão da África do Sul de acionar a Corte Internacional de Justiça para apurar se o Estado de Israel comete crime de genocídio em Gaza, conforme aponta a petição sul-africana. A integra do documento, em inglês, está aqui. O documento pede a imediata cessação das ações que possam caracterizar tal crime. A decisão brasileira se fez acompanhar de uma nota do Itamaraty:
"À luz das flagrantes violações ao direito internacional humanitário, o presidente manifestou seu apoio à iniciativa da África do Sul de acionar a Corte Internacional de Justiça para que determine que Israel cesse imediatamente todos os atos e medidas que possam constituir genocídio ou crimes relacionados nos termos da Convenção para a Prevenção e Repressão ao Crime de Genocídio".

Três outras indagações serão respondidas neste longo artigo para que se chegue àquela que está na primeira linha:
1) É verdade que a África do Sul ignorou o ataque do Hamas a Israel, como andaram dizendo por aí?;
2) as ações de Israel em Gaza, afinal de contas, caracterizam genocídio, segundo convenção internacional?
3) a juízo desta escriba, e o leitor espera que eu o diga, o governo brasileiro acertou ou errou ao endossar a petição?

A PRIMEIRA RESPOSTA: A ÁFRICA DO SUL SE REFERE AO ATAQUE DO HAMAS?
Ao longo das 84 páginas, o governo sul-africano escreve a palavra "Hamas" 55 vezes: 28 no curso do texto e 27 em notas de referência. É falso que o país peticionário tenha ignorado o ataque do grupo terrorista. É uma "fake news". Simples assim. A condenação ao ataque do dia 7 de outubro é explícita. Aparece, de cara, na primeira página, no primeiro parágrafo, nos seguintes termos:

"A África do Sul, inequivocamente, condena todas as violações ao direito internacional por todas as partes, incluindo o ataque direto a civis israelenses e a outros cidadãos, com a feitura de reféns, praticado pelo Hamas e por outros grupos palestinos armados. O ataque armado a um território, por mais grave que seja -- ainda que se pratiquem crimes atrozes -- não pode, no entanto, servir para que se justifique ou se defenda a violação da Convenção para a Prevenção e Repressão ao Crime de Genocídio, de 1948, sob uma alegação legal ou moral".

Nas páginas 6 e 7, numa das passagens do Parágrafo 13, o texto lembra de novo as ações do Hamas, observando que o governo sul-africano defendeu que o grupo fosse investigado por crimes de guerra:
"Em 10 de Novembro de 2023, o diretor-geral do Departamento de Relações Internacionais e Cooperação (DIRCO), reuniu-se formalmente com o embaixador de Israel na África do Sul e o informou que, embora 'condenasse os ataques a civis praticados pelo Hamas' -- que 'deveria ser investigado por crimes de guerra --, 'a resposta de Israel era ilegal' e que a África do Sul 'queria que a liderança de Israel [Benyamin Netanyahu] fosse investigada, no Tribunal Penal Internacional, por seu crimes, incluindo genocídio".

Na página 28, Parágrafo 40, lê-se:
"O ataque militar de Israel a Gaza e a intensificação das ações militares na Cisjordânia foram deslanchados em resposta a um ataque a Israel em 7 de outubro de 2023 (apelidado de 'Operação Al Aqsa Flood') praticado por dois grupos armados palestinos: o braço militar do Hamas (as 'Brigadas Izz ad-Din al-Qassam') e Jihad Islâmica Palestina. Os grupos lançaram uma grande quantidade de foguetes contra Israel, violaram a cerca israelense que sitia Gaza, atacaram bases militares israelenses e cidades, bem como um festival de música, frequentado por milhares de jovens, em circunstâncias que estão a ser investigadas pelo Ministério Público do TPI. A África do Sul condena inequivocamente o ataque a civis israelenses e estrangeiros, praticado pelo Hamas e por outros grupos armados palestinos, em 7 de outubro de 2023, bem como a tomada de reféns, conforme expressamente registrado em nota oficial no dia 21 de dezembro de 2023".

Na mesma página, no Parágrafo 41, a África do Sul prossegue:
"Desde 7 de outubro de 2023, mais de 1.200 israelenses e cidadãos estrangeiros foram mortos em Israel, segundo dados fornecidos pelas autoridades de Israel, incluindo 36 crianças, a grande maioria no próprio dia 7. Aproximadamente 240 civis -- incluindo idosos, mulheres e crianças -- e soldados foram levados como reféns para Gaza. Apenas 110 foram libertados até o momento em troca de 240 palestinos -- incluindo idosos, mulheres e crianças -- presos ou administrativamente detidos por Israel. Teriam sido mortos 57 em razão dos bombardeios israelenses a Gaza; ao menos três foram confirmadamente mortos a tiros por soldados israelenses".

Na sequência, o documento sul-africano reconhece que o território israelense segue sob ataque, ainda no Parágrafo 41, aí na página 29:
"Foguetes continuam a ser disparados de Gaza contra o território israelense, levando ao deslocamento de dezenas de milhares de israelenses, especialmente de comunidades próximas à fronteira entre Gaza e o Líbano. O Procurador do TPI alertou que a tomada de reféns 'representa uma grave violação das Convenções de Genebra' e que a captura e retenção de crianças são uma 'violação flagrante de princípios humanitários fundamentais".

Ainda se referindo aos ataques do dia 7 de outubro, a petição lembra duas resoluções da Assembleia Geral da ONU "que condenam os atos de violência contra civis israelenses e apelam à libertação de todos civis que estão sendo mantidos ilegalmente em cativeiro." Evoca ainda a Resolução 2.712, do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que exorta "à libertação imediata e incondicional de todos os reféns detidos pelo Hamas e por outros grupos".

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Ninguém precisa concordar com os termos da denúncia da África do Sul. A afirmação, no entanto, de que ela ignora o ataque do Hamas é só uma mentira derivada do lobby, da propaganda e do proselitismo da desinformação.

A SEGUNDA RESPOSTA: É GENOCÍDIO?
Israel pratica genocídio em Gaza? Escreve a África do Sul, depois de listar os atos de guerra de Israel na região -- e todos as referências remetem a reportagens da imprensa profissional que cobre a guerra, a declarações oficiais ou a manifestações volitivas de autoridades israelenses:

"Com base no exposto, bem como nas demais evidências a serem apresentadas no curso do processo, a África do Sul considera que a conduta de Israel em relação aos palestinos de Gaza -- por intermédio dos seus órgãos e agentes do Estado e de outras pessoas e entidades que atuam sob suas instruções ou sob seu comando, controle ou influência -- viola as disposições da Convenção sobre Genocídio, incluindo os Artigos I, III, IV, V e VI, em combinação com o Artigo II."

Aqui, é forçoso que se transcrevam, pois, os Artigos citados:
Artigo I
As Partes Contratantes confirmam que o genocídio, seja cometido em tempo de paz ou em tempo de guerra, é um crime do direito dos povos, que desde já se comprometem a prevenir e a punir.

Artigo II
Na presente Convenção, entende-se por genocídio os atos abaixo indicados, cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, tais como:
a) assassinato de membros do grupo;
b) atentado grave à integridade física e mental de membros do grupo;
c) submissão deliberada do grupo a condições de existência que acarretarão a sua destruição física, total ou parcial;
d) medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo;
e) transferência forçada das crianças do grupo para outro grupo.

Artigo III
Serão punidos os seguintes atos:
a) o genocídio;
b) o acordo com vista a cometer genocídio;
c) o incitamento direto e público ao genocídio;
d) a tentativa de genocídio;
e) a cumplicidade no genocídio.

Artigo IV
As pessoas que tenham cometido genocídio ou qualquer dos outros atos enumerados no artigo III serão punidas, quer sejam governantes, funcionários ou particulares.

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Artigo V
As Partes Contratantes obrigam-se a adotar, de acordo com as suas Constituições respectivas, as medidas legislativas necessárias para assegurar a aplicação das disposições da presente Convenção e, especialmente, a prever sanções penais eficazes que recaiam sobre as pessoas culpadas de genocídio ou de qualquer dos atos enumerados no artigo 3º.

Artigo VI
As pessoas acusadas de genocídio ou de qualquer dos outros atos enumerados no artigo 3.º serão julgadas pelos tribunais competentes do Estado em cujo território o ato foi cometido ou pelo tribunal criminal internacional que tiver competência quanto às Partes Contratantes que tenham reconhecido a sua jurisdição.

Um exemplo para ilustrar
Há um provérbio latino que diz: "Verba movent, exempla trahunt". Ou: "As palavras movem, os exemplos arrastam". Significado: o exemplo elucida uma questão conceitual. Recorro a um: se uma das organizações criminosas que atuam no Brasil sequestrar um avião, fazendo exigências para soltar os reféns, estará ou não praticando terrorismo?

Se você ler o Inciso IV do Parágrafo 1º do Artigo 2º da Lei 13.260, a nossa lei contra o terror, dirá que sim. Está escrito que constitui terrorismo...
"IV - sabotar o funcionamento ou apoderar-se, com violência, grave ameaça a pessoa ou servindo-se de mecanismos cibernéticos, do controle total ou parcial, ainda que de modo temporário, de meio de comunicação ou de transporte, de portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias, hospitais, casas de saúde, escolas, estádios esportivos, instalações públicas ou locais onde funcionem serviços públicos essenciais, instalações de geração ou transmissão de energia, instalações militares, instalações de exploração, refino e processamento de petróleo e gás e instituições bancárias e sua rede de atendimento;"

Ocorre, meus caros, que o caput do mesmo Artigo 2º define assim o crime de terrorismo:
"Art. 2º O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública."

Logo, se a hipotética organização criminosa sequestrar o avião, estará cometendo uma penca de crimes muito graves, mas não se lhe poderá imputar... terrorismo. Eis por que — e alguns delinquentes intelectuais fingem não compreender o debate — se falou em atos típicos do terror no assalto aos Três Poderes em 8 de janeiro do ano passado, mas sem tal imputação nas acusações formais e, pois, nas condenações. Atos que podem dizer "terroristas" na linguagem coloquial não implica uma acusação formal. Por quê?

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Além da coisa em si, é preciso que se examine a motivação. E tal exame não pode decorrer de um juízo solipsista, subjetivo. É preciso que se pergunte: "O que diz a lei?"

O que é mesmo genocídio?
O crime de genocídio tem um pressuposto, como tem o de terrorismo no Brasil, na questão que usei como exemplo. Não bastam as ações criminosas em si, que são estas, reitere-se:

a) assassinato de membros do grupo;
b) atentado grave à integridade física e mental de membros do grupo;
c) submissão deliberada do grupo a condições de existência que acarretarão a sua destruição física, total ou parcial;
d) medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo;
e) transferência forçada das crianças do grupo para outro grupo.

Exceção feita ao item "e", há fartas evidências de que todos os outros estão em curso em Gaza, daí, inclusive, os esforços um tanto desesperados — e patéticos — do governo americano para que o Israel atue para baixar o número de vítimas civis, até agora sem sucesso, como se sabe.

É preciso começar a resgatar a pergunta que abre este longo texto: "Se o Hamas existe, então tudo é permitido para combatê-lo?" Sigamos.

É genocídio? Para tanto, é preciso que se responda a seguinte indagação, de acordo com o Artigo II da Convenção: os atos de guerra israelenses são "cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso"? Se sim, é genocídio; se não, existem outros crimes de guerra que estão sendo escancaradamente cometidos — e, obviamente, eles não apagam da história e da memória os também crimes de guerra cometidos pelo Hamas, como, de resto, reconhece a África do Sul em sua petição.

Ações perturbadoras
Há o link com a íntegra do documento, para os que puderem lê-lo. As atrocidades do Hamas não podem ser esquecidas. Mas, então, porque existiram, tudo seria permitido ao governo de Israel? A guerra já provocou o deslocamento de 1,9 milhão de pessoas, o que corresponde a 85% da população que já vive cercada na região. Nada menos de 60% das casas das famílias palestinas ou foram destruídas ou foram severamente danificadas. E, como é sabido, inexiste um "plano" para o depois.

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A África do Sul acusa Israel de:
1: matar civis palestinos, incluindo mulheres e crianças, que seriam 70% das vítimas;
2: causar danos físicos e mentais aos palestinos, em razão de tratamento desumano e degradante, incluindo mutilações;
3: deslocamento forçado de 85% da população, o que é inequívoco, além da destruição de casas, aldeias e campos de refugiados;
4: provocar fome, desidratação e inanição de forma generalizada, com o corte de água, alimento, combustível, eletricidade e a destruição de padarias, moinhos e terras agriculturáveis;
5: não fornecer abrigo, roupas e víveres a 1,9 milhão de palestinos deslocados de suas casas, atacando, adicionalmente, os refugiados, incluindo mulheres e crianças;
6: não fornecer atendimento médico à população e atacar hospitais, médicos e ambulâncias;
7: destruir universidade, escolas, tribunais, edifícios e documentos públicos, lojas, bibliotecas, mesquitas, igrejas e estradas, além do assassinato de famílias inteiras;
8: imposição de medidas destinadas a impedir os nascimentos de crianças em Gaza por meio do que chama "violência reprodutiva", impedindo o atendimento a mulheres grávidas, a recém-nascidos, a bebês e a crianças.

Além dos atos e fatos, há as declarações de altas autoridades do governo, listadas na denúncia:
1 - Mais de uma vez, Netanyahu, que não é religioso, recorreu à luta dos judeus contra Amalek (pesquisem) para justificar as ações em Gaza. O documento sul-africano lembra uma passagem do profeta Samuel: "Assim diz o Senhor dos Exércitos: 'Resolvi castigar os amalekitas pelo mal que fizeram a Israel, atacando-os quando saia do Egito. Vai, pois, agora e investe contra Amalek, condena-o ao anátema, consagrando-o ao Senhor para destruição de tudo quanto houver na terra em que habitam; não tenhas piedade dele e de seu povo, mata homens e mulheres, crianças e recém-nascidos, bois e ovelhas, camelos e jumentos!";

2 - Isaac Herzog, presidente de Israel, já deixou claro, em entrevista, que não faz distinção entre militantes do Hamas e não militantes: "É uma nação inteira lá fora que é responsável. Não é verdadeira essa retórica sobre os civis não saberem, não estarem envolvidos. Não é absolutamente verdade. Lutaremos até quebrarmos a sua espinha dorsal";

3 - lembra fala de Yoav Gallant, ministro da Defesa de Israel, segundo quem o país impunha a Gaza um cerco completo: "sem eletricidade, sem comida, sem água e sem combustível". E emendou: "Estamos lutando contra animais e estamos agindo em conformidade";

4 - cita o ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, que afirmou na TV: "Quando dizemos que o Hamas deve ser destruído, isso também significa que aqueles que celebram, que apoiam e que distribuem doces são todos terroristas e também devem ser destruídos";

5 - recuperar-se a incrível fala do ministro da Energia e Infraestrutura, Israel Kutz: "[se] Toda a população civil em Gaza recebe ordens de sair imediatamente, nós ganharemos. Eles não receberão uma gota d'água ou uma única bateria até que deixem o mundo." E ainda: "Ajuda humanitária a Gaza? Nenhum interruptor elétrico será ligado; nenhum hidrante será aberto, e nenhum caminhão de combustível entrará até que os sequestrados israelenses voltem para casa. Humanitarismo pelo humanitarismo. E ninguém nos dará lição de moral";

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6 - Bezalel Smotrich, ministro das Finanças, declarou em uma reunião do Gabinete: "Precisamos desferir um golpe que não era visto há 50 anos e destruir Gaza". Lembro: tanto Smotrich como Gvir querem uma Gaza colonizada pelos judeus. Para o titular das Finanças, "é preciso incentivar a emigração". E ainda: "Se houver 100 mil ou 200 mil árabes em Gaza e não 2 milhões de árabes, toda a discussão para o dia seguinte será completamente diferente";

7 - O ministro do Patrimônio de Israel, Amichai Eliyahu, escreveu no Facebook depois da destruição do Norte da Faixa de Gaza: "Está mais bonito do que nunca. Tudo explodido ou derrubado; simplesmente um prazer para os olhos? Precisamos conversar sobre o dia seguinte. Na minha mente, entregaremos lotes a todos aqueles que lutaram por Gaza ao longo dos anos (...)". Na sequência, ele disse que não se deveria dar "ajuda humanitária a nazistas", que "inexistem civis não envolvidos" [com o Hamas] e ainda especulou sobre um possível ataque nuclear a Gaza";

8- Avi Dichter, ministro da Agricultura, disse em entrevista, relembrando a Nakba de 1948 — expulsão dos palestinos de suas terras — a seguinte pérola: "Estamos agora, na verdade, lançando a Nakba de Gaza";

9 - Nissim Vaturi, vice-presidente do Knesset e membro da Comissão de Negócios Estrangeiros e Segurança, tuitou: "Todos temos um objetivo em comum: apagar a Faixa de Gaza da face da Terra";

10 - General Ghassan Alian, coordenador das Atividades Governamentais nos Territórios do Exército de Israel: "O Hamas tornou-se o ISIS, e os cidadãos de Gaza estão a celebrar em vez de ficarem horrorizados. (...) Vocês queriam o inferno, vocês vão conseguir o inferno"

11 - Giora Eiland, general reservista, ex-chefe de Segurança Nacional, influente nas Forças de Defesa de Israel e na própria imprensa, prega abertamente a emigração em massa dos palestinos: "As pessoas deveriam ser informadas que têm duas escolhas; ficar e morrer de fome ou ir embora. Se o Egito e outros países preferirem que estas pessoas morram em Gaza, isso é escolha deles." Defendeu ainda que Israel ataque as máquinas de dessalinização da água. Resumiu: "Quando todo o mundo disser que nós enlouquecemos e que haverá um desastre humanitário, diremos que não se trata de um fim, mas de um meio".

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A TERCEIRA RESPOSTA: O EQUÍVOCO
O Brasil acertou, então, ao endossar a petição da África do Sul? Penso que a decisão foi equivocada, a despeito de tudo o que vai aqui, porque ela traduz uma renúncia, nesse caso em particular, à declarada vocação da política externa brasileira -- e que me parece correta -- de ser um interlocutor para a paz, nunca para a guerra. Como o presidente Lula costuma lembrar em relação à guerra Rússia-Ucrânia, por exemplo, se o país assume uma posição frontalmente contrária aos interesses de um dos lados em conflito, não pode se oferecer como um mediador -- ainda que, com acerto, o Brasil tenha condenado a invasão do território ucraniano.

De certo, o Brasil poderia ter sido, pois, mais duro do que vinha sendo na condenação às ações israelenses — e considero evidente que o governo de Netanyahu comete crimes de guerra —, sem, no entanto, endossar o pedido de investigação, que é, na verdade, uma acusação formal de crime de genocídio.

Ademais, parece difícil que, apesar das insanidades em curso e de declarações de autoridades que remetem, sim, a práticas próprias ao crime de genocídio, a Corte proceda a um juízo sobre intenções. E, nesse caso, o resultado pode até vir a ser contraproducente. E, claro!, tenho de emendar um pergunta: se o desastre em curso não for chamado de genocídio, todo o resto vale ou é aceitável?

CONCLUO
Há uma tese de fundo que sustenta o discurso de Israel e tenta justificar suas ações: o Hamas usa escudos humanos e, pois, seria impossível distinguir os civis de combatentes do Hamas. Dadas as declarações de autoridades influentes, especialmente de Netanyahu, não há diferença entre uma coisa e outra. E isso, então, nos devolve à primeira linha deste longuíssimo texto: se o Hamas existe, e ele existe, então tudo é permitido a Israel?

Saber se Israel age ou não, de forma deliberada, para destruir em todo ou em parte a população palestina é que define se, afinal, está ou não em curso o crime de genocídio em Gaza. Os atos que caracterizam tal horror estão sendo cometidos, como seria uma prática própria ao terrorismo se uma organização criminosa sequestrasse um avião no Brasil. Tal imputação aqui não seria possível porque faltaria o pressuposto. Pergunto: qual o pressuposto das decisões de guerra do governo de Israel? Quando se manifestam, os medalhões vão muito além da improvável destruição do Hamas.

As declarações dos extremistas de direita que compõem o gabinete de Netanyahu acenam abertamente com emigração forçada da população palestina de Gaza, o que os EUA consideram inaceitável. Ocorre que não basta ficar na retórica. Por enquanto, valem para a região as apalavras terríveis do general Giora Eiland: "As pessoas (...) têm duas escolhas; ficar e morrer de fome ou ir embora. (...) Quando todo o mundo disser que nós enlouquecemos e que haverá um desastre humanitário, diremos que não se trata de um fim, mas de um meio".

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Como evidencia a Convenção internacional, esses são os meios para o crime de genocídio. Havendo alguma dúvida, diz respeito apenas às intenções. Mas, como se sabe, a gente conhece a árvore pelos frutos, não é? Não se colhem figos de espinheiros nem uvas de ervas daninhas.

Opinião

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