Reinaldo Azevedo

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Opinião

Voz mansinha da extrema-direita, Rogério Marinho relança guerra contra STF

O senador Rogério Marinho (PL-RN), que assumiu o papel de farol da reação, num esforço, assim, para se colocar como um iluminista das trevas — não para fazer cessar a escuridão, mas para tentar lhe conferir a condição de uma categoria de pensamento —, concedeu ontem uma entrevista cercado pelo que pode haver de mais ideologicamente primitivo na extrema-direita brasileira, mesmo para os padrões bolsonaristas. É bem verdade que faltaram alguns naquela imagem, de apelo até mais circense, mas o que se conseguiu juntar representava, com efeito, a vanguarda do abominável.

E o que anunciou Marinho, sempre com aquele seu jeitinho manso, falando baixo, de modo pausado, a indicar que a truculência também sabe se fingir de moderação, no esforço de estripar o estado de direito e minar as garantias democráticas? A propósito: seu avô, que ele não cansa de evocar, Djalma Marinho, era um prócer da ditadura que resistiu a uma ordem tirânica do regime, num ato de coragem entre iguais. O neto, em plena democracia, escolheu como alvo o ente que encarnou a resistência ao golpe de estado. É um caso em que a geração futura faz degenerar a passada. Nem é tão raro assim. Adiante. O que ele anunciou mesmo?
"Vamos definir uma pauta institucional, no sentido de preservar e de fortalecer as prerrogativas do Parlamento brasileiro. E há uma evidente hipertrofia de um Poder sobre o Legislativo, em cima do Legislativo. Então nós vamos definir, em conjunto, aqui, pautas que unem a oposição, a situação, que dizem respeito à preservação das prerrogativas e de como o Parlamento deve funcionar nesse equilíbrio necessário entre os Poderes da República, entre o Legislativo, o Executivo e o próprio Judiciário, que deve ser inerte e deve ser árbitro das eventuais contendas que a sociedade apresenta, e não um propositor de ações, como está acontecendo agora como um padrão. Porque o que aconteceu em 2019 e que era uma excepcionalização, uma excepcionalidade, virou um padrão dentro do Supremo Tribunal Federal, onde dezenas de processos estão sendo abertos de ofício, e isso certamente desequilibra o processo democrático, inclusive da forma como eles estão sendo instituídos".

Traduzo:
1 - quando ele diz que quer definir uma pauta unindo oposição e situação, ele se refere à fatia do governismo que pertence ao Centrão. Ou por outra: ele pretende usar o tribunal como alvo para meter a cunha do bolsonarismo na base do governo;

2 - o que ele chama de "equilíbrio de Poderes" implica manietar a Corte, que conteve o golpismo de seu chefe, o que esse corajoso jamais contestou;

3 - a excepcionalidade de 2019 a que ele se refere é o Inquérito 4781, aberto de ofício — e de acordo com a lei. Inexistem "dezenas de processos abertos de ofício". Isso é só uma mentira. Os que investigam os golpes nasceram de pedidos da PGR.

Depois da patuscada, ora vejam!, ele foi conversar com Roberto Barroso, presidente do STF, que está em recesso.

CASO JORDY
A razão da pajelança era protestar contra o mandado de busca e apreensão e a quebra de sigilos telefônico e telemático do deputado Carlos Jordy (PL-RJ), aquele que trocava figurinhas com um golpista. A PF fez a petição, a PGR concordou, e o ministro Alexandre de Moraes apenas despachou, no âmbito do Inquérito 4920, um dos que foram instaurados a pedido da... PGR.

Já me manifestei muitas vezes sobre a decisão, que entendo correta. Mas este não é o ponto agora. Ontem, a propósito, a reunião serviu para anunciar também que Jordy seguirá líder da oposição na Câmara, numa espécie de agravo à Corte, como a dizer: "Não soltaremos a mão do nosso rapaz". A propósito, este negou insuflar o golpismo, mas declarou:
"Nunca incitei ninguém para ir à frente dos quartéis-generais, embora todos tenham o direito legítimo, garantido pela Constituição Federal, de se manifestar pacificamente, onde quer que seja. Creio que nem era o local apropriado, caso fossem contrários ao governo porque, realmente, muitas pessoas estavam se manifestando contrariamente ao governo eleito, e isso era legítimo da nossa Constituição".

Não vou perder meu tempo a demonstrar que ninguém tem o direito de se organizar para pregar golpe de estado, tampouco para tentar o rompimento da ordem.

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PAU NO SUPREMO
Marinho e a turma pretendem que a Câmara aprove projeto, que já passou pelo Senado, que limita as decisões monocráticas de ministros do Supremo -- que, atenção!, já têm de ser submetidas ao pleno. Impedir-se-ia, assim, a concessão de liminares. Se o texto for aprovado, alguém certamente apelará ao próprio tribunal para que julgue a sua constitucionalidade. E é evidente que se está diante de uma clara violação da prerrogativa de um Poder.

Marinho, obviamente, jamais se manifestará contra a excrescência em curso, com o Legislativo tomando a prerrogativa do Executivo por intermédio de R$ 53 bilhões em emendas. A sua noção de "independência" é seletiva. Pergunta óbvia de resposta não menos: será que se pode impedir a Justiça de conceder uma liminar para afastar o chamado "perigo da demora" e o risco de um dano irreparável? É uma aberração.

Há outros malfeitos sendo gestados. No pós-Jordy, pintou uma ideia nova, não menos inconstitucional. Os bravos têm a intenção de blindar Câmara e Senado de mandados de busca e apreensão, a não ser com autorização da Mesa, que teria 10 dias para aceitar ou recusar a ação.

Eu sei que parece piada no conceito e na aplicação, mas é assim. Imaginem um mandado que ficasse tramitando 10 dias. Caso realizado, só haveria busca, jamais apreensão, né? Ou restaria alguma coisa a recolher? Ah, sim: e jamais se daria durante o recesso. Consta que o deputado Rodrigo Valadares (União Brasil-SE) seria o responsável pela coleta e apresentação da PEC. Isso subordinaria o Judiciário às respectiva Mesas do Congresso. Além de se tomar a sede do Congresso com um esconderijo.

MAS E DAÍ?
Mas e daí? Esse é o jeito como se faz oposição, sob a orientação do "Mito". Proposta alternativa para arcabouço fiscal, reforma tributária ou plano de incentivo à indústria? Não dão a mínima. Não têm nada. Sua tarefa, como temos visto, é votar sistematicamente contra o governo, fazer o que entendem ser a guerra de valores, como deixou claro Valdemar Costa Neto no vídeo em que afirmou que Bolsonaro é melhor do que Lula -- ou fazia isso, ou o "capitão" ameaçava não brincar mais -- e disparar ofensas nas redes contra os adversários, contra a imprensa e contra tudo o que cheire a alguma civilidade.

Algumas figuras que cercavam Marinho, além de Jordy, se expunham com a eloquência de sua biografia. Lá estava o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), representando o clã. Também compunham a fotografia Carla Zambelli (PL-SP), aquela que correu atrás de um desafeto de pistola na mão na véspera do segundo turno; Júlia Zanatta (PL-SC), que mandou um recado a Lula portando uma carabina e uma mão de quatro dedos, cravejada de balas, desenhada na camiseta, e Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), chegado a ameaçar o governo com uma guerra santa.

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A propósito: e se os ministros resolvessem parar de conceder liminares em pedidos de habeas corpus, hein?, aqueles que chegam para beneficiar políticos encrencados? Essa ousadia ninguém terá?

Depredadas as respectivas sedes dos Três Poderes, a do Judiciário foi a que mais sofreu, depois de cinco anos de campanha de ódio, incluindo 2018, o da eleição. Se depender de gente como Marinho e os que o acompanhavam, continuará assim. Compreende-se. A plenitude do bolsonarismo não convive com Justiça e com instituições.

ANISTIA E IMPUNIDADE
Ontem de manhã, Lula recebeu representante da BYD. A empresa vai criar no país a primeira empresa de carros elétricos fora da Ásia. Também nesta quarta, a GM anunciou R$ 7 bilhões de investimentos. Embora o caos ande a ser barateado por aí, tudo indica que não virá. Pesquisa CNT-MDA, como já afirmei em "Olha aqui", neste portal, traz números bastante positivos para o governo e para o próprio presidente. "Mas assim ele acaba se reelegendo"...

Eis o busílis.

Essa gente busca criar o ambiente de uma corte cercada — e não vai conseguir — com a intenção de livrar a cara do seu líder e, no extremo do delírio, arrancar a sua (re)elegibilidade para 2026. Não dará certo. A Papuda está bem mais próxima do que o Planalto.

Parece sandice? Parece. É sandice? É? A isso, esses "patriotas" chamam "pacificação" do país. O senador Hamilton Mourão entregou o serviço em seu perfil no Twitter. Escreveu esta maravilha (reproduzo como está lá:
"Hoje, junto com outros senadores, acompanhei o Senador Rogério Marinho (PL/RN), líder da Oposição no Senado Federal, em reunião com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Luís Roberto Barroso.
No encontro, falamos sobre o necessário equilíbrio e respeito entre os poderes, deixando clara a nossa posição em relação aos inquéritos e a necessidade de anistia."

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Parece que, depois de vituperar contra os ministros — com aquele seu jeitinho manso e sonso —, Marinho foi lá tentar ganhar a simpatia de uma de suas cobiçadas vítimas. Que momento lindo!

Mourão falou a palavra mágica: "anistia". Informo: concedê-la é prerrogativa do Congresso, desde que o propósito não seja se comportar como instância revisora do tribunal, que cassou a graça de Bolsonaro a Daniel Silveira justamente porque entendeu que se tratava de um modo de impedir o exercício da Justiça.

Ainda que o Congresso caísse nessa tentação e ainda que o STF anuísse com a anistia de todos os condenados pelos atos golpistas — se a primeira coisa acontecesse, não aconteceria a segunda —, o "Cara" seguiria inelegível porque condenado pela Justiça Eleitoral. Mas aí viria a pressão pela "pacificação", que só se daria com, bingo!, com a (re)elegibilidade.

PARA ENCERRAR
O mais impressionante é que a bolsonarada resolveu comentar a postagem insana de Mourão. Acreditem: não para elogiá-lo. Caíram de pau no general porque ele teria ido falar com um inimigo.

Marinho e seus valentes continuarão a acender todas as luzes das trevas. Sem proposta, projeto, eira ou beira, é o que lhes restou fazer, com sua mansidão agressiva, que finge ser intransigência dos puros.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.