Bolsonaro renova devoção golpista; ao menor deslize, cana! É a democracia!
O ato convocado por Jair Bolsonaro para o próximo dia 25 corresponde a um ritual de renovação de suas convicções e práticas golpistas. Acrescenta mais um evento à sua folha corrida de delinquente da ordem institucional e expõe, como tenho chamado atenção há tempos aqui e em toda parte, o estado de miséria da direita que reivindica a condição de democrática — o que, obviamente, não é.
Os que o acompanharem no palanque — Tarcísio de Freitas, Ronaldo Caiado, Ricardo Nunes, entre outros, e uma penca de parlamentares — estarão a dizer aos brasileiros, ainda que tacitamente, que, se na Presidência um dia, poderiam recorrer aos mesmos métodos e cometer as mesmas insanidades. E nenhum desses tem por que se zangar com essa afirmação. Ao normalizar articulações, discursos e patranhas em favor da disrupção, candidatam-se, potencialmente ao menos, a repeti-los ou a aplaudir quem os repita. Pode não ser um naufrágio eleitoral, mas é um suicídio moral.
Uma nota antes que prossiga: ao constatar que a adesão à patuscada autoritária não implica um desastre eleitoral, relevo o fato de que há, sim, milhões de brasileiros que abraçaram, para ser sintético, o "bolsonarismo". Nada há de novo sob o sol ou em meio às trevas nesse particular. A expressão mais virulenta desse tipo de pensamento, o fascismo, tinha apoio popular. Começou disputando o voto e se impôs pelas armas. Adiante.
TESTANDO OS LIMITES
O notório irresponsável testa, mais uma vez, a tolerância do regime democrático com os que pretendem solapá-lo. Como deve restar óbvio a todo mundo, pretende que o evento do dia 25 seja apenas o primeiro de uma escalada cuja finalidade é pôr de joelhos o Poder Judiciário -- hipótese, então, em que os processos que lhe dizem respeito seriam extintos, e sua elegibilidade, resgatada.
"Mas assim não se fez com Lula?", indaga o idiota ou o canalha. A resposta é "não!" O agora presidente não insuflou seus seguidores contra o Judiciário. O petista foi condenado sem provas e preso; Dilma foi apeada do poder pelo impeachment, e não se viu nenhuma incitação à desordem. Suas respectivas defesas recorreram às instâncias legais, não à arruaça.
A propósito: mais de uma vez, pessoas que se dizem preocupadas apenas com o "bem do Brasil", geralmente pertencentes às elites econômicas, indagam se não está na hora de "baixar a bola"; se Alexandre de Moraes — como se dependesse de sua vontade — não deveria "deixar esse negócio pra lá"; se o "mais prudente não é investir na pacificação"... Que não se tenha falado o mesmo sobre Lula — efetivamente condenado sem provas, reitero — e que se evoque a tolerância com os intolerantes, convenham, diz muito sobre os proponentes.
O GOLPISMO ESCAMOTEADO, MAS CONFESSO
Há um aspecto que seria quase cômico, não fosse a evidência de que se tratava de uma agressão às instituições. O pastor Silas Malafaia chama para si a responsabilidade pela convocação e, entende-se, pela organização do protesto do próximo domingo. Isso, por si, já encerra um estranhamento: trata-se, afinal e para todos os efeitos, de um líder religioso, não de um político.
No dia 28 de novembro de 2022, o pastor, aos berros, cobrava nas redes sociais que o então presidente liderasse um golpe militar e prendesse aqueles nas Forças Armadas que se negassem a obedecê-lo:
"Senhor presidente Jair Messias Bolsonaro, o senhor é o presidente legal em exercício; o senhor tem poder de convocar as Forças Armadas para botar ordem na bagunça que esse ditador [Moraes] fez, e se os militares não quiserem te obedecer, o Código Penal Militar, artigos 5º e 319, são presos!".
Uma observação antes que avance. Os artigos citados por ele nada têm a ver com obediência devida. O homem pode fazer o livre exame da Bíblia (e como faz!), mas não do Código Penal Militar (CPM). A obediência devida está no Artigo 163:
"Art. 163. Recusar obedecer a ordem do superior sobre assunto ou matéria de serviço, ou relativamente a dever imposto em lei, regulamento ou instrução:
Pena - detenção, de um a dois anos, se o fato não constitui crime mais grave."
Mas se dá como certo que ordem manifestamente criminosa não deve ser cumprida, conforme Parágrafo 2º do Artigo 38:
"§ 5º Se a ordem do superior tem por objeto a prática de ato manifestamente criminoso, ou há excesso nos atos ou na forma da execução, é punível também o inferior hierárquico."
Entende-se o óbvio pelo que vai acima: o subordinado não está obrigado a se expor a uma condenação por dever de obediência. O bravo resolveu escrever a sua própria versão do CPM. Ah, sim: se ele não sabe o significado da expressão "manifestamente criminoso", explico: é aquilo que a lei define como crime, a exemplo de "organização criminosa" (Lei 12.850); "tentativa de abolição do estado de direito" (Art.359-L do Código Penal) e "tentativa de golpe de estado" (Art. 359-M do CP).
Desta feita, chamando para si parte da responsabilidade pelo convocação na Paulista, o líder da igreja Vitória em Cristo diz ao Estadão:
"Não vamos atacar o STF ou atacar o Alexandre de Moraes. Vou fazer apenas uma menção sobre o Alexandre de Moraes. Mas não será igual às menções que faço nas minhas redes sociais, o chamando de 'ditador da toga', pedindo o impeachment dele. Nas redes sociais, boto pra arrebentar".
É como se dissesse:
"Na manifestação, apelarei a um truque: eu mesmo não direi nada. Mas todos sabem que sou aquele mesmo que, nas redes, bota pra arrebentar; aquele mesmo que pregou abertamente a intervenção militar no dia 28 de novembro de 2022 e ainda incitou Bolsonaro a, contra a lei, prender os generais que não o obedecessem".
É importante destacar que aquele novembro de 22 foi marcado pelas ações deliberadas dos conspiradores para alvejar os generais do Alto Comando que resistiam à virada de mesa, conforme evidências colhidas pela Polícia Federal. Assim, a declaração dada ao Estadão está mais para uma confissão oblíqua da intenção criminosa do ato anunciado do que para a sua negação.
TODO MUNDO SABE O QUE TODO MUNDO SABE
Bolsonaro e Malafaia, por seus próprios testemunhos, assumem a responsabilidade pelo chamamento e pela organização da pantomima golpista. O objetivo, como diz o ex-presidente, é produzir a tal "fotografia para o Brasil e para o mundo", como a caracterizar um tribunal contra o povo -- porque já sabemos também que o "Mito" costuma confundir seus fanáticos com o conjunto dos brasileiros.
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Quero receberO que quer que aconteça ali, pois, está sob a responsabilidade direta de ambos. E quanto às demais lideranças políticas presentes? Conhecida a natureza do que se promove, convenham, todas elas terão decidido correr o risco de colaborar para produzir um resultado de intenções que já se anunciam criminosas. Será preciso avaliar depois se o fato cumpriu o desiderato, assim como se as intenções golpistas do Imbrochável mobilizaram a tentativa de golpe.
Estão querendo pagar para ver. Pois que vejam, segundo o que a lei lhes dá de graça. O líder da extrema-direita brasileira finge estar convencido de que pode cometer crimes em penca e que só o "seu" povo pode condená-lo ou absolvê-lo. Errado. Na esfera eleitoral, isso se faz pelo voto. No direito penal, quem decide é a Justiça. Contestar uma decisão é do jogo; ameaçar o tribunal, ainda que de forma oblíqua, é crime. Está no Código Penal. Como está sob investigação, que venha a prisão preventiva ao menor deslize. Seu ou da turba.