Reinaldo Azevedo

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Ameaçar STF com impeachment é o método 'Corleone-Soprano' de fazer política

Não há jurista ou sofista capaz de demonstrar a constitucionalidade das desonerações aprovadas pelo Congresso. Tanto seus defensores sabem disso, a exemplo de Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado, que o argumento jurídico foi abandonado. Preferem acusar a "judicialização da política", como se o Executivo cometesse uma traição e uma conspiração ao recorrer ao STF.

Mais: ao menor sinal de contrariedade com alguma decisão do tribunal, alguém se lembra, ali pelas cercanias da nossa "Câmara Alta", de falar em "impeachment" de ministro do Supremo em 2027... Esse é o modo de operar de Michael Corleone e de Tony Soprano — menos o charme misterioso e a graça dos papéis interpretados, respectivamente, por Al Pacino e James Gandolfini. Sobra só a truculência de canastrões da democracia, a serviço de lobbies, a envergar as vestes de defensores do interesse público.

É certo que alguns capas-pretas do Congresso estão furiosos com o governo porque este resolveu recorrer à lei para barrar o... ilegal. Que despropósito, não é mesmo!? Que coisa mais exótica! E não cansam também de mandar recados ao STF. Embalaram um golpista por quatro anos; ajudaram a patrocinar suas ilegalidades na boca da urna; toleraram todos os seus crimes de responsabilidade, dando-lhe a certeza, alimentada a verbas do Orçamento Secreto, de que mal nenhum poderia lhe advir das Casas Legislativas. E eis que esses Varões de Plutarco, pouco mais de um ano depois do ataque bárbaro às sedes dos Três Poderes, ameaçam com o enforcamento de ao menos um magistrado de nossa Corte Suprema, a partir de 2027... Para que possa servir de exemplo. Se e quando isso acontecesse, a crise se instalaria no país para não mais sair.

É intolerável. Trata-se de um jeito mafioso de fazer política.

Eu não sei se o Senado terá uma maioria de "extrema-direita" em 2027. Mas sei que os que prepararam uma "pauta anti-STF" antes mesmo que os mandantes das ações golpistas tenham sido julgados por seus crimes se alinham e se aliam, objetivamente, com o golpismo. Nem mesmo esperaram a suposta maioria reacionária, que acreditam que virá, para tentar intimidar o tribunal. Que fique claro: o jornalismo que reporta essas conversas de bastidores faz o seu trabalho. E elas efetivamente existem.

Por isso estou entre aqueles que consideram que a vitória de Lula em 2022 constituiu um elemento importante de contenção da fascistização do país, mas que o perigo ainda nos ronda — a exemplo do que acontece em outras democracias mundo afora. As forças de desestabilização do pacto civilizatório instituído em 1988 têm encontrado aliados hoje até na chamada "grande imprensa" — sob o pretexto de garantia da pluralidade —, o que é um dado novo no país desde a redemocratização. Trata-se de uma regressão política, ética, moral e profissional.

No caso em tela, diga-se — o das desonerações —, uma das formas de dar trela a agentes disruptivos consiste em especular, como tem feito certo colunismo ou bêbado ou decrépito, que os cinco votos até agora havidos no STF em favor da liminar que suspende o texto inconstitucional e ilegal aprovado no Congresso é parte de um arranjo entre o Planalto e o tribunal, como se o exercício regular do direito fosse uma conspiração. É gente incapaz de ler uma liminar ou de compreender uma disposição constitucional ou legal. Fosse como querem, a única forma de os ministros provarem independência seria votando contra a Constituição e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Chegamos a um ponto em que só se demonstra isenção ignorando a ordem legal. A safadeza, nem poderia ser diferente, serve para alimentar as milícias digitais fascistoides.

Entreguemo-nos, pois, à vida e seu ofício. Eu não sei que composição terá o Senado em 2027. Sei que os ministros do tribunal não podem se impressionar. Do contrário, estariam se deixando intimidar por Corleones e Supranos de quinta categoria antes mesmo que uma maioria mafiosa dominasse o Senado. Chega de ameaças veladas!

Encerro com uma advertência a setores importantes da economia brasileira que ainda flertam com esses "patriotas". Eis aí um projeto de Brasil: a crise permanente.

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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