Brasil será pressionado na ONU a garantir direito ao aborto legal
O governo brasileiro será cobrado por peritos internacionais sobre os obstáculos que mulheres continuam a enfrentar no país para que possam realizar abortos legais.
O aborto legal é permitido pela lei brasileira e deve ser oferecido gratuitamente pelo SUS. O aborto no país não é considerado crime quando não há outro meio de salvar a vida da gestante e quando a gravidez é resultante de estupro.
Mas, segundo documentos recebidos pelo Comitê das Nações Unidas para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres (Cedaw), os serviços não têm sido garantidos, afetando principalmente as mulheres com baixa renda.
O Comitê analisará a situação do Brasil no próximo dia 23, em Genebra, quando uma ampla delegação do governo e da sociedade civil estará presente. Essa será o primeiro exame sobre a condição da mulher no país em 12 anos.
O UOL apurou que o comitê está se preparando para questionar a delegação brasileira sobre a situação do aborto no país. Num dos documentos recebidos pelos peritos e preparados por Defensorias Públicas estaduais, o alerta é feito sobre os problemas enfrentados por mulheres nesse aspecto.
Apesar da obrigação assumida pelo Estado Brasileiro, a realidade é que o acesso ao norte legal no Brasil revela um cenário completo, com diversas barreiras impostas sobre mulheres ao acesso a esse direito.
Trecho de documento preparado por Defensorias Públicas
De acordo com o levantamento entregue ao Comitê da ONU, 58% das mulheres brasileiras vivem em cidades sem serviços de aborto legal.
Com 822 mil estupros registrados por ano, apenas 8,5% foram notificados para a polícia. Entre 2015 e 2023, o SUS apontou que realizou uma média anual de 1.800 abortos por razões médicas e legais. Isso seria apenas 3% do total de gravidezes resultantes de estupros.
O documento ainda denuncia o fato de que o serviço de aborto legal do Hospital Municipal e Maternidade da Vila Nova Cachoeirinha, referência na realização do procedimento, ter sido fechado em dezembro de 2023 pela Prefeitura de São Paulo. O hospital, localizado na zona norte da cidade, era o único do estado a realizar interrupções de gestação em casos em que a idade gestacional ultrapassa as 22 semanas.
Outra demonstração da dificuldade em ter acesso ao procedimento legal, as Defensorias alertaram para o Comitê da ONU sobre a resolução 2.378/2024 do CFM (Conselho Federal de Medicina), que impedia médicos de realizarem o procedimento de assistolia fetal, essencial na humanização e qualidade da assistência à interrupção de gravidez de meninas, adolescentes e mulheres estupradas.
A Justiça Federal suspendeu a vigência da resolução, depois de um pedido liminar do Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (Cebes), da Sociedade Brasileira de Bioética (SBB) e do Ministério Público Federal (MPF).
No ano passado, o Comitê da ONU para Direitos Econômicos e Sociais propôs a descriminalização do aborto e afirmou estar preocupado com:
- os obstáculos que as mulheres enfrentam para obter acesso ao aborto seguro, mesmo nos casos em que ele é legalmente permitido, especialmente para as mulheres que enfrentam formas de discriminação cruzadas.
- as altas taxas de mortalidade materna e com a falta de acesso a serviços de saúde sexual e reprodutiva apropriados e a informações em áreas rurais e periféricas.
O comitê recomendou que o Brasil:
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JAMIL CHADE
Todo sábado, Jamil escreve sobre temas sociais para uma personalidade com base em sua carreira de correspondente.
Quero receberreveja sua legislação criminal que proíbe o aborto para torná-la compatível com a integridade, a autonomia e a saúde das mulheres, em particular descriminalizando o aborto e ampliando as circunstâncias em que o aborto é legalmente permitido, e seja orientado pelo comentário geral do Comitê nº 22 (2016) sobre o direito à saúde sexual e reprodutiva e pelas Diretrizes da Organização Mundial da Saúde sobre o Aborto (2022);
garanta a acessibilidade e a disponibilidade de serviços e informações de saúde sexual e reprodutiva adequados e de boa qualidade, inclusive o acesso a serviços de aborto seguro, incluindo medicamentos para aborto, contracepção e contracepção de emergência, para todas as mulheres e meninas adolescentes no Estado-Parte, especialmente em áreas rurais ou remotas;
tomar as medidas legislativas e administrativas necessárias para prevenir a mortalidade e a morbidade maternas, levando em conta a orientação técnica fornecida pelo Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos sobre a aplicação de uma abordagem baseada nos direitos humanos para a implementação de políticas e programas para reduzir a morbidade e a mortalidade maternas evitáveis.
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