Reinaldo Azevedo

Reinaldo Azevedo

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

Tarcísio 'bolsonarista moderado' expõe a Lula jogo do extremismo de centro

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, está de mudança para o PL. Dava-se como certo que iria acontecer. Não se sabia quando. Segundo Valdemar Costa Neto, presidente do partido, Tarcísio deixa o Republicanos antes ainda das eleições municipais. Um segredo de Polichinelo: trata-se de mais um passo na construção da sua candidatura à Presidência da República — e, não menos evidente, ele se apresenta como o herdeiro político de Jair Bolsonaro, embora isso não possa ser dito acima de determinado volume porque, para todos os efeitos, o ex-presidente aposta que pode reverter a sua inelegibilidade. Alguma chance de que isso possa acontecer? Abaixo de zero. Mas é preciso alimentar a mística para que se mantenha unida a tropa nas redes e fora delas.

Uma nota a propósito, antes que siga: os bolsonaristas querem condicionar seu apoio a um nome para o comando da Câmara que se comprometa com a anistia aos condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro, condição que ainda não atinge o dito "Mito", mas atingirá. O texto tem de ser encaminhado por projeto de lei e pode ser aprovado por maioria simples. Ainda que acontecesse, o presidente da República poderia vetá-lo — e o veto só pode cair por maioria absoluta. Ainda que tudo acontecesse até esse ponto, como sonha a extrema-direita, o STF certamente derrubaria a aberração porque se trataria de uma evidente interferência de um Poder em Outro. Nesse caso, o Legislativo estaria se colocando como revisor de decisões do Judiciário, usando a anistia com óbvio desvio de finalidade. Há uma questão adicional: Bolsonaro está inelegível até 2030 em razão de um julgado do TSE. Seria preciso conspirar para patrocinar duas anistias: uma contra o STF e outra contra a corte eleitoral. Não passará.

Assim, as circunstâncias impõem a Bolsonaro a construção de um nome que possa representar, vamos dizer, a sua herança. As pesquisas apontam dois com bom potencial de voto: Tarcísio e, como se sabe, Michelle. No balanço que considera adesão, rejeição e nível de conhecimento, o governador de São Paulo surge como a alternativa com mais potencial. E também é certo que teria mais facilidade para granjear o que já tem: a simpatia de setores do empresariado e da tal "mídia", como se pode constatar sem muita dificuldade. Embora o titular dos Bandeirantes dê reiteradas demonstrações de ser um bolsonarista-raiz, há um esforço danado para caracterizá-lo como representante do "bolsonarismo moderado" — seja lá o que isso signifique.

Há uma aposta entre direitistas e o que chamo "extremistas de centro" de que Tarcísio é um amansador dos contornos do bolsonarismo e busca falar a um público mais amplo. Sem dúvida, é menos falastrão e não sai por aí a falar o que dá na telha, a exemplo de seu chefe político. Mas daí a ser um "moderado" vai uma grande distância. Talvez a construção desse perfil até estivesse no seu horizonte nos primeiros tempos. Ocorre que Bolsonaro e seu entorno mantiveram o poder de mandar os infiéis para a fogueira. Se alguém quer o seu apoio, há de ser segundo a sua escatologia.

O governador busca, vamos dizer, ampliar o seu raio de atuação. Era um dos convidados do "jantar não político" que o apresentador "não político" Luciano Huck ofereceu ao "não político" Roberto Campos Neto e a um grupo de amigos, todos naturalmente "não políticos", entre empresários "não políticos" e, como se noticia, funcionários da Globo, todos, obviamente, "não políticos" também. Nunca antes da história deste país tantas pessoas com vergonha da política — a anunciada ao menos — se juntaram à volta de uma mesa para tratar de política. "Político", como sabemos, é o ministro Paulo Pimenta, indicado por Lula para ser a autoridade a acompanhar os trabalhos de reconstrução do Rio Grande do Sul em nome do governo federal. Até Eduardo Leite foi tratado como um "não político". E, bem, acho que posso me dispensar de demonstrar que estamos diante de uma construção... política.

Essa Geni execrada por tanta gente, a tal política, no entanto, existe, ainda que alguns de seus operadores se finjam apenas de Arlequins e Colombinas. E uma das regras nada secretas da dita-cuja está no fato de que as escolhas têm consequências. Lula está no 17º mês de mandato. Até a eleição de outubro de 2026, há outros 29. Parece-me um pouco cedo para que se defina desde já o seu adversário. Liderasse um governo desastroso, vá lá. Mas também os que pretendem se organizar para vencê-lo sabem que isso não é verdade. No esforço precoce de enfraquecer um presidente, podem concorrer para fortalecê-lo. Há frenesi ideológico para antecipar o malogro da gestão que é ditado exclusivamente por histeria ideológica.

Tarcísio percebeu que pode estar num jogo de ganha-ganha. Se o prestígio de Lula cresce, de modo que enfrentá-lo se torna uma empreitada eleitoralmente arriscada, pode escolher se candidatar a uma nova temporada nos Bandeirantes. Como isso se vai ver mais adiante, não se terá, nesse caso, um nome competitivo da direita e da extrema-direita. Se o petista naufragar — e essa hipótese, por enquanto, e só um delírio reacionário —, então aí terá ocupado o lugar de contendor viável.

Uma consequência evidente dessa precipitação da disputa de daqui a 29 meses, a que se dedicam também setores engajados da imprensa, é a absoluta impossibilidade de aparecer o "Dom Sebastião dos Extremistas de Centro". Não há espaço para ele. E não há de modos distintos e combinados:
1) porque Lula, ele próprio, governa com o apoio da direita e de centristas;
2) porque é visível que o "centrismo", desde já, resolveu fazer de Tarcísio o seu "bolsonarista moderado".

E, assim, se antecipa a Lula, um dos prováveis contendores de 2026, a natureza do jogo. E é sempre melhor, a um bom jogador, que se diminuam os fatores aleatórios. Essa paixão sanguinolenta do espírito que toma alguns adversários do petista pode acabar saindo pela culatra. A ver.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Deixe seu comentário

Só para assinantes