Reinaldo Azevedo

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Opinião

Reforma Tributária: Oposição, sabotagem e a carne fraca, e forte, de reaças

A Câmara dos Deputados aprovou ontem à noite o texto mais importante da regulamentação da Reforma Tributária, que define as isenções da cesta básica, o "cashback", os regimes específicos de tributação e o imposto seletivo. Também se definiu o teto da tributação: 26,5%. Esse é um daqueles momentos em que o governo Lula faz a institucionalidade avançar, a despeito, como diria o poeta, da "vanguarda do não". Ou da "vanguarda do retrocesso". Foram 336 votos favoráveis — eram necessários 257 — e 142 contrários, com duas abstenções, num total de 480. Deixaram de votar 33. Opor-se a um governo é coisa diferente de escolher o caminho da sabotagem. Vamos ver.

Peguemos os extremos da adesão e da rejeição entre os grandes partidos: 66 dos 68 petistas aprovaram a proposta (97%) — dois se ausentaram. No PL de Bolsonaro, 76 dos 93 fizeram o inverso: disseram não — 11 ficaram a favor, e 6 não votaram. O partido orientou a rejeição ao texto, a exemplo do Novo, o nanico mais reacionário do que a própria reação: seus três Robins Hoods às avessas conseguiram a proeza: 100% de resistência. Que performance!

Vocês encontram em toda parte o detalhamento do texto, com a lista de produtos e as categorias em que entraram. Dou relevo a duas coisas: a inclusão das carnes na cesta básica — e, pois, com isenção — e a rejeição ao imposto seletivo para as armas, destaque correto feito pela excelente deputada Erika Hilton (PSOL-SP), mas que foi recusado por 316 votos a 155. Convenham: ninguém esperava nada muito diferente. É nessas horas que Tio Rei pergunta se Deus se ausenta da dita "bancada evangélica", não é mesmo? Ou já inventaram um Jesus com pistola escondida na túnica para assaltar os de boa-fé?

O CASO DAS CARNES
A "proteína", como costuma chamar a imprensa, não estava na cesta básica, contrariando, diga-se, a vontade de Lula, que defendia a sua inclusão, como deixou claro em entrevistas a rádios. Mas ele se vergou aos argumentos do ministro Fernando Haddad (Fazenda) e do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Estudos apontam que a isenção tem um impacto de 0,53 ponto na carga total de impostos. Assim, o mais sensato -- e concordo com esta visão -- seria cobrar o imposto, com redução de 60%, fazendo o "cashback" para os mais pobres.

Mas vocês sabem... A bancada ruralista tem poder, não é mesmo? O PL — aquele que votou para sabotar a reforma — já havia deixado claro que tinha um destaque, então, para incluir a carne na cesta básica. O relator do texto, deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), decidiu, nos instantes finais da votação, incluir todas as proteínas animais da cesta — carne, peixes e queijos, além do sal. Todos os líderes concordaram, mas foi preciso fazer uma votação-relâmpago para formalizar a mudança, aprovada por 447 votos a 3, com duas abstenções.

Opa! Prestaram atenção? O texto da regulamentação da reforma foi aprovado por 336 votos; a inclusão da carne (e demais proteínas) na cesta básica — e, pois, com isenção de impostos — contou com 447 votos: 111 a mais! Com a devida vênia, isso expressa, a um só tempo, sabotagem, subserviência, falta de escrúpulos e mau-caratismo político. Por quê?

Ora, fica evidente que os valentes do PL, entre outros, que se opuseram à reforma sem ter motivos claros par isso — além da disposição de sabotar o governo — resolveram deixar claro a seus "brothers" do "ruralismo" que lá estão para garantir seus interesses. "Ora, Reinaldo, votar contra a inclusão das carnes na cesta básica é um mal em si?" Não. Diga-se de novo: o próprio Lula defendia a proposta. Mas notem: o sujeito que diz "não" à reforma e "sim" à isenção de impostos para um produto, sendo isso parte da própria reforma, bem..., esse cara, neste filme, está abaixo do cocô do cavalo do bandido. De resto, os que andaram produzindo valentias retóricas contra o texto só o fizeram porque sabiam que seria aprovado. Mistura à subserviência a covardia.

O deputado Filipe Barros (PL-PR), líder da oposição na Câmara, anunciou a orientação pela rejeição, assegurando que haverá elevação da carga tributária. Falso. Disse tratar-se de um estratagema do governo para aumentar a tributação. Falso também. As associações empresariais, por exemplo, sem exceção, aprovam a proposta.

De qualquer modo, tem-se aí uma medida do tamanho do bolsonarismo sabotador na Câmara. Se não chega a reunir os 142 — pode até haver um ou outro que têm lá razões próprias para se opor —, está por aí. A propósito: vejo que Pedro Lupion (PP-PR), o chefão da bancada ruralista, votou a favor. É um entusiasta da anistia a Bolsonaro. Vai ver está com saudade dos Planos Safra mirrados da gestão de seu ídolo.

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O governo ousou levar adiante a reforma tributária, em parceria com lideranças do Congresso, enfrentando, como se vê, adversidades que não são pequenas. Eis mais um caso em que, a despeito de problemas aqui e ali, concorre para um avanço formidável do país. Trata-se de uma demanda de modernização do capitalismo brasileiro que tem mais de 30 anos. Está sendo levada a efeito no governo de Lula — "o comunista", como o chamam os seres trevosos —, o mesmo que bateu o próprio recorde com o Plano Safra 2024-2025.

ENCERRO
Nas democracias, manter a estabilidade do país não é tarefa só do governo. Também as oposições têm um papel institucional. O bolsonarismo entende que sua função é sabotar o "inimigo", não importa o que esteja em votação, na certeza de que só assim conseguirá voltar ao poder um dia.

Como esquecer a frase de Bolsonaro, em longínquo jantar, em 17 de março de 2019, em Washington, na presença de Steve Bannon, o vagabundo de extrema-direita que está na cadeia? Disse então:
"O Brasil não é um terreno aberto onde nós pretendemos construir coisas para o nosso povo. Nós temos de desconstruir muita coisa, desfazer muita coisa, para depois começarmos a fazer".

Com efeito, destruiu muito, não construiu nada, e seus liderados seguem firmes na sanha destrutiva.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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