Wálter Maierovitch

Wálter Maierovitch

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

Maduro esconde os retratos das urnas e Amorim tem de parar de ensebar

Em uma apuração eleitoral em país democrático, cada urna com votos tem o seu retrato. Ou melhor, uma cara própria, única e insubstituível.

Isso decorre da garantia expressa na fórmula "um cidadão, um voto". É o sufrágio universal, democrático.

Um cidadão, um voto

Quando não se emprega essa fórmula, "um cidadão um voto" e alertaram sociólogos históricos, respeitados como de Alexis Tocqueville e de Max Weber, não temos democracia.

Na democracia, termo grego com grafia mantida em todos os países do mundo, o povo é que comanda: demos (povo), kratos (poder).

Cada eleitor, chamado de cidadão por estar legitimado a votar, tem direito ao sufrágio (voto). Na ditadura de Maduro, a prova do voto do cidadão venezuelano não foi apresentada, embora, pasmem, o resultado do vencedor do pleito eleitoral restou proclamado.

Tocqueville, com números, concluiu existir em Atenas uma aristocracia alargada, jamais uma democracia. Votavam os homens e, dentre esses, os livres, cerca de 20 mil. Os escravos somavam 350 mil, à época ateniense. Weber, com expressão forte, menciona um estamento social "que dividia a pilhagem".

Maduro não governa de forma democrática, mas ditatorial. Não tem o carisma de Hugo Chávez, daí, protestos contra o resultado das eleições, tipo panelaços, ocorreram em bairros populares. Maduro é um populista sustentado pelos militares. Usa, como populista, conduta agressiva, demagógica e simplista (acabou de expulsar diplomatas).

Mapa da mina e golpe de estado

Nicolas Maduro, ao esconder o retrato das urnas (talvez alguém esteja forjando algum), está promovendo um golpe de Estado. Não quer deixar o poder e, pelos indícios e antecedentes nos seus mais dez anos de presidente, não aceita a derrota e viola a regra democrática e republicana da alternância.

Continua após a publicidade

Maduro, ao não dar publicidade às atas eleitorais, atenta à Constituição Bolivariana da Venezuela de 1999, proclamada ao tempo do seu antecessor Hugo Chávez.

Na Venezuela, como no Brasil do seu velho Código Eleitoral, a cada urna com contagem de votos concluídos lavra-se um boletim apuratório, também conhecido por "mapa da urna". O boletim, ou "mapa da urna" totalizada leva, na Venezuela, o nome de ata.

A ata é o espelho, estampa o que está na urna. É o mapa da mina, para usar uma expressão popular.

Afixação da ata

Cada ata de urna individualizada, com contagem manual e pública, ou com totalização eletrônica acompanhada por fiscais partidários, tem a sua cópia autêntica afixada em lugar de acesso público livre. Isso, por força constitucional-legal, é igual na Venezuela e no Brasil

Mais ainda, cópias autenticadas pelas autoridades eleitorais são entregues aos representantes designados pelos partidos políticos e coalizões partidárias. Tanto na Venezuela quanto no Brasil, existe essa igual obrigação legal.

Continua após a publicidade

Atenção: cerca de 40% do total das atas, ou seja, dos retratos de cada urna, não foram publicadas e nem entregues à frente partidária de oposição ao partido de Maduro, liderada pelo candidato Edmundo Gonzáles Urritia.

A oposição, com Maria Corina à frente, prometeu, e está a aguardar para contestar uma tardia vinda de atas pelo governo Maduro. Prometeu mostrar o resultado das atas que foram afixadas. E mostrar, com relação às não afixadas, a verificação realizada em paralelo.

Recontagem a novas atas

No sistema venezuelano existe um duplo controle. Além do sistema da urna eletrônica, funciona outro. O voto dado é impresso, o eleitor confere e leva cópia. Outra cópia é coletada junto à urna.

Portanto, existe, em tese, a possibilidade de recontagem.

O problema, como coloquei na minha coluna de segunda (29), é que o CNE (Conselho Nacional Eleitoral) está comprometido com o terceiro mandato de Maduro.

Continua após a publicidade

O CNE, órgão de vértice e poder eleitoral autônomo da Venezuela, recusa-se a fornecer as atas, ou seja, os mapas, os retratos das urnas. E coube ao CNE realizar as verificações e as totalizações.

O CNE, como se nota, não foi o garantidor do princípio da publicidade, garantido pela Constituição venezuelana de 1999.

Passado prazo razoável de publicação, —- que deveria ser de imediato —, os mapas passam a ter presunção absoluta de fraude.

ENSEBANDO

Foram raros os estados-nacionais a enviar para a eleição venezuelana observadores. O presidente Lula designou o seu assessor especial, embaixador Celso Amorim.

Com prudência inicial, Amorim exigiu a verificação das atas, embora não se saiba a estrutura da embaixada brasileira para verificar a autenticidade documental e a realizar uma somatória por amostragem.

Continua após a publicidade

Todos sabem, e Amorim muito mais, que o sistema eletrônico foi tirado do ar por mais de 24 horas, a retardar a divulgação final do resultado: divulgou 80% da totalização. O embaixador Amorim sabe, também, que membros do CNE foram nomeados pelo Tribunal Supremo de Justiça e não, como previsto na Constituição, pela Assembleia Nacional, o poder Legislativo.

Como o público e notório independe de prova, Amorim bem sabe da não afixação de todas as atas e da não entrega delas à oposição.

E o sistema eletrônico venezuelano, e até Simón Bolívar já deve saber no além, não é plenamente auditável: só em 70%.

Amorim já espera por tempo mais do que razoável a documentação eleitoral de Maduro. Pela espera, passou a fazer o papel de torcedor, em prorrogação de jogo de futebol.

Como se sabe, Amorim não tem autoridade alguma em território venezuelano. É apenas um convidado a representar o governo brasileiro. O papel de conciliador informal, com Amorim a representar Lula, não cairá bem ao Brasil, ainda numa eventual solução de recontagem de votos.

Em um pano rápido, Amorim tem de parar de ensebar.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Deixe seu comentário

Só para assinantes