Josias de Souza

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Opinião

Lula faz qualquer coisa por Maduro, até papel de bobo

Em sua primeira manifestação sobre a eleição presidencial na Venezuela, Lula disse que "não tem nada de grave, nada de assustador" acontecendo no país vizinho. Disse isso num dia em que a autoproclamada reeleição de Nicolás Maduro, contestada pelo mundo democrático, eletrificava o asfalto venezuelano. Reprimida, a revolta popular já resultou em mais de uma dezena de cadáveres. Algo como 750 pessoas foram presas.

Falando à TV Centro América, de Mato Grosso, Lula avaliou que "é normal que tenha uma briga" entre Maduro e a oposição, representada no pleito de domingo por Edmundo González. Para ele, a encrenca é de fácil resolução.

Maduro disse a Celso Amorim, o enviado do Planalto a Caracas, que divulgará as atas das seções eleitorais, só não sabe quando. Remanescendo dúvidas sobre o resultado, "a oposição entra com um recurso e vai esperar na Justiça." O resultado do julgamento "a gente tem que acatar", disse Lula. Para ele, é "um processo normal, tranquilo."

Todo venezuelano sonha em viver nessa Venezuela democrática esboçada nas declarações de Lula, seja ela onde for. O diabo é que um fato não deixa de existir apenas porque o presidente brasileiro o ignora. No país de Maduro, a autoridade eleitoral é exercida por um compadre e o Judiciário está submetido ao palácio presidencial.

No Brasil, a Justiça Eleitoral puniu Bolsonaro com a inelegibilidade por ter sonhado com uma ditadura absoluta. Beneficiário direito da frente ampla que se formou em defesa da institucionalidade, Lula talvez devesse refletir sobre a inconveniência de tratar a Venezuela como uma democracia relativa.

Levando a reflexão a sério, Lula descobria o valor do silêncio. Evitaria, por exemplo, o endosso a uma nota vexatória expedida pela direção nacional do Partido dos Trabalhadores. Nela, a cúpula petista dispensou a divulgação das atas eleitorais venezuelanas. Chamou Maduro de "presidente reeleito". Deu de ombros para a convulsão do asfalto. Referiu-se à perversão eleitoral como "uma jornada pacífica, democrática e soberana".

Instado a comentar, Lula não se opôs ao teor da nota do seu partido. Ao contrário, endossou o texto. Mais: acusou a imprensa brasileira de exagerar, tratando a crise venezuelana "como se fosse a Terceira Guerra Mundial". Noutros tempos, a condescendência de Lula e do PT com ditadores companheiros era apenas vexaminosa. Depois do 8 de janeiro, tornou-se ultrajante.

Com suas declarações, Lula sinalizou que o reconhecimento da pretensa reeleição de Maduro pelo governo brasileiro é uma questão de tempo. Revelou-se capaz de fazer qualquer coisa pelo ditador venezuelano, inclusive papel de bobo.

Desde que tomou posse, Lula deu a volta ao mundo para proclamar que o Brasil voltou. Palpitou sobre tudo. Quando tratou das guerras na Ucrânia e na Faixa de Gaza, foi ignorado. Nesta terça-feira, recebeu telefonema de Joe Biden. O inquilino da Casa Branca imaginou que, sobre a Venezuela, Lula teria o que que dizer.

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Se repetiu no telefonema metade do que disse sob refletores, Lula pode ter decepcionado o interlocutor. Pessoas que não levam em conta a realidade correm o risco de também não ser levadas em conta pela realidade.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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