Violência eleitoral: Feio Cármen ter de exortar agente da lei a cumprir lei
Dois dias depois de um assessor de Pablo Marçal ter arrancado sangue do rosto de Duda Lima, marqueteiro de Ricardo Nunes, a presidente do TSE, Cármen Lúcia, referiu-se ontem à violência nas campanhas na abertura da sessão do TSE e anunciou a mobilização de órgãos legais para coibir e punir práticas criminosas. Afirmou:
"Política não é violência, é a superação da violência. Violência praticada no ambiente da política desrespeita não apenas o agredido, mas ofende toda a sociedade e a democracia. Com o despreparo, descaso, ou tática ilegítima e desqualificada de campanhas, atenta-se contra cidadãs e cidadãos, ataca-se pessoas e instituições, e na mais subalterna e incivil descompostura, impõe-se às pessoas honradas do país, que querem apenas entender as propostas que os candidatos oferecem para a sua cidade, sejam elas obrigadas a assistir cenas abjetas e criminosas, que rebaixam a política a cenas de pugilato, desrazão e notícias de crimes."
A ministra anunciou uma medida:
"Comunico aos eleitores e eleitoras brasileiros que estou encaminhando ofício à Polícia Federal, ao Ministério Público Federal e aos presidentes dos tribunais regionais eleitorais para que deem celeridade, efetividade e prioridade às funções que exercem de investigação, acusação e julgamento de todos os que cometem atos contrários ao direito eleitoral e que sejam agressivos à cidadania, casos de violência da mais variada deformação, e que afrontam a nobilíssima atividade da política, tão necessária."
Pois é... Trata-se de uma conclamação — porque, por ora, é o que dá para fazer, já que a Justiça Eleitoral não age de ofício — para que aqueles que têm a competência de coibir os ilícitos o façam quando acionados. Até porque, não custa lembrar, a quase totalidade do dinheiro que financia as campanhas — ao menos a parte conhecida — é público.
Já escrevi aqui mais de uma vez que a disputa em São Paulo, por exemplo, evidencia a falta que faz um "Xandão" — aquele que aterroriza pilantras, e por isso querem impichá-lo — presidindo uma eleição. E não porque ele recorra a instrumentos discricionários. Ao contrário: em 2022, ele, felizmente, não agiu com a discricionariedade de quem, devendo aplicar a lei, não o faz. Afinal, a prevaricação também é uma forma de abuso de autoridade, não é mesmo?
E eu vi algumas coisas estranhas a acontecer no Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo. Vi um direito de resposta concedido a Boulos ser suspenso (depois foi devolvido) com argumentos absolutamente esdrúxulos.
Mesmo com os impulsionamentos ilegais nas redes da candidatura de Marçal — coisa de terceiros, claro... —, o tribunal paulista chegou perto de lhe devolver as redes sociais suspensas: 4 a 3. Sua candidatura foi "legalizada" pelo tribunal, apesar de flagrantes irregularidades no PRTB e no processo que o sagrou candidato da sigla.
A fala da ministra é correta e bem-vinda, mas lembro que o funcionamento da Justiça depende das disposições objetivas — haver leis e códigos, e eles existem —, mas também das subjetivas: a existência de pessoas que estão dispostas a aplicá-las.
Lembro lá da minha infância, meu avô materno, que era um homem de uma retidão impressionante, a reclamar daqueles que, no seu falar, "pegavam 'barda'" e não se emendavam nunca. Na quarta série, li um texto em que aparecia a palavra "balda". Fui ver o significado no dicionário. Era a "barda" de que falava Terenciano: defeito ou hábito arraigado.
Por que Marçal, por exemplo, chegou aonde chegou? Porque, diria o meu avô, "pegou barda". O defeito e mau hábito se arraigaram na certeza de que mal nenhum lhe aconteceria. Aquele que, a meu juízo, nem deveria ser convidado para debates e, antes, nem deveria ter tido aceita a candidatura por irregularidades havidas do partido, foi ficando a cada dia mais confiante, certo da impunidade. Contribuiu, assim, para emporcalhar a campanha em São Paulo e, em larga medida —dada a projeção nacional que têm as coisas que acontecem nesta cidade —, em todo o país.
E, fiquem certos, a degradação vai continuar se aqueles que têm de fazer valer a lei declinarem de seu mister.
Não deixa de ser um tanto ridículo e vexaminoso que a presidente do TSE tenha de fazer uma conclamação para que façam cumprir a lei os que têm a obrigação de... fazer cumprir a lei!!! E, obviamente, não estou a criticar a ministra.
E pensar, não é mesmo?, que, para certos setores da imprensa, o inimigo a ser combatido é Alexandre de Moraes. Justamente o que não se furta de fazer valer a lei.
São aqueles, como costumo dizer, que promovem as trevas para lastimar a escuridão.
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