Bolsonarismo exige 'direitos humanos', mas só para os seus criminosos
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Demorou, mas aconteceu: o bolsonarismo abraçou a causa dos direitos humanos. Sim, você leu certo. O mesmo movimento que durante anos clamou por "bandido bom é bandido morto", que desdenhou da "esquerdalha defensora de vagabundo", que pedia prisão perpétua, pena de morte e a volta do pau de arara, agora, em uma reviravolta de dar inveja a qualquer roteirista de série política, exige dignidade para presos — desde que, claro, esses presos sejam "os seus".
Os relatos trazidos da Argentina por Eduardo Militão, do UOL, onde cinco condenados pelos ataques do 8 de Janeiro de 2023 estão presos e pedindo refúgio, reforçaram a sensibilidade carcerária entre os fiéis do bolsonarismo. Comovidos com a ausência de comida saborosa, o banho frio com canequinha e o pernilongo agressivo, os outrora defensores do "cadeia neles!" passaram a empunhar cartazes invisíveis: "Vidas carcerárias importam".
Agora, a denúncia de cela suja virou grito de guerra. A ausência de atendimento médico virou bandeira de luta. A falta de banho de sol, de carne no prato e de avaliação hormonal periódica é descrita como violação grave dos direitos fundamentais. Chamam a si mesmos de "perseguidos políticos" — uma retórica antes exclusiva dos movimentos sociais que os bolsonaristas ridicularizavam como "vitimistas profissionais".
O bolsonarismo descobriu que o sistema penal é falho, cruel, superlotado e desumano, seja na Argentina, no Brasil ou nos Estados Unidos (onde também há golpistas presos esperando deportação), mas só porque agora é ele quem está do lado de dentro.
"Um lugar que não tem o mínimo de direitos humanos", reclamou um dos fugitivos, que foi preso no país vizinho, em registro do UOL.
Quando o morador de favela passava anos esperando julgamento sem acesso a advogado ou saúde, era "mimimi". Quando um pobre tomava tiro da polícia ao "levantar suspeita", era "reação proporcional". Agora que um sujeito que ajudou numa tentativa de golpe de Estado, foi condenado e fugiu do país e não consegue um raio-X na cadeia do país vizinho, é crise humanitária.
É quase comovente ver a transformação: golpistas amadores virando reformadores penais. A empatia brotou no barro da cela. A comida insossa virou argumento político.
A ironia é cruel, mas necessária: o bolsonarismo está provando da própria receita de desumanização — e não gostou do sabor. Descobriram que cadeia não é resort, que prisão não é piada, que a Argentina de Milei pode ser mais dura que o Brasil de Lula. Um deles disse ao UOL que seus 49 dias preso na carceragem de Jujuy foram mil vezes piores do que os 11 meses na Papuda.
Bem-vindos ao debate sobre direitos humanos, ainda que tardiamente. Só falta agora reconhecerem que esses direitos não são privilégios de aliados ideológicos — são princípios universais que valem para todo mundo, independente da cor de pele, classe social, identidade, gênero.
E, se isso ocorrer, vão inexoravelmente entender que atentar contra a democracia é ferir de morte os mesmos direitos humanos, o que não pode ser perdoado, nem anistiado. A ver se essa ficha cai antes da próxima audiência de extradição.