SP: Manifestos por Boulos e Tabata; risco de 2º turno Bolsonaro X Bolsonaro
Intelectuais, artistas, economistas e personalidades lançaram manifestos. Um grupo prega abertamente o voto útil em Guilherme Boulos (PSOL) para evitar o risco de haver um segundo turno em São Paulo entre Ricardo Nunes (MDB) e Pablo Marçal (PRTB). Outro rechaça essa hipótese e quer Tabata Amaral (PSB). Nesse caso, força-se até um tantinho de poesia — "não vamos adiar nossos sonhos" —, sem descartar uma fagulha jacobina: "O futuro é agora". Quem sabe um eco, meio fora de tempo e lugar, de "Quem sabe faz a hora, não espera acontecer"... Ocorre que quem não sabe, ou se esquece, também faz tanto a hora como o pesadelo.
A compreensão, nos distritos, dos esquerdistas e dos centro-direitistas de Emmanuel Macron sobre o risco representado pelo Reunião Nacional impediu que Jordan Bardella, o "potro" de Marina Le Pen, se tonasse primeiro-ministro da França. E olhem que a esquerda francesa é um tantinho mais convicta do que os nossos bravos jacobinos contra o voto útil.
As pessoas têm direito às próprias opiniões, mas não à própria aritmética.
Pesquisa Datafolha divulgada na quinta passada, dia 26, atribui 27% para Ricardo Nunes, 25% para Boulos e 21% para Marçal. Tabata aparece com 9%. A margem de erro é de dois pontos para mais ou para menos. Logo, o emedebista e o psolista estão tecnicamente empatados. Ocorre que o deputado e o "coach", nos extremos das respectivas margens, também estão.
Nesta segunda, levantamento da Quaest aponta números ainda mais apertados: o prefeito aparece com 24%; o candidato do PSOL, com 23%, e aquele rapaz que acha que "mulher inteligente não vota em mulher", com 21%. Nesse caso, o empate é triplo. A deputada do PSB tem 11%.
Não serei eu a cobrar que os viventes adiem os seus sonhos, como aquele padre que decidiu voar em balões de gás, testando, na prática, o Biafra de "Sonho de Ícaro":
"Voar voar/ subir subir/ Ir por onde for/ Descer até o céu cair/ Ou mudar de cor/ Anjos de gás/ Asas de ilusão/E um sonho audaz/ feito um balão".
Deu ruim para o padre, tadinho! Sonho é sonho. Ainda mais que ele não podia fazer mal nenhum a não ser a si mesmo.
Olhem os números do Datafolha e da Quaest. Não há devaneio possível que consiga pôr Tabata no segundo turno, por mais humanidades que ela estreite no coração.
Os signatários do manifesto em defesa da candidata do PSB exaltam sua "coragem, competência e compromisso com a inclusão social". Ok. Afirmam ainda:
"Mulheres como Tabata na política são essenciais. Ética e transparente, ela tem feito a diferença na vida dos brasileiros. Agora, ela pode transformar a vida dos paulistanos".
E tudo isso pode ser mesmo verdade. Mas há um trecho que merece consideração:
"Neste primeiro turno, não vamos adiar nossos sonhos. Podemos escolher, agora, uma São Paulo melhor. Não é hora de supostos cálculos de conveniência".
Epa! Aí a coisa se atrapalha.
O "juízo de conveniência" seria de quem? De Boulos? Do PSOL? Do PT? Das esquerdas? Dos comunistas? Dos incendiários — Tabata chegou a citar no debate os que saem botando fogo por aí...? E se voltou nos dois últimos debates contra Boulos, com críticas que soaram como música a ouvidos conservadores. E não é pecado nenhum fazê-lo.
Mas é preciso que fique claro: a chance de São Paulo assistir a uma disputa entre Nunes e Marçal é real, não uma fantasia conveniente. Alguém esperaria um debate minimamente lúcido nesse caso? Marçal diz o que diz, e não vou me ocupar de reproduzir aqui as máximas do "Findomudistão" em que ele habita. Nunes deu início a essa campanha como, vá lá, como um direitista apenas. Marçal e a disputa pelo eleitorado bolsonarista o empurraram para a extrema direita: aderiu ao negacionismo em matéria de covid; passou a defender anistia para golpistas; tornou-se entusiasta de impeachment de ministro do Supremo; mostrou-se incapaz de defender o direito mesmo ao aborto legal; desandou a falar como um religioso fundamentalista.
Que marmota é essa de "juízo de conveniência"? Estivesse Tabata a dois ou três pontos de Boulos e se sua ascensão ao segundo turno fosse viável, então a faria sentido falar em "sonho" — o dos signatários ao menos. Não houvesse a possibilidade de uma disputa entre dois extremistas de direita, então viva a ética da pura convicção!
Assinam o texto, entre outros, Armínio Fraga, Luciano Huck, Amir Slama; André Sobral; Andrea Calabi; Caio Luiz de Carvalho; Candido Bracher; Clovis Carvalho; David Moreira; Dienis Venâncio de Almeida; Fernando Mello Barreto; Fernando Paiva; Flávia Piovesan; Flávio Bitelman; Helena Gasparian; Hubert Alqueres; Marcos Palmeira; Malu Montoro; Margarida Cintra Gordinho; Mário Ernesto Humberg; Mary de Camargo Neves Lafer; Miguel Reale Jr.; Orlando Faria; Paulo Henrique Rodrigues Pereira; Regina Meyer; Rubens Barbosa; Rubens Ricupero; Teresa Bracher; Valdomiro Lopes; Vívian Satiro e Walter Barbosa.
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Há um outro manifesto, este em defesa do nome de Boulos e do chamado "voto útil".
Diz o texto:
"O bolsonarismo se reorganizou e continua ativo, sem recuar um milímetro em seu programa, cujo cerne é destruir os direitos mais básicos da república brasileira.
A frente ampla que impediu Bolsonaro de permanecer no poder precisa se levantar novamente para evitar que este segundo turno de consagração do bolsonarismo aconteça. Quando olhamos para as pesquisas, fica evidente que o candidato que reúne as melhores condições de evitar o desfecho trágico de um segundo turno entre dois bolsonaristas é Guilherme Boulos".
Vamos lá. Mesmo que se retirem do texto os adjetivos e os juízos de valor, um fato é inegável porque é aritmético. Boulos pode impedir um segundo turno Nunes-Marçal; Tabata não. "Ocorre, Reinaldo, que eu não estou nem aí para isso. Voto nos meus sonhos e nos meus balões..." Então tá.
Assinam o manifesto em favor de Boulos, ente outros, Alexandre Martins Fontes, André Abujamra, André Singer, Arnaldo Antunes, Arrigo Barnabé, Beatriz Bracher, Bernardo Carvalho, Bob Wolfenson, Carla Camuratti, Celso Antonio Bandeira de Mello, Celso Rocha de Barros, Denise Fraga, Eugênio Bucci, Fernanda Diamant, Fernando Limongi, Fernando Meirelles, Ivo Herzog, José Miguel Wisnik, Juca Kfouri, Lilia e Luiz Schwarcz, Maria Cristina Mendonça de Barros, Mariana Moreau, Marilena Chauí, Milton Hatoum, Nando Reis, Raí, Renato Janine Ribeiro, Roberto Schwarz, Sidarta Ribeiro e Zeca Camargo.
ENCERRO
As palavras fazem sentido, não? Afirmar que o primeiro turno não é hora de um "juízo de conveniência", como fazem os signatários do manifesto pró-Tabata, significa dizer que esse é o momento do voto da pura convicção, ficando para o segundo, se necessário, o voto de responsabilidade -- assim fizeram muitos críticos de Lula para impedir a vitória de Bolsonaro.
Pois é... No caso de uma etapa final entre Nunes e Marçal, dados os respectivos credos expressos em campanha, qual seria o voto de responsabilidade? Em Bolsonaro ou em Bolsonaro?
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