Reinaldo Azevedo

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Opinião

Tabata sente falta da pancadaria e faz juízo torto sobre direita e esquerda

Na comparação com outros debates, o da Globo foi o mais modorrento, não? Desta feita, a candidata Tabata Amaral (PSB) não conseguiu se comportar como a professora que dá pito nos rapazes da fuzarca ou a mulher sábia que chama os adversários, indistintamente, de "marmanjos", como já fez.

Eis que no terceiro bloco ela teve uma espécie de síndrome de abstinência da baixaria. Deu sua contribuição pessoal para romper o que lhe pareceu excesso de bom-mocismo. Ainda que com palavras mais higienizadas, avançou contra Guilherme Boulos com o arsenal que a extrema direita costuma mobilizar contra as esquerdas. E foi na canela: quem estava ali era o Boulos do PSOL ou o Boulos dos marqueteiros? Seu oponente à esquerda deu uma boa resposta, assistam ao vídeo, e ela não conseguiu disfarçar a sua insatisfação com o comportamento civilizado... da sala. Sem poder distribuir broncas, não podia exercer plenamente a personagem de embates anteriores.

Então afirmou, ainda inconformada:
"Acho que vale também trazer aqui o quanto tá todo mundo muito fofinho, apertando o olhinho, se comportando nesse debate... Graças ao bom Deus! Mas é a primeira vez que acontece. Não se esqueçam como se portaram nos últimos."

Imaginem um mundo em que as pessoas estivessem proibidas de se emendar ou de se conter...

"Graças ao bom Deus", nada! Ela estava visivelmente insatisfeita.

Tenho dito que Tabata se candidata, na verdade, a ocupar o lugar da centro-direita democrática no futuro. Tem gente que se zanga com isso. Não o faço em tom de agravo. É que não estamos mais acostumados a debater ideias. Querem ver? Na sequência, ela aproveitou para "se apresentar" e expressar o seu credo político. Leiam:
"E aí eu queria trazer um tema que o Boulos trouxe, que é o da coerência. Eu acho que é inclusive por isso que eu tou crescendo na pesquisa. Cresci hoje de novo no Datafolha. E sou a única candidata. Se Deus quiser, estarei no segundo turno, e a única que não perde pra nenhum dos meus adversários. Porque as pessoas podem até discordar de um posicionamento ou de outro, mas elas sabem que eu sou de verdade. Elas sabem que eu não vou mudar nem por pressão nem por cancelamento nem por uma eleição. E aí aproveitando para me apresentar: defendo, sim, uma escola pública de qualidade; defendo, sim, o combate à desigualdade; defendo, sim, a pauta ambiental. Mas vou defender e defendo com a mesma veemência os empreendedores, o controle das contas públicas, o combate ao crime, o combate à corrupção. Tem boas ideias na esquerda e na direita. E, para governar, tem que conversar com todo mundo".

Vamos entender a fala. Se Tabata sintetiza a exposição de seu credo afirmando que há boas ideias tanto na esquerda como na direita, supõe-se que ela as enfileirou de um lado e de outro, certo?

Dado o encadeamento do discurso, as boas ideias da esquerda são:
- uma escola pública de qualidade;
- o combate à desigualdade;
- a pauta ambiental.

Com efeito, uma esquerda responsável se compromete com tudo isso. Mas, como provaram vários governos conservadores da Europa, não se trata de pauta exclusiva exclusivamente sua. A menos que devamos sugerir a filiação honorária de Angela Merkel ao PT ou ao PSTU... Ou a agora ex-chanceler alemã não se ocupou de tudo isso enquanto governou a Alemanha, com afinco de fazer inveja a qualquer esquerdista?

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Ainda segundo Tabata, seriam as boas ideias da direita:
- o empreendedorismo;
- o controle das contas públicas;
- o combate ao crime;
- o combate à corrupção.

Será que governos progressistas, mundo afora, não se ocupam dessas coisas? Estaria o Reino Unido, neste momento, prejudicando os empreendedores, investindo na gastança e sendo leniente com o crime e a corrupção?

Conservadores e progressistas podem abraçar os sete itens de sua pauta. Distinguem uns dos outros mais os meios do que propriamente os fins — se estivermos falando, é claro, de esquerdistas e de direitistas democráticos.

Acho que Tabata deveria rever essa sua formulação se quiser mesmo ser a centro-direitista que está em construção. Só os reacionários reivindicam exclusivamente para a direita "o empreendedorismo, o controle das contas públicas e o combate ao crime e à corrupção." E, ao fazê-lo, pretendem pespegar nas esquerdas a pecha de atrasados, gastadores e lenientes com criminosos e com a corruptos. E, aí, para demonstrar que são "liberais", reduzem os impostos dos ricos, arrocham os benefícios sociais, incentivam a violência policial e destroem o estado de direito sob o pretexto de impor a moralidade. Já vimos esse filme.

Tabata está construindo a figura da centro-direitista dedicada e eficaz. Acho bom para a democracia. Mas, como resta evidente, do modo como articula seu raciocínio, sua formulação está mais perto de Jair Bolsonaro — ao menos no que respeita aos juízos sobre a esquerda — do que do credo oficial do PSB.

E, bem..., para encerrar, uma dica a candidatos futuros, de qualquer eleição... Esse negócio de "eu sou a única (o único) que..." a título de autoelogio chega a ser bisonho. Único era Mozart. Único era Beethoven. Único era Einstein. Único era Platão. E, até onde se sabe, não se diziam únicos em nada.

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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