É falso que prisão preventiva de Braga Netto ignore a lei. Explico por quê
É mentirosa — o adjetivo é precisamente esse — a versão de que a prisão preventiva do general Braga Netto se assenta apenas na palavra do delator Mauro Cid, hipótese em que, de fato, a decisão contrariaria a jurisprudência do Supremo. A íntegra da decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, está aqui.
Comecemos do começo: o general é citado nada menos de 84 vezes no relatório de 884 páginas apresentando pela Polícia Federal, cujo sigilo foi derrubado pelo ministro Alexandre de Moraes no dia 26 do mês passado. Sendo o general quem é e tendo feito o que fez, note-se, só o excesso de prudência da PF explica que não tenha o general sido preso no dia 19 de novembro, junto com a leva de militares que foi para a cadeia.
Acontece que a realidade se moveu depois daquele relatório.
Na página 10 do despacho de prisão de Braga Netto, escreve o ministro Alexandre de Moraes:
"Após a apresentação do relatório final nos autos da Pet 12.100/DF, a autoridade policial, com novas provas obtidas, apontou que 'BRAGA NETTO atuou no sentido de obter informações relacionadas ao acordo de colaboração firmado com MAURO CID'. Ressalte-se, inclusive, que a Polícia Federal apontou que o novo depoimento prestado por MAURO CÉSAR BARBOSA CID apresentou elementos que permitem caracterizar a existência de conduta dolosa de WALTER SOUZA BRAGA NETTO no sentido de impedir ou embaraçar as investigações em curso, o que pode configurar o delito previsto no Art. 2º, § 1º, da Lei 12.850/13 (Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa").
Observem que o trecho acima cita um novo depoimento do tenente-coronel Mauro Cid, o filho, ocorrido no dia 5 de dezembro deste ano. No dia seguinte, quem depôs foi o pai: o general Mauro César Lorena Cid.
Escreve Moraes na página 16 do decreto de prisão de Braga Netto:
"Em complemento ao depoimento prestado pelo colaborador [ocorrido no dia 5 de dezembro], em 6/12/2024, seu pai, MAURO CÉSAR LOURENA CID também confirmou que WALTER SOUZA BRAGA NETTO 'entrou em contato no período em que o acordo estava sendo realizado, logo após a soltura de MAURO CID', afirmando, porém, não se recordar se os assuntos tratados tinham relação com o acordo de colaboração premiada."
Observem: o filho havia deposto no dia anterior e já tinha passado a informação de que Braga Netto havia entrado em contrato com sua família para saber o teor o seu depoimento. No dia seguinte, o pai diz não se lembrar do teor da conversa. Parece evidente que Braga Netto estava obstruindo a apuração. Segue o ministro:
"A Polícia Federal, com base nas provas juntadas na investigação, concluiu que:
'a hesitação em confirmar o contato, em contradição ao próprio filho e os elementos probatórios identificados é circunstância que reforça a interferência de BRAGA NETTO sobre o colaborador e seus familiares'.
Cabe lembrar que Alexandre de Moraes colheu pessoalmente um depoimento de Mauro Cid no dia 21 de novembro. Havia a desconfiança de que o tenente-coronel, treinando em contrainteligência, estaria sutilmente, vamos dizer, interrogando seus interrogadores, vale dizer: ele próprio, ao responder às perguntas, avaliava até onde a PF havia chegado, controlando o fluxo de informação. Daí que se criou até a expectativa de que Moraes pudesse anular o seu acordo de delação. Este, no entanto, foi mantido.
Lembra o ministro:
"Ressalte-se, ainda, que, além dessas novas provas indicarem a atuação dolosa de WALTER SOUZA BRAGA NETTO na tentativa de obstrução da investigação, o novo depoimento do colaborador MAURO CÉSAR BARBOSA CID, em 21/11/2024 - corroborado por documentos juntados aos autos - aponta que foi WALTER SOUZA BRAGA NETTO quem obteve e entregou os recursos necessários para a organização e execução da operação "Punhal Verde e Amarelo" - evento "COPA 2022".
Continua o ministro:
"Em 19/11/2024, em virtude das contradições existentes entre os depoimentos do colaborador e as investigações realizadas pela Polícia Federal na Pet 13.236/DF, designei a realização de audiência para oitiva de MAURO CÉSAR BARBOSA CID, no dia 21/11/2024, às 14h, na sala de audiências do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, para esclarecimentos relacionados à manutenção ou não da colaboração premiada e a confirmação de sua regularidade, legalidade, adequação e voluntariedade. Nessa audiência de confirmação da colaboração premiada, em relação à participação de WALTER SOUZA BRAGA NETTO nos fatos relacionados à tentativa de Golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito, MAURO CÉSAR BARBOSA CID apresentou novos elementos importantes sobre as circunstâncias da reunião ocorrida em 12/11/2022 na residência de WALTER SOUZA BRAGA NETTO, conforme se verifica da seguinte tabela:"
E o ministro transcreve a informação nova, passada por Mauro Cid, que corrige o que ele próprio dissera anteriormente:
"O colaborador retifica o seu depoimento anterior à Polícia Federal, onde afirmou que a reunião do dia 12 de novembro de 2022 na casa do General Braga Neto tinha sido somente para que o coronel Oliveira tirasse uma foto com o referido general e que a mensagem do dia 8 de novembro, onde o colaborador pediu para o coronel de Oliveira trazer um esboço, refere-se às questões que ambos os coronéis lhe apresentaram pessoalmente sobre a indignação com a situação do país e a necessidade de ações concretas. Alguns dias após o coronel De Oliveira esteve em reunião com o colaborador e o general Braga Netto no Palácio do Planalto ou do Alvorada onde o general Braga Netto entregou o dinheiro que havia sido solicitado para realização da operação. O dinheiro foi entregue numa sacola de vinho. O general Braga Netto afirmou à época que o dinheiro havia sido obtido junto ao pessoal do Agronegócio".
E prossegue o ministro:
"(...) Os desdobramentos da investigação, notadamente a realização da denominada operação 'Contragolpe' e os novos depoimentos do colaborador MAURO CÉSAR BARBOSA CID, revelaram a gravíssima participação de WALTER SOUZA BRAGA NETTO nos fatos investigados, em verdadeiro papel de liderança, organização e financiamento, além de demonstrar relevantes indícios de que o representado atuou, reiteradamente, para embaraçar as investigações."
CAMINHANDO PARA A CONCLUSÃO
Como deixa claro o despacho, não foi a simples palavra de Mauro Cid a levar Braga Netto para a cadeia -- de toda sorte, insisto que os elementos presentes no relatório tornado público no dia 26 de novembro já justificavam a prisão preventiva.
"Cadê a contemporaneidade?" Bem, em primeiro lugar, trata-se de uma investigação que está em curso. E a evidência da contradição entre o que disse Cid, o filho, e Cid, o pai — confirmada com provas — é dos dias 5 e 6 deste mês.
Os inconformados podem ficar também com as palavras do procurador-geral da República:
"A representação trouxe significativos elementos sobre as condutas ilícitas dos requeridos e evidenciou a gravidade dos fatos praticados, cujos desdobramentos revelaram, até o momento, a existência de organização criminosa responsável por desmedidos ataques a autoridades, ao sistema eleitoral e a instituições públicas, por meio de obtenção clandestina de dados sensíveis, indevido monitoramento, propagação de notícias falsas (fake news) e mediante o uso desenfreado da estrutura do Estado, inclusive para atentar contra a vida de autoridades integrantes dos Poderes Executivo e Judiciário. Há, portanto, provas suficientes de autoria e materialidade dos crimes graves cometidos pelos requeridos e a medida cautelar de prisão está fundamentada em elementos que demonstram risco concreto à ordem pública e à aplicação da lei penal, que indicam que as medidas cautelares diversas da prisão não se revelam suficientes.
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Quero receberNesse contexto, a prisão preventiva requerida afigura-se como medida capaz de garantir a ordem pública, a aplicação da lei penal e a conveniência da instrução criminal, evitando-se a continuidade do esquema criminoso deflagrado e das interferências nas investigações, que seguem em curso".
De toda sorte, a defesa tem o direito de recorrer.
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