Reinaldo Azevedo

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Opinião

Kassab, governista em Brasília e SP, fala como um chefe de oposição a Lula

O presidente do PSD, Gilberto Kassab, conhecido por sua habilidade política e por raramente, ou nunca, dar caneladas em público fugiu a seu estilo ao participar ontem de um evento de um banco em São Paulo. Ele pode ser um negociador muito duro com seus pares e adversários na política, mas não costuma ser rude. Não economizou:
"O que vemos hoje é uma dificuldade do ministro Haddad de comandar. Um ministro da economia fraco é sempre um péssimo indicativo. Eu acredito no sucesso da economia quando você tem ministros de economia fortes. No próprio governo do FHC, no qual eu fui deputado federal, você ia levar, encaminhar algumas sugestões para o presidente, e ele mesmo falava 'isso não é comigo é com o [Pedro] Malan'. No [primeiro] governo Lula, o Palocci comandava. No governo Temer, Meirelles comandava. Todos os bons momentos do Bolsonaro foram relacionados ao Paulo Guedes. E a presidente Dilma não foi bem porque ela queria comandar a economia."

É claro que não foi nada suave com o ministro, mas notem: a crítica é dirigida ao próprio presidente. Afinal, o que faltaria a Haddad? A autonomia que antecessores tiveram: Palocci — no primeiro mandato de Lula —, Meirelles, Guedes... Ao afirmar que Dilma, de quem foi ministro, não se saiu bem porque queria mandar na economia, parece claro que está a censurar Lula por, segundo seu entendimento, fazer a mesma coisa. E por isso o ministro da Fazenda seria fraco.

Obviamente não concordo com ele. Penso que um país que vive o melhor crescimento da década; que conta com a menor taxa de desemprego da série histórica; em que os investimentos crescem 10% ao ano — trata-se de formação bruta de capital fixo; em que a indústria cresceu 3,5% em razão da expansão do mercado interno, com a menor ociosidade em anos, além da retomada de programas sociais, da reforma tributária, da correção de algumas iniquidades no que respeita à arrecadação... Bem, não me parece que esse seja fruto de um ministro da Fazenda "fraco". Há um estresse financeiro relevante, de que os juros cavalares são uma expressão eloquente? Há. Mas também isso parece contornável — e é claro que, a depender do lugar que se ocupe no espectro ideológico, há as saídas aceitáveis e inaceitáveis.

Kassab pertence à base do governo Lula. Seu partido ocupa três ministérios na Esplanada: Minas e Energia, Agricultura e Pesca. Na condição de grande vitorioso nas eleições municipais, talvez o PSD reivindique mais. Esqueça-se o nome do autor das declarações, e elas poderiam ter saído da boca de um adversário do governo:
"[Se ela eleição fosse hoje,] O PT não estaria na condição de favorito, mas na condição de derrotado. Não vejo uma articulação para reverter essa tendência de piora no cenário. Os partidos de centro estão criando uma alternativa para 2026. Não vejo nenhuma marca boa, como teve FHC e o Lula nos primeiros mandatos."

Mais tarde, ouvido sobre as próprias declarações, não recuou, mas tentou recobrar alguma suavidade:
"Se tem alguém que torce pelo Brasil, todos sabem que sou eu. Mas não posso deixar de dizer o que estou enxergando. Em momento algum quis agredir qualquer pessoa ou o governo.".

Seria preciso definir o sentido de "agressão" nesse contexto. Vamos ver. O presidente de um dos principais partidos da base resolveu criticar o ministro que é a peça-chave na relação do Planalto com "uzmercáduz". E o fez num evento "duzmercáduz". Com alguma ironia, afirmo: quem sabe o PT decida se unir em defesa de Haddad...

Citando números da pesquisa Quaest, feita para corretora Genial, Kassab seguiu:
"Hoje [a reeleição] não é fácil. Em quase 23 anos, desde que Lula se elegeu, o PT nunca teve uma queda [de popularidade] no Nordeste. Se fosse hoje, ele estaria na campanha, mas não na posição de favorito, mas sim de derrotado. Mas Lula sempre é um candidato forte".

Segundo pesquisa da própria Quaest, com levantamento feito entre os dias 4 e 9 de dezembro. Lula venceria todos os eventuais postulantes citados até agora: Michelle Bolsonaro, Tarcísio de Freiras, Pablo Marçal e Ronaldo Caiado. E, ora vejam, o "fraco Haddad" também os bateria a todos se fosse o candidato do PT. Será que houve uma mudança radical em menos de dois meses?

Mas lembro: meu interesse neste texto é menos discordar de Kassab ou buscas evidências que o contestem do que tentar entender por que ele fez o que fez.

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SITUAÇÃO MUITO SINGULAR
É claro que ele vive uma situação peculiar. Ao mesmo tempo em que é figura relevante na base de apoio a Lula, é também secretário de Governo e Relações Institucionais de Tarcísio de Freitas (Republicanos), governador de São Paulo, que ambiciona a Presidência. Assim, Kassab realiza o prodígio de ser um governista do alto escalão tanto no Planalto como nos Bandeirantes, embora Lula e Tarcísio sejam hoje os principais duelistas na política -- Bolsonaro está inelegível e assim vai ficar. Essa onipresença de Kassab não é nova: foi ministro tanto de Dilma como de Temer..

Há, sim, outros políticos com um pé em cada canoa, mas ninguém com a sua estatura política. Quer o quê? Há quem jure que pretende ser o vice de Tarcísio na disputa pela reeleição. Huuummm... Mas o raciocínio parece frouxo, não? A leitura que faz sobre as dificuldades do PT e de Lula quase convida seu aliado em São Paulo a pensar na postulação nacional.

Cumpre notar: nesta quarta, em entrevista a este UOL, o senador Omar Aziz (PSD-AM), um antibolsonarista, criticou duramente a hipótese de Gleisi Hoffmann, atual presidente do PT, vir a ser ministra. No mesmo dia, em Brasília, houve um evento para marcar a concessão de empréstimos do BNDES para obras nas rodovias paranaenses. Ratinho Jr., um bolsonarista, não compareceu.

ENCERRO
"Ah, ele só está de olho na reforma ministerial e pensa um modo ou de manter ou de ampliar o seu prestígio". Bem, é o que querem todos os políticos. Mas por que Kassab fez mira justamente em Haddad, que, na terra movediça de Brasília, busca o equilíbrio?

A propósito: ele próprio é um dos articuladores daqueles partidos de centro que buscam desde já um nome alternativo para 2026? Se a resposta for positiva, Kassab é desde já um líder da oposição. E não só por ser um dos homens fortes de Tarcísio.

Kassab afaga a então presidente Dilma na festa dos 33 anos do PT, em 2013. Lula também foi um dos convidados
Kassab afaga a então presidente Dilma na festa dos 33 anos do PT, em 2013. Lula também foi um dos convidados Imagem: Daniel Teixeira/Estdão Conteúdo

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

115 comentários

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Alvaro Luis Saron

Esse governo quebrando o país e ainda tem jornalista passando pano pro Lula. Inacreditável. Essa fala do Kassab é o código para o impeachment, que tem que ser logo, antes de se consumar a tragédia econômica e social.

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Daiana Priscila Biazoto

Outro traste que se criou no País

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Andre Luiz Bianchi Arantes

Não, REYNALDO. CASSAB não fala como se fosse CHEFE DE OPOSIÇÃO A LULA. Fala com sinceridade a verdade que VOCÊ, não tem a coragem de falar. Em outros tempos você estaria ASSINANDO EMBAIXO de uma declaração dessa. Mas, hoje, depois que você virou a folha e passou a ser ESQUERDISTA de carteirinha e defensor fanático do PT, acha um absurdo, quando alguém tem a coragem de falar a verdade. KASSAB não criticou LULA ou seu governo. Falou a realidade nua e crua. Exatamente aquela que você insiste em não ver.

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