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Rubens Valente

Isolamento pode ter dado 'controle' à crise no DF; afrouxamento é ameaça

Enfermeira com máscara de proteção em hospital de Brasília - ADRIANO MACHADO
Enfermeira com máscara de proteção em hospital de Brasília Imagem: ADRIANO MACHADO

Colunista do UOL

12/04/2020 06h00

Profissionais de saúde que atuam no combate ao novo coronavírus no Distrito Federal, ouvidos pela coluna nos últimos dias, dizem que a pandemia está sob "certo controle" em Brasília, ainda que tenso, sob o risco de uma quebra da estratégia do isolamento social que preocupa e projeta sombras.

Diretor regional da AMIB (Associação de Medicina Intensiva Brasileira), o médico Rodrigo Santos Biondi trabalha nas UTIs (Unidades de Terapia Intensiva) de dois hospitais e, até a última quarta-feira (8), quando falou à coluna, já havia tratado dez pacientes com Covid-19. Naquele dia, em todo o DF eram 511 casos e 12 mortes - o número cresceu para 563 e 14, respectivamente, na tarde do sábado, um cenário preocupante mas ainda abaixo da realidade de São Paulo, Rio, Amazonas e Ceará. Ao lado do Distrito Federal, esses Estados foram citados ao longo da semana pelo Ministério da Saúde como os que demandam mais atenção nessa fase inicial da pandemia.

Biondi disse não ter dúvida de que a estratégia do isolamento social no DF teve um efeito positivo para o quadro de relativo controle da pandemia na capital federal até o momento. "Comparando com hospitais do Rio e São Paulo, a gente tem um número bem reduzido de casos e de óbitos. É impossível não atribuir esse cenário ao isolamento social. Não posso garantir categoricamente que é a causa principal, mas houve diferenças em relação a São Paulo e Rio", disse Biondi.

As aulas na rede do DF foram suspensas no dia 16 de março pelo governador do DF, Ibaneis Rocha. Biondi estava em São Paulo naquele dia. Ele se recorda que o Estado paulista registrava cerca de 50 casos e "já estava naquela curva ascendente" enquanto, no DF, o número de casos confirmados era de apenas três.

"Enquanto tínhamos três casos em Brasília e mais de 50 em São Paulo, foi o momento mais ou menos que paramos juntos, comércio, escolas. Só que em momentos diferentes da epidemia. Isso pode ter sido crucial na evolução da doença", analisa o médico.

Outros fatores contam para a situação mais equilibrada em Brasília. Um dos mais importantes, para Biondi, é que Brasília é uma cidade com poucas décadas de vida - inaugurada em abril de 1960, completará 60 anos no próximo dia 21 - e com uma população bem mais jovem, em média, do que a de cidades como Rio e São Paulo. Também é comum que servidores públicos de Brasília resolvem voltar para as cidades de origem de suas famílias quando se aposentam. Como a Covid-19 tende a ser muito mais letal entre os mais idosos, o baixo envelhecimento da população poderá ser fator favorável ao DF.

Segundo o médico, a estratégia do isolamento desafogou os hospitais e deu tempo para uma melhor preparação para o que pode vir pela frente. "Isso permitiu que a gente se preparasse melhor, tanto na esfera pública quanto na iniciativa privada. Como essa avalanche ainda não chegou a Brasília, ainda dá tempo para a cidade se preparar mais. Por exemplo, o governo iniciou um hospital de campanha no estádio Mané Garrincha, anunciou concurso para profissionais de saúde. A gente precisa de EPIs [Equipamentos de Proteção Individual], respiradores, medicamentos, e precisamos de profissionais. Porque não adianta você ter uma Ferrari e não ter motorista para dirigir."

"O GDF [governo do DF] e várias redes de hospitais privados estão criando estratégias para aumentar o número de leitos. Onde eu trabalho [Hospital de Brasília], vamos dobrar o número de leitos de terapia intensiva. O GDF está quase dobrando a capacidade de leitos. Estamos mais preparados do que estávamos dez dias atrás. A gente está aprendendo com o vizinho que está sofrendo, com a Itália, com Nova York, e aprendendo um pouco a cada dia com os pacientes que chegam."

Para Biondi, a Covid-19 é uma doença difícil de ser enfrentada também porque ocupa um número maior de dias para cada paciente do que a média de outras doenças mais comuns. "O paciente que é internado em UTI por Covid fica muito tempo internado, em média, 20 dias. A média de internação no Brasil em UTI oscila de quatro a seis dias. Olha o problema. Em vez de eu ter seis pacientes em UTI durante um mês, com a Covid eu tenho 1,5 paciente. A média para 10 mil habitantes cai de 4,5 leitos para um leito. Então, se eu tinha mil e poucos leitos na cidade, com a Covid é como se eu tivesse 200."

O médico concorda que, "em algum momento", será discutido o fim da estratégia do isolamento social no DF, mas defende que isso seja feito ao lado de muita testagem da população, o que ainda não está sendo feito nos níveis necessários.

"O melhor modelo foi o adotado na Alemanha, Coreia do Sul, Singapura. É um modelo em que as pessoas são testadas em massa e os casos rapidamente identificados. Numa situação ideal, seria assim: detecta o paciente logo no início da doença, testa todas as pessoas que tiveram contato com ele e isola, seletivamente. Testagem e isolamento das pessoas que tiveram o contato. Se a gente conseguisse fazer a testagem mais disseminada... Soube que virão para o DF 300 mil testes, o que dá cerca de 12% da população total do DF. Mas qual 12% da população você vai testar? Não tem solução fácil."

Afrouxamento

Na sexta-feira (10), pouco antes de embarcar para dias de folga no Nordeste, o governador Ibaneis Rocha assinou um decreto que permite a retomada de uma série de atividades na economia, como venda de eletrodomésticos e móveis e atividades do Sistema S. Hoje no DF já estão liberados setores como construção civil e concessionárias de veículos.

O aumento da movimentação de pessoas e veículos em todo o DF, registrado principalmente nos dias anteriores ao feriado da Semana Santa, preocupa os profissionais de saúde.

Ana Tereza Santos, enfermeira há dez anos, atua no atendimento a um dos grupos mais vulneráveis, a população de rua. São cerca de 2 mil pessoas nessa condição em em Brasília. Ela teme o impacto do afrouxamento do distanciamento social. "As pessoas ainda não entenderam a questão do isolamento social. É diferente de uma quarentena, é para evitar a quarentena. Parece que as pessoas não conseguem ficar isoladas. Mas a curva está crescendo, já estamos tendo óbitos."

Ana trabalha no plantão do HRAN, hospital referência em Brasília para os casos da Covid-19. Ela já percebe ansiedade e stress entre os profissionais de saúde. O uso dos EPIs é regulado."Muitos servidores integram os grupos de risco e estão assustados."

"A gente vê que boa parte da população não está respeitando as normas da OMS [Organização Mundial da Saúde]. Pela experiência de outros países, cerca de 40% dos profissionais de saúde vão adoecer aqui no Brasil. Nesta semana o fluxo de pacientes já aumentou muito. A gente tem medo porque o Brasil é imenso, continental. Deverá ter muito mais casos do que a Itália, por exemplo. As pessoas não estão entendendo isso."

Para evitar que seu filho de cinco anos passe por um risco de contágio, Ana deixou a criança com sua mãe e está vivendo isolada no apartamento. "Não sou a única pessoa a fazer isso. Estamos colocando a nossa vida em risco para cuidar dos outros, mas a população em geral não está entendendo. É uma questão de empatia. Eu tenho que estar na ponta, atendendo de verdade, estou lá, porque fiz um juramento e vou estar lá. Mas eu também passo as mesmas coisas que todo mundo está passando."