Topo

Rubens Valente

Documento diz que, para PGR, Bolsonaro citou "proteger familiares e amigos"

General Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, é uma das autoridades do governo federal a contrair coronavírus - Reuters
General Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, é uma das autoridades do governo federal a contrair coronavírus Imagem: Reuters

Colunista do UOL

12/05/2020 22h09

No termo do depoimento prestado nesta terça-feira (12) pelo ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) da Presidência, o general reformado Augusto Heleno Ribeiro Pereira, os investigadores fizeram constar a informação de que o presidente Jair Bolsonaro falou em "proteger seus familiares e amigos" durante a reunião ministerial do dia 22 de abril. É o primeiro registro documental de que o presidente teria tratado do assunto no encontro dos ministros - pelo menos na percepção de autoridades que assistiram ao vídeo e que estavam no ato do depoimento de Heleno.

O termo de declarações de Heleno foi assim redigido e assinado pelo ministro, por delegados e procuradores da República: Heleno foi "perguntado sobre uma fala do presidente [Bolsonaro] no vídeo da reunião do dia 22 de abril de 2020, exibido nesta data por ordem do STF, que, no entender da PGR [Procuradoria Geral da República] se refere ao superintende[nte] do Rio de Janeiro, em que o presidente fala em proteger seus familiares e amigos, e perguntado quem são esses familiares e amigos, o depoente respondeu que precisaria assistir ao vídeo para poder responder".

O termo não esclarece se a menção a "superintende" do Rio é referência ao superintendente da Polícia Federal do Rio, mas a pergunta aparece logo depois de uma interrogação sobre "a preocupação acerca da produtividade em outros estados além do Rio de Janeiro", em referência à Polícia Federal.

O vídeo permanece em segredo de Justiça no inquérito relatado pelo ministro do STF Celso de Mello e foi exibido hoje na PF de Brasília para as partes relacionadas à investigação. Bolsonaro tem negado que, na reunião, tenha falado que a Polícia Federal precisava proteger seus familiares de investigações conduzidas pelo órgão.

Em seu depoimento, no qual por diversas vezes tentou minimizar as acusações do ex-ministro Sérgio Moro, Heleno confirmou que Bolsonaro queria substituir o então diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, e que essa negociação se arrastou com "idas e vindas". Segundo Heleno, o presidente queria "alguém mais ativo" no comando da PF.

No mesmo depoimento, porém, e de forma aparentemente contraditória, Heleno disse que era uma preocupação de Bolsonaro conseguir um cargo para Valeixo no exterior, "em sinal de consideração e respeito pelos trabalhos desenvolvidos". Em um momento no depoimento, Bolsonaro aparece grato pelo trabalho de Valeixo; em outro, reclama do então diretor-geral.

Heleno foi indagado se ouviu considerações de Bolsonaro sobre Valeixo. "Em uma ou outra oportunidade, na presença do ex-ministro Moro, ouviu o presidente dizer que precisava de alguém mais ativo no comando da Polícia Federal", respondeu o ministro do GSI. Perguntado sobre o significado da expressão, Heleno respondeu: "No sentido de maior produtividade, o que não envolveria uma maior produção de relatórios de inteligência, ainda que isso possa estar incluído no sentido de produtividade".

Heleno disse que as discussões para a troca de Valeixo tiveram altos e baixos. "Chegou a conversar tanto com o presidente da República como com o ex-ministro Moro a respeito da substituição de Valeixo por Alexandre Ramagem, percebendo das conversas que o processo se caracterizava por idas e vindas; em alguns momentos chegava ao depoente a informação de que Valeixo desejava sair para assumir um posto no exterior, e que por essa razão o então ministro Moro teria aceitado a substituição por Ramagem." Em outras ocasiões, "parecia ao depoente que o ministro Moro não aceitaria a substituição".

Heleno disse que o presidente "nunca solicitou dados específicos de investigações em curso" e afirmou não se lembrar de ter dito a frase: "Esse tipo de relatório que o presidente quer, ele não pode receber". A frase foi relatada pelo ex-ministro Sérgio Moro em seu depoimento à PF no dia 2 de maio. Segundo Moro, Heleno disse isso a ele no dia 23 de abril, quando o então ministro da Justiça levou aos colegas ministros as pressões exercidas por Bolsonaro para a troca de Valeixo.

Assim como o ministro Braga Netto (Casa Civil), Heleno confirmou a conversa com Moro, ocorrida no dia 23 de abril - um dos pontos do depoimento prestado pelo ex-juiz à PF no dia 2 de maio - na qual o ex-juiz manifestou sua contrariedade sobre a eventual saída de Valeixo da PF.

Indagado sobre eventuais reclamações de Bolsonaro a respeito das superintendências da PF nos Estados, Heleno disse que o presidente "cobrava um maior desempenho da Polícia Federal do Rio de Janeiro no combate à corrupção, inclusive envolvendo hospitais federais".

"Nesse período, o presidente havia se queixado sobre o envolvimento do nome dele no caso Marielle, notadamente em razão de um fato envolvendo o porteiro do condomínio onde reside o presidente; o presidente havia se queixado da demorado da investigação sobre a situação envolvendo o porteiro do condomínio onde reside, ressalvando o depoente [Heleno] que não sabe informar se essa atribuição seria ou da Polícia Federal ou da Polícia Civil."

Sobre a Superintendência da PF em Pernambuco, Augusto Heleno confirmou um trecho do depoimento de Valeixo, segundo o qual havia reclamações do governo sobre a presença da delegada da PF Carla Patrícia no comando da PF de Pernambuco por ela ter exercido um cargo em comissão no governo do Estado no mandato de Paulo Câmara (PSB-PE), de um partido que integra a base de oposição a Bolsonaro no Congresso. Heleno disse, "sobre produtividade", que "percebeu a preocupação do presidente com SR/PE, com uma suposta ligação entre a superintendente e o governo do Estado".

Heleno criticou diversas vezes a reação de Sérgio Moro sobre a intervenção de Bolsonaro no comando da Polícia Federal. "Na visão do depoente, a mudança do diretor-geral da Polícia Federal é uma atribuição indiscutível do presidente da República, que deveria ocorrer sem maiores traumas, uma vez que, dado o espectro de atribuições do presidente da República, tal substituição não deveria causar maiores celeumas."

Heleno achava que a troca "deveria ser uma substituição rotineira, tendo em vista o amparo legal".

Perguntado se a Polícia Federal estava deixando de atender algum pedido de inteligência, Heleno disse que a PF "estava atendendo os pedidos feitos pelos canais adequados, mas que havia uma cobrança do presidente por uma maior agilidade, pois às vezes o presidente tomava conhecimento de informação pela imprensa, e não oficialmente".