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Rubens Valente

Delegado foi levado a Bolsonaro antes de ser nomeado superintendente do Rio

O diretor-executivo da Polícia Federal, Carlos Henrique Oliveira de Sousa - Divulgação
O diretor-executivo da Polícia Federal, Carlos Henrique Oliveira de Sousa Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

19/05/2020 18h09

O atual "número dois" da Polícia Federal e ex-superintendente da PF no Rio de Janeiro, Carlos Henrique Oliveira de Sousa, disse nesta terça-feira (19) que foi levado pelo diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), Alexandre Ramagem, a um encontro com o presidente Jair Bolsonaro no segundo semestre de 2019, na mesma época em que seria nomeado superintendente da PF no Rio.

Segundo Sousa, o encontro foi promovido por Ramagem para que ele conhecesse Bolsonaro. Negou que o presidente tenha feito perguntas sobre inquéritos em andamento na PF do Rio. A reunião reforça o interesse pessoal de Bolsonaro na Superintendência do Rio.

Sousa não soube dizer com exatidão a data da reunião, mas teria ocorrido "no segundo semestre" de 2019. Em novembro daquele ano, ele foi nomeado superintendente da PF no Rio. Ele confirmou que, quando foi chamado à reunião, ainda era o superintendente da PF em Pernambuco. Seu nome, porém, já era cogitado como o substituto do delegado Ricardo Saadi no Rio, que saiu do cargo em meio a pressões públicas de Bolsonaro.

Sousa disse que, assim que foi convidado por Ramagem, informou o contato para o então diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, mas ele não pôde comparecer ao encontro porque estava em viagem. Sousa afirmou que a reunião foi comunicada por Valeixo ao então ministro, Sergio Moro, que igualmente não compareceu ao encontro.

Indagado se Bolsonaro já sabia que Sousa havia sido indicado superintendente da PF no Rio, Sousa disse que "o presidente não disse isso diretamente, mas que isso já era um dado público à época".

"Não foi declarado nenhum objetivo específico para a sua audiência com o presidente Jair Bolsonaro; o delegado Ramagem apenas pontuou que seria importante o depoente [Sousa] conhecer o presidente Bolsonaro."

O encontro teria durado de 20 a 30 minutos. Nesse tempo, diz o delegado, Bolsonaro falou "de sua trajetória, como normalmente fala ao público". Sousa também foi indagado se soube de algum outro superintendente da PF levado para um encontro com o presidente da República e ele respondeu que não tinha conhecimento.

O delegado foi indagado sobre outros nomes de policiais da Superintendência do Rio que seriam próximos de Jair Bolsonaro. Ele citou o delegado Márcio Derenne, que seria próximo de um dos filhos do presidente, mas Sousa não soube dizer qual. Derenne é atualmente representante da PF na Interpol, na ONU, mas Sousa disse que desconhece qualquer influência política para a escolha do cargo e que Derenne "se submeteu a um rigoroso processo de seleção".

Sousa explicou ainda que Derenne em várias oportunidades foi cedido pela PF para trabalhar em outros órgãos, como a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio, o gabinete do senador Lindbergh Farias (PT), "junto ao ministro Picciani Filho", uma provável referência o ex0miistro dos Esportes Leonardo Picciani (MDB), filho do deputado estadual Jorge Picciani, um dos investigados da Operação Cadeia Velha, deflagrada pela PF do Rio em 2017.

O delegado pontuou ainda que o senador Flávio Bolsonaro, então deputado estadual, participava de "eventos públicos na Superintendência Regional do Rio de Janeiro e [de] eventos sociais promovidos pela Associação dos Delegados Federais".

Vazamento foi apurado

Sousa prestou hoje o segundo depoimento, agora a seu pedido, no inquérito que tramita no STF (Supremo Tribunal Federal) para apurar as denúncias do ex-ministro Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública) de suposta interferência do presidente Jair Bolsonaro no comando da Polícia Federal. Ele já havia falado no mesmo inquérito no dia 13 de maio e pediu para ser reinquirido.

No segundo depoimento, Sousa corrigiu um trecho da sua primeira fala e confirmou que foi procurado por Ramagem no último dia 27 de abril - ele havia dito que não fora procurado por Ramagem.

O delegado também foi indagado sobre o suposto vazamento de informações antes da deflagração da Operação Furna da Onça, que investigou assessores da Assembleia Legislativa do Rio, incluindo Fabrício Queiroz, amigo e ex-assessor do atual senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro.

Sousa confirmou ter tomado conhecimento de indícios de que a operação havia sofrido um vazamento. Um dos investigados, por exemplo, Affonso Monerat, recebeu a equipe da PF "com um diploma universitário nas duas mãos". O delegado disse que foi determinada a abertura de um inquérito para apurar o vazamento.

O delegado explicou que a investigação foi concluída mas "não se soube dizer onde teria ocorrido" o vazamento, ou seja, a PF não teria detectado os autores do vazamento.

Contradições mantidas

No primeiro depoimento, Sousa contradisse o presidente Jair Bolsonaro duas vezes. Primeiro, afirmou que a Superintendência do órgão no Rio não tinha problemas de produtividade quando ele assumiu o cargo, em novembro de 2019, em substituição ao delegado Ricardo Saadi.

A versão contraria o que Bolsonaro disse em agosto de 2019. Quando indagado pela imprensa na frente do Palácio da Alvorada sobre as pressões para trocar o então superintendente da PF no Rio, Ricardo Saadi, Bolsonaro disse que era uma questão de "produtividade".

A segunda contradição de Sousa em relação ao presidente ocorreu quando o delegado foi indagado se tinha conhecimento "de investigações sobre familiares do presidente nos anos de 2019 e 2020" na superintendência da PF no Rio. Ele respondeu que houve "uma investigação no âmbito eleitoral cujo inquérito já foi relatado, não tendo havido indiciamento". É uma referência a um inquérito sobre um dos filhos de Bolsonaro, o senador Flávio Bolsonaro.

A informação de Sousa contrariou uma recente declaração de Bolsonaro. Na terça-feira (12), um dia antes do depoimento de Sousa, o presidente declarou: "Não estou e nem nunca estive preocupado com a Polícia Federal. Nunca tive ninguém da minha família investigado pela Polícia Federal. Isso não existe no vídeo. Vocês tão sendo mal informados. (...) Vi uma TV agora dizendo que eu interferi na PF em defesa da família. Isso não existe no vídeo."

O delegado manteve as suas duas declarações no seu novo depoimento.