Gases-estufa crescem em 2019 e país não deverá atingir meta, diz relatório
Resumo da notícia
- Relatório de coalizão de ONGs aborda 2019, primeiro ano do mandato do presidente Jair Bolsonaro, e aponta aumento de 9,6% na comparação com 2018
Em 2019, primeiro ano do mandato do presidente Jair Bolsonaro, o Brasil aumentou em 9,6% as emissões brutas de gases de efeito estufa na comparação com 2018. Projeções indicam que o país "dificilmente cumprirá" em 2020 a meta estipulada na PNMC (Política Nacional sobre Mudança do Clima), regulamentada por um decreto de 2010 com reduções previstas para 2020.
As conclusões constam da oitava edição do SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa) divulgada na manhã desta sexta-feira (6), uma iniciativa do OC (Observatório do Clima), coalizão formada por 56 das principais organizações não governamentais em atividade no país.
De acordo com o SEEG, o aumento das emissões em 2019 foi puxado pelo desmatamento, "em especial na Amazônia", e coincide com o "desmonte" da "governança federal de clima" do governo Bolsonaro, "com a extinção da Secretaria de Mudança do Clima e Florestas do Ministério do Meio Ambiente e o engavetamento dos planos de prevenção e controle do desmatamento (PPCDAM e PPCerrado)".
No mesmo período, o PIB nacional subiu 1,1%. Isso sugere, de acordo com o SEEG, que as emissões no Brasil, "diferentemente das da maioria das outras grandes economias, estão descoladas da geração de riqueza".
O levantamento aponta "uma franca reversão da tendência de redução das emissões no Brasil, verificada entre 2004 e 2012".
"A meta [das emissões] para 2020 era facilmente cumprida. Não era absurda, de forma nenhuma. A gente só sairia da meta se acontecesse uma tragédia e a tragédia está acontecendo. A tragédia do desmatamento, que só traz atraso para o Brasil. O governo vai entregar neste ano quase o dobro do que pegou. [...] Apesar dos números péssimos, não podemos dizer que são surpreendentes. O Brasil e esse governo têm uma agenda que leva a esses números. O resultado que a gente está vendo só podia ser esse mesmo. Nós estamos assistindo o resultado de um plano. Não são por acaso", disse Márcio Astrini, secretário-executivo do OC em videoconferência nesta sexta-feira.
Gases de efeito estufa são uma série de substâncias gasosas, como o dióxido de carbono, o metano e o óxido nitroso, que contribuem para a emergência climática do aquecimento global. Concentrados na atmosfera, eles bloqueiam a radiação terrestre, levando ao aumento da temperatura média do planeta.
As estimativas do SEEG são geradas "de acordo com as diretrizes do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), com base na metodologia dos Inventários Brasileiros de Emissões e Remoções Antrópicas de Gases do Efeito Estufa, elaborado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), e em dados obtidos junto a relatórios governamentais, institutos, centros de pesquisa, entidades setoriais e organizações não governamentais".
De acordo com o OC, os principais destaques do SEEG divulgado nesta sexta-feira são:
- "aumento de 9,6% nas emissões em relação a 2018;
- o país não deverá cumprir a meta da PNMC (Política Nacional sobre Mudança do Clima) de 2020;
- o crescimento das emissões no último ano foi puxado pelo desmatamento na Amazônia, que disparou no ano passado;
- a agropecuária vem em segundo lugar, com um aumento de 1% em relação a 2018;
- somando-se as emissões de uso da terra com as da agropecuária, a atividade rural respondeu por 72% das emissões do Brasil no ano passado;
- o setor de energia respondeu por 19% do total de emissões, também com aumento de 1% em relação ao ano anterior. Isso se deveu a um aumento no consumo de energia elétrica e ao uso de diesel devido à recuperação do transporte de cargas;
- as emissões da indústria, que acompanham mais de perto o PIB e as dificuldades do setor, caíram 2%;
- o setor de resíduos teve um crescimento também discreto, de 1,3%. Apesar de responder por apenas 4% das emissões nacionais, o setor tem recebido enorme atenção do Ministério do Meio Ambiente, cujo ministro, Ricardo Salles, o considera 'o principal problema ambiental brasileiro'."
Desmatamento e atividade rural responderam por 72% das emissões
O principal contribuinte para o aumento de 9,6% nas emissões de gases de efeito estufa no primeiro ano do governo Bolsonaro foi o setor "mudanças de uso da terra", cujas emissões subiram 23% em 2019. "As mudanças de uso da terra, puxadas pelo desmatamento, seguem sendo as principais responsáveis por emissões no Brasil, com 44% do total. Desde a PNMC [de 2010], as emissões deste setor cresceram 64% no Brasil, em que pese a meta, inscrita na lei, de reduzir o desmatamento na Amazônia em 80% em 2020 comparado à média entre 1996 e 2005", aponta o relatório.
"A agropecuária vem em segundo lugar, com 598,7 milhões de toneladas de CO2 e em 2019, um aumento de 1,1% em relação às 592,3 milhões de toneladas emitidas em 2018. As emissões diretas do setor, fortemente ligadas ao rebanho bovino, representaram 28% do total de gases de efeito estufa do Brasil. Desde a regulamentação da PNMC, em 2010, o setor de agropecuária viu um aumento de 7% nas suas emissões, causado sobretudo pela expansão do rebanho", diz o relatório.
O SEEG observa que "o setor de agropecuária vem quebrando recordes de produção e reduzindo a intensidade das emissões, mas em números absolutos as emissões continuam a subir. É preciso expandir a produção de baixo carbono, que atenda às metas nacionais e ao Acordo de Paris. Para alcançar esse objetivo, torna-se imprescindível rápida expansão do Programa ABC e outras linhas de crédito do Plano Safra, assim como o monitoramento e a verificação dos seus resultados".
Relatório rechaça argumentos do ministro do Meio Ambiente
O SEEG também analisa os argumentos do governo brasileiro de que o país estaria cumprindo metas de redução dos gases-estufa. Em 2019, o MMA (MInistério do Meio Ambiente) "comemorou a publicação de um estudo do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada)", fundação vinculada ao Ministério da Economia que, segundo o SEEG, "sugeriu que o Brasil 'deve cumprir' sua 'meta voluntária' (sic) de redução de emissões em 2020", prevista na PNMC. Aliado a isso, no segundo semestre de 2019 o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, "levou à Europa um arrazoado de números que supostamente mostrariam que o Brasil estaria a ponto de cumprir sua NDC", a Contribuição Nacionalmente Determinada, de 2015.
Uma evidência disso, argumentou o ministro na ocasião, seria que, em 2015, ano da adoção da NDC, "o país já havia reduzido em 35% suas emissões em relação a 2005 - insinuando que estaria a apenas dois pontos percentuais de entregar a meta de 2025 de 37% de redução adotada em Paris".
O relato questiona: "Será que isso faz sentido?" O SEEG explica que o Brasil tem duas metas de redução dos gases-estufas, ambas obrigatórias: a estabelecida na PNMC, tornada decreto em 2010 com reduções previstas para 2020, e a da NDC, de 2015, "estabelecida voluntariamente mas que se tornou obrigatória quando da promulgação do Acordo de Paris no Brasil, em junho de 2017".
Pela NDC, o Brasil se comprometeu a reduzir suas emissões líquidas em 37% até 2025, na comparação com os níveis de 2005. Além disso, a NDC tem "um indicativo de meta para 2030, com 43% de redução".
Segundo o SEEG, "para cumprir a NDC - limitando as emissões líquidas em 2025 a 1,3 bilhão de toneladas -, o Brasil precisaria chegar a 2025 com emissões líquidas 17% menores". "Trata-se de uma meta factível. Reduções dessa magnitude nesse prazo já ocorreram o Brasil no passado: entre 2003 e 2006, por exemplo, o país diminuiu suas emissões líquidas em 33%", aponta o estudo.
O problema, contudo, é que o país "aumentou suas emissões líquidas em 12%" desde 2015, o ano de adoção da meta. "São, portanto, contrafactuais as alegações de que o país está no rumo de cumprir sua NDC", diz o SEEG.
Um ponto fundamental, diz o relatório, é que "o país tem sofrido desde o início de 2019 a erosão das políticas, das regulações e dos instrumentos que conduziriam ao cumprimento da NDC". O SEEG não teve por objetivo "inventariar as ações de desmonte da governança ambiental brasileira", mas mencionou "algumas ações de governo que impactam direta e negativamente o cumprimento dos compromissos do Brasil no clima".
"O Fundo Clima, que ajuda a financiar ações de mitigação, foi paralisado até setembro e retomado apenas depois que partidos políticos processaram o governo no STF. O Fundo Amazônia, que durante dez anos ajudara a implementar ações de desenvolvimento sustentável na região - e desde 2016 vinha também sendo usado para financiar comando e controle, por meio dos programas de fiscalização do Ibama - foi igualmente paralisado, após o ministro do Meio Ambiente insistir em mudar sua governança à revelia dos doadores, alegando irregularidades nunca comprovadas nas doações a ONGs. Sua interrupção também é objeto de uma ação no STF contra o governo", lembra o SEEG.
Além disso, "os planos de prevenção e controle do desmatamento na Amazônia (PPCDAm) e no cerrado (PPCerrado) foram extintos e substituídos por um documento de 19 páginas, sem metas, prazos ou indicação de atribuições ou financiamento. Já em outubro, o general Hamilton Mourão declarou a embaixadores estrangeiros uma meta de reduzir a taxa de desmatamento em 50% até 2023, sem no entanto dizer como".
Por fim, "a ação punitiva e dissuasória dos órgãos fiscalizadores, peças fundamentais do controle do desmatamento, foi enfraquecida por meio de dois dispositivos infralegais": "A Operação Verde Brasil 2, que subordinou o Ibama e o ICMBio ao Exército na Amazônia, e a criação, por decreto, da chamada "conciliação" de multas, que interrompeu toda a cobrança de multas ambientais federais no país desde outubro de 2019. A conciliação foi objeto de uma terceira ação na Suprema Corte contra o governo."
País não comunicou à ONU novas metas para 2030
De acordo com o SEEG, o Brasil "chega a 2020 sem ter cumprido a PNMC, com emissões na contramão da NDC, sem um plano de implementação desta e ao menos por ora sem apresentar a nova NDC".
O relatório apontou "o desvio de rota da NDC". "Em 2020, o governo brasileiro deveria apresentar à sociedade um plano de implementação da Contribuição Nacionalmente Determinada do país para o período 2021-2025. Deveria também, conforme a decisão de adoção do Acordo de Paris, comunicar à ONU uma nova NDC, com prazo até 2030. Nenhuma das duas coisas havia acontecido até a publicação deste relatório."
Tasso Azevedo, coordenador-geral do MapBiomas, disse em videoconferência que a maior consequência no exterior, caso o Brasil não cumpra a meta da PNMC para 2020, seria o "constrangimento de não cumprir as metas que nós mesmos determinamos". Internamente, seria a demonstração de que "não estamos cumprindo uma política pública prevista em lei".
Os autores do relatório SEEG são: Igor Albuquerque (ICLEI), Ane Alencar (Ipam), Claudio Angelo (Observatório do Clima), Tasso Azevedo (OC-SEEG), Felipe Barcellos (Iema), Iris Coluna (ICLEI), Ciniro Costa Junior (Imaflora), Marcelo Cremer (Iema), Marina Piatto (Imaflora), Renata Potenza (Imaflora), Gabriel Quintana (Imaflora), Júlia Shimbo (Ipam), David Tsai (Iema), Bárbara Zimbres (Ipam).
A coluna procura o Ministério do Meio Ambiente e a Presidência da República para que comentem o relatório SEEG. Havendo respostas, este texto será atualizado. No começo desta tarde, a Secom (Secretaria de Comunicação) da Presidência respondeu que as perguntas deverão ser reencaminhadas ao Ministério do Meio Ambiente.
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