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Rubens Valente

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Opinião: Bolsonaro intervém porque prometeu saídas falaciosas para o país

Live de Bolsonaro - Reprodução/Youtube
Live de Bolsonaro Imagem: Reprodução/Youtube

Colunista do UOL

22/02/2021 13h47

Relação do governo com o Congresso? Basta não se aliar ao Centrão. Desmatamento na Amazônia? Isso não existe, é coisa de ONGs internacionalistas, vamos acabar com a "festa das multas" do Ibama. Baixar o preço dos combustíveis? É só querer, a Dilma não queria. E, se houver resistência, nós vamos vender a empresa.

Jair Bolsonaro foi eleito oferecendo saídas simplistas e falaciosas para todo tipo de problema de difícil solução. Quem conversava com eleitores de Bolsonaro em 2017 e 2018 percebia como esse discurso primário estava sendo assimilado e defendido como verdade. Era um mundo especial, apartado da realidade, onde as coisas mais impossíveis podiam acontecer a partir da vontade de um indivíduo. Eram como crianças irresponsáveis e perigosas - o candidato e seus eleitores - exercitando o pensamento mágico.

De janeiro de 2019 para cá, Bolsonaro já reclamou diversas vezes da carga de responsabilidade que a Presidência impõe. Certa feita disse que "sua vida é um inferno". Esse incômodo se explica porque, uma vez na cadeira presidencial, ele passou a ter que encarar o peso da realidade - embora a todo momento dela queira fugir, com passeios de jet ski e de moto, longas folgas, banhos de mar e festas de formatura de cadetes.

Mas agora não se trata mais de gravar os videozinhos histéricos que disseminava em obscuros grupos de Whatsapp e canais de YouTube, ambientes sem direito ao contraditório e ao pensamento crítico. Lá não havia nenhum jornalista fazendo as perguntas óbvias. Agora é diferente, ele se vê forçado a baixar o preço dos combustíveis, já que prometeu que um presidente seria capaz de fazer. Não é só assinar um papel ou demitir alguém?

Acuado pela reclamação dos eleitores sobre o preço dos combustíveis, ele age. Ninguém o impede, nada o atrapalha, ele vai e faz, intervém, destitui, opina sobre o que não sabe, antecipa. Afinal de contas, ele disse que era questão de vontade. Neste sábado (20), sugeriu que há um complô dentro da Petrobras para prejudicar seu governo. Há quem acredite.

Bolsonaro se enrola nas próprias fabulações que o ajudaram a ser eleito. Na campanha de 2018, ele escolheu a Petrobras como um alvo. Quando, em maio daquele ano, estourou a greve dos motoristas de caminhão, que paralisou diversas linhas de abastecimento e produção e colocou em xeque o presidente Michel Temer, Bolsonaro imediatamente se alinhou aos caminhoneiros, uma base eleitoral importante.

Em 20 de maio, o pré-candidato distribuiu um vídeo nas redes sociais em apoio aos grevistas. Disse que um dos itens da pauta de reivindicações, "talvez o mais grave", era "o preço dos combustíveis, óleo diesel".

"De há muito os caminhoneiros buscam soluções para esses problemas, que na verdade interessam aos 200 milhões de brasileiros. Não têm encontrado eco no Legislativo. Sobrou-lhes o Executivo, que teima a se omitir. Assim sendo, apenas a paralisação prevista a partir de segunda-feira poderá forçar o presidente da República a dar uma solução para o caso. A nossa solidariedade, que vocês sejam felizes e alcancem realmente o objetivo que interessa a vocês e aos 200 milhões do lado de cá", disse Bolsonaro.

O preço do barril de petróleo no exterior, a flutuação do dólar, a oferta e a procura pelo produto, nada disso interessava ou valia, Michel Temer podia sim "dar uma solução para o caso", muito embora ele teimasse "em se omitir".

Em 3 de agosto, durante a campanha, Bolsonaro ameaçou com a privatização da Petrobras. Era parte do pensamento mágico para "a solução do problema" porque está em linha com o raciocínio de que a definição dos preços é uma decisão política, não tem a ver com o mercado. Por isso Bolsonaro repetia que, caso o presidente pressionasse a direção da Petrobras, os preços cairiam.

"Se não tiver uma solução, eu sugiro a privatização da Petrobras. Acaba com esse monopólio estatal e ponto final. Então, é o recado que eu dou para o pessoal da Petrobras", disse o candidato durante uma entrevista à GloboNews. "Eu entendo que a Petrobras é estratégica. Por isso não gostaria de privatizar a Petrobras, esse é o sentimento meu. Agora, se não tiver solução, não tiver um acordo, você não vai ter outro caminho."

Em 9 de outubro de 2018, em entrevista à TV Bandeirantes, ele novamente atacou a política de preços da Petrobras. "Você não pode ter uma política predatória no preço combustível para salvar a Petrobras e matar a economia brasileira. Qualquer coisa no combustível reflete no preço da mercadoria que tá lá na ponta. Ninguém quer a Petrobras com prejuízo, mas também não pode ser uma empresa que usa do monopólio para tirar o lucro que bem entende. Repito: faltam-me dados para uma melhor análise sobre isso. Uma vez sendo presidente, a gente vai ter os dados."

Ele falou sobre a Petrobras também no seu plano de governo registrado na Justiça Eleitoral e pomposamente chamado de "Projeto Fênix".

"Os preços praticados pela Petrobras deverão seguir os mercados internacionais, mas as flutuações de curto prazo deverão ser suavizadas com mecanismos de hedge apropriados. Ao mesmo tempo, deveremos promover a competição no setor de óleo e gás, beneficiando os consumidores. Para tanto, a Petrobras deve vender parcela substancial de sua capacidade de refino, varejo, transporte e outras atividades onde tenha poder de mercado."

Na verdade, Bolsonaro pouco detalhou seus projetos para o país ao longo da campanha eleitoral. Como sabemos, após o atentado executado solitariamente por um doente mental, Adélio Bispo, Bolsonaro passou um tempo no hospital e depois disse não ter condições de participar de debates nas emissoras de TV. Em larga medida ele continuou imune ao contraditório. Demorou dois anos e meio, mas agora a realidade vem cobrar seu preço. Ele é salgado. Não há passeio de jet ski que resolva.