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Rubens Valente

REPORTAGEM

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Servidor do Ibama disse à PF que foi intimidado por assessor de Salles

Ricardo Salles é alvo de operação da Polícia Federal; entenda investigação

Colunista do UOL

19/05/2021 15h22

Um servidor do Ibama disse à Polícia Federal que foi intimidado dentro do órgão por um assessor especial do gabinete do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, após ter assinado uma nota informativa na qual revelou a quase total paralisação do sistema de multas ambientais em todo o país a partir da criação de uma fase de "conciliação". Ela foi elaborada e instituída por Salles em 2019.

A informação consta da decisão do ministro do STF Alexandre de Moraes pela qual determinou uma operação, desencadeada pela PF nesta quarta-feira (19), de busca e apreensão contra Salles, o presidente do Ibama, Eduardo Bim, e outros servidores que ocupam cargos em comissão.

A nota informativa que gerou a intimidação, segundo o servidor do Ibama, foi assinada no último dia 5 pelo analista ambiental do órgão Hugo Leonardo Mota Ferreira, lotado na Superintendência de Apuração de Infrações Ambientais. A decisão de Moraes cita as iniciais do nome do servidor que relatou a suposta intimidação à PF, H.L.M.F, que coincidem com o nome do analista que assinou a nota, e também o nome de apenas "Hugo".

A nota informativa é demolidora sobre o sistema de conciliação de multas praticado no Ibama a partir de 2019. O estudo de Ferreira - o primeiro documento que já veio a público produzido pelo próprio órgão com um balanço crítico sobre esse sistema - foi solicitado pela Auditoria Interna do Ibama a propósito de um processo que tramita no TCU (Tribunal de Contas da União).

O estudo concluiu que o modelo instituído por Salles na prática paralisou a cobrança de multas ambientais e também prejudicou o julgamento de multas aplicadas em gestões anteriores. De um total de 14,9 mil multas aplicadas desde 2019, após a edição do decreto de Salles, apenas 1,7% passou por audiência de conciliação. Em todo o ano de 2020, foram feitas apenas cinco audiências de conciliação. De janeiro a abril de 2021, apenas 247 audiências. A nota apontou gestão inadequada do Ibama e "inércia/omissão da parte do Ministério do Meio Ambiente".

A nota, que veio a público no mesmo dia 5, enfureceu as cúpulas do Ministério do Meio Ambiente e do Ibama. A intimidação havia sido denunciada pela Associação dos Servidores do Ibama no Distrito Federal no último dia 10, mas pela primeira vez, na decisão de Moraes, surge a informação de que o servidor confirmou tudo em depoimento à Polícia Federal.

De acordo com o servidor, um dia depois de a nota informativa ter vindo a público, ele chegou para trabalhar às 9h00 no prédio do Ibama, em Brasília, quando encontrou na sua sala Leopoldo Penteado Butkiewicz, "assessor especial do gabinete do ministro Ricardo Salles", uma funcionária terceirizada e o superintendente de Apuração de Infrações Ambientais do Ibama, Wagner Tadeu Matiota.

"Na sequência Wagner chamou o depoente para conversar e informou que não estava satisfeito com o teor da Nota Informativa NI 9868495/21-SIAM, de 05/05/2021, bem como o fato dela ter sido encaminhada à auditoria interna", disse o servidor à PF. Matiota teria dito "que não queria mais o depoente naquela sala, que era para pegar suas coisas e ir para outra sala".

O servidor disse que indagou se poderia "pegar seus arquivos na sua máquina". Nesse momento, afirmou o servidor, o assessor de Salles, Butkiewicz, "veio até o depoente e com o claro intuito de intimidá-lo se colocou na sua frente e disse 'quem você pensa que é, para agir dessa forma e ainda ficar aqui?', referindo-se claramente ao teor da Nota Informativa NI 9868495/21-SIAM, de 05/05/2021".

Segundo o servidor, Butkiewicz "começou discutir com o depoente, mandando que fosse embora para casa e dizendo que o seu computador seria apreendido e inspecionado pela Corregedoria do órgão". O servidor disse que questionou a razão do problema, mas nesse momento Matiota "pediu que se retirasse".

"Todo ocorrido deixou bem claro para o depoente que toda essa confusão se deu em razão do teor da Nota Informativa NI 9868495/21-SIAM, de 05/05/2021, firmada pelo próprio, e cujo teor claramente não agradou a Leopoldo e Wagner."

Em sua decisão, Alexandre de Moraes deixou claro que o episódio pesou na avaliação de que os nomes citados pelo servidor deveriam ser afastados dos seus cargos, pelo menos por ora.

"Assim, é razoável que, ao menos nesse primeiro momento da investigação, onde a manutenção dos agentes públicos nos respectivos cargos poderia dificultar a colheita de provas e obstruir a instrução criminal, direta ou indiretamente por meio da destruição de provas e de intimidação a outros servidores públicos, se determine o a suspensão do exercício da função pública para os servidores públicos que tiveram envolvimento direto nos fatos descritos pela autoridade policial", diz o ministro na sua decisão.