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Rubens Valente

REPORTAGEM

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Corregedor pediu punição de procurador que processou Moro e Weintraub

Plenário do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), em Brasília - Divulgação/CNMP
Plenário do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), em Brasília Imagem: Divulgação/CNMP

Colunista do UOL

08/12/2021 04h00

Em portaria de outubro último, o então corregedor nacional do Ministério Público no CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), Rinaldo Reis Lima, defendeu que duas ações civis públicas ajuizadas contra os ex-ministros Sergio Moro (Justiça) e Abraham Weintraub (Educação) são motivos para abertura de um PAD (Processo Administrativo Disciplinar) contra o procurador da República de Mossoró (RN) Emanuel de Melo Ferreira.

O plenário do CNMP precisa decidir, por maioria, se acolherá ou não a manifestação do ex-corregedor - até o fechamento deste texto, não houve decisão a respeito. Lima deixou a Corregedoria do CNMP em outubro, mas na semana passada foi reconduzido, após votação no plenário do Senado, ao cargo de conselheiro do CNMP. O atual corregedor nacional do CNMP é Marcelo Weitzel.

Em sua decisão, o ex-corregedor reuniu cinco quesitos para a acusação contra Ferreira. Dois dos itens são as ações ajuizadas contra Moro e Weintraub.

Em agosto de 2019, Ferreira representou no MPF de Mossoró "em face de possíveis danos morais coletivos à imagem dos advogados, membros do Ministério Público e juízes a partir da conduta inquisitiva levada a cabo pelo então juiz federal Sérgio Moro". Após a distribuição do feito, foi instaurado um inquérito civil.

Dois anos depois, em agosto de 2021, Ferreira e seu colega no MPF Luís de Camões Lima Boaventura ajuizaram uma ação civil pública contra a União com o objetivo de "reparação aos danos morais coletivos causados aos cidadãos brasileiros pela Força Tarefa da Lava Jato em Curitiba e, especialmente, pelo então juiz federal Sergio Fernando Moro".

O procurador da República em Mossoró (RN) Emanuel Ferreira - Reprodução - Reprodução
O procurador da República em Mossoró (RN) Emanuel Ferreira
Imagem: Reprodução

Segundo os procuradores, Lava Jato e Moro praticaram "ofensa reiterada e sistemática" contra "o regime democrático (art. 1º, caput, da Constituição e art. 23, 1, 'b' da Convenção Interamericana de Direitos Humanos) ao atuar em ofensa do devido processo legal e de modo inquisitivo no âmbito da denominada Operação Lava Jato".

Os procuradores pediram que a União fosse obrigada a fazer "adequada educação cívica para a democracia no âmbitos da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM) e da Escola Nacional do Ministério Público (ESMPU), a partir da realização de cursos, pesquisas, congressos, conferências, seminários, palestras, encontros e outros eventos técnicos, científicos e culturais periódicos com magistrados e
procuradores da República, abordando os temas da democracia militante e das novas formas de autoritarismo que erodem a democracia e a Constituição brasileira".

Em setembro, a ação proposta pelos procuradores deixou de ser acolhida pelo juiz da 10ª Vara Federal de Mossoró, Lauro Henrique Lobo Bandeira, por entender que "não se justifica o ajuizamento desta ação com o propósito de obrigar a ENFAM e a ESMPU a reformularem o conteúdo programático de seus cursos de preparação, para atender expectativa do MPF quanto a necessidade de vocacionar juízes e procuradores a assimilarem certos temas de natureza constitucional e político que lhe parece relevantes". O MPF recorreu da decisão.

Na sua portaria pela qual propôs a abertura do PAD contra Ferreira, Lima citou a decisão judicial para argumentar que "a ação foi proposta com evidente conotação de imposição ideológica ao pretender instrumentalizar a formação de juízes e procuradores através de marcos teóricos de referência ao processado [Ferreira]".

O então corregedor afirmou ainda que houve "explícita violação do princípio do promotor natural", que o procurador estava "ciente da inexistência de reclamações feitas por advogados, relacionadas à conduta profissional do ex-juiz federal Sérgio Moro" e que ele "não tinha atribuição legal para o ajuizamento de ação decorrente da apuração levada a cabo no inquérito civil".

Correição não encontrou irregularidades na distribuição

O então corregedor não citou a conclusão de uma correição extraordinária feita pela Corregedoria-Geral do MPF - um órgão distinto da corregedoria do CNMP - no 1º Ofício da Procuradoria da República de Mossoró e encerrada em novembro de 2020. A correição foi solicitada pelo próprio procurador Ferreira porque era alvo de uma exceção de suspeição que também sugeriu supostas irregularidades na distribuição do processo.

No seu relatório final, a Corregedoria concluiu que "o termo de distribuição e conclusão gerado automaticamente pelo Sistema atesta que os autos foram distribuídos ao 1º Ofício da PRM/Mossoró, de forma automática, dentro do grupo de distribuição cível/tutela coletiva, conforme cadastrado pela servidora" do Judiciário.

"Levando em consideração todos os elementos de provas colacionados ao bojo do procedimento em tela, pode-se concluir que eles não se mostraram suficientes para confirmar a existência de irregularidade nas rotinas de distribuição adotadas na Procuradoria da República em Mossoró/RN, especialmente no que tange àquelas adotadas em relação aos autos acima elencados, bem como pelo fato de que as rotinas aplicadas pela unidade, salvo melhor juízo, levaram em conta as regras estabelecidas [...]", diz o relatório final assinado pelo procurador regional da República Francisco Machado Teixeira.

Na manifestação pelo PAD contra Ferreira, o ex-corregedor do CNMP também citou uma outra ação civil pública ajuizada em maio de 2019 por Ferreira - na companhia de outros seis procuradores - contra o ex-ministro Abraham Weintraub e a União. Os procuradores solicitaram a condenação de ambos ao pagamento de uma indenização de R$ 5 milhões por supostos danos morais coletivos causados à honra e à imagem de alunos e professores das instituições públicas federais de ensino.

Em abril de 2019, Weintraub afirmou, em entrevista ao jornal "O Estado de S. Paulo", que "universidades que, em vez de procurar melhorar o desempenho acadêmico, estiveram fazendo balbúrdia, terão verbas reduzidas". Os procuradores disseram que as declarações "demonstram clara vontade discriminatória por parte do réu", pois as universidades inicialmente retaliadas pelo MEC "atingiram ótimo desempenho".

Em reunião ministerial de 22 abril, que teve sua gravação publicada por decisão judicial, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, defendeu a prisão de ministros do STF - REUTERS/Adriano Machado - REUTERS/Adriano Machado
Em reunião ministerial de 22 abril, que teve sua gravação publicada por decisão judicial, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, defendeu a prisão de ministros do STF
Imagem: REUTERS/Adriano Machado

Os procuradores citaram ainda que, em maio de 2019, Weintraub foi questionado sobre a situação da limpeza em duas universidades e nos institutos federais de ensino no Rio Grande do Norte e o ministro teria respondido que "se chamasse o CA e o DCE", duas representações do movimento estudantil. Por fim, também em maio de 2019, em audiência na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, se recusou a pedir desculpas por ter usado o termo "balbúrdia".

Para o ex-corregedor do CNMP, contudo, a ação contra Weintraub "foi manejada de forma a promover indevido juízo de valor, não apenas às declarações do ex-ministro, mas também à [sic] opções políticas adotadas pelo Governo Federal".

A ação também foi rejeitada pela 10ª Vara Federal de Mossoró e os membros do MPF também recorreram da decisão. Ferreira comentou a decisão em suas redes sociais. Para o ex-corregedor, o recurso do MPF e os comentários "desbordaram" do "dever funcional" do procurador "de manter trato urbano e respeito e de guardar decoro pessoal".

Ex-corregedor atacou publicações de procurador em redes sociais

Em trecho transcrito pelo ex-corregedor, o procurador teria escrito em rede social: "A pretensa postura ideológica indicada na sentença, na verdade, demonstra falta de coragem judicial para concretizar a Constituição, pois defender os direitos fundamentais não se confunde com ideologia no sentido pejorativo elencado na decisão recorrida. Por outro lado, age ideologicamente o juiz que se supõe neutro diante de quadro notório de degradação das instituições democráticas, como a presente ação mostrou em relação ao direito à educação pública. Na verdade, a argumentação judicial posta contribui para o discurso de ódio contra os diversos grupos mais vulneráveis neste momento frágil da democracia brasileira".

No Twitter, o procurador comentou uma decisão da Justiça Federal de São Paulo pela qual Weintraub foi condenado ao pagamento de R$ 50 mil por ter associado universidades a "plantação de maconha". "As condenações começam a surgir, interpretando-se corretamente a liberdade de expressão num exercício que reputo como militância democrática. A parcela não pusilânime do Judiciário merece total reconhecimento. Aguardemos o resultado do caso 'balbúrdia'", escreveu Ferreira em agosto de 2020.

Para o então corregedor, as postagens nos perfis do procurador nas redes sociais Twitter e Facebook "exteriorizam posições político-partidárias, ironizando e atacando pessoas por ele investigadas e processadas e menoscabando colegas de instituição e integrantes do Poder Judiciário".

Outra postagem citada pelo ex-corregedor na sua peça foi escrita por Ferreira em abril de 2020, no início da pandemia do novo coronavírus. Naquela ocasião, o presidente Jair Bolsonaro chamou de "covarde" quem ficava em casa como estratégia de distanciamento social para evitar a proliferação do vírus. "Falou o corajoso que não mostra o exame da Covid-19", comentou o procurador.

Para o então corregedor, a postagem "ironizou" Bolsonaro e Ferreira "afastou-se do cumprimento do dever de portar-se de forma isenção [sic]". Nesse ponto Lima fez referência a uma outra ação ajuizada por Ferreira e um colega a partir de uma declaração de um deputado estadual do PSL que teria, numa entrevista a uma emissora de TV, "suposto que alunos de universidade [sic] federais são pessoas viciadas em drogas; e valorado negativa e preconceituosamente alunos que usam tatuagem".

Para o ex-corregedor, "o processo promoveu indevida vinculação entre o réu [deputado] que, embora filiado ao PSL, não exercia qualquer cargo público, com o Governo Federal, o qual reputou de autoritário e cujo mandatário ironizou" na postagem de abril de 2020.

Procurador disse que seria um "paradoxo" punir colegas

Em mensagem à coluna, o CNMP informou, na íntegra: "O promotor de Justiça Rinaldo Reis encerrou os mandatos de conselheiro do Conselho Nacional do Ministério Público e de corregedor nacional do Ministério Público em outubro. Caberá ao Plenário da instituição instaurar ou não o processo administrativo disciplinar".

O procurador Emanuel Ferreira ainda não apresentou defesa às acusações de Lima porque o processo não foi instaurado.

Em outubro de 2020, o próprio procurador solicitou uma correição extraordinária que, ao final, concluiu pela ausência de irregularidades no sistema de distribuição dos processos.

Em 2021, Ferreira e seu colega Luís Boaventura ajuizaram um mandado de segurança cível na 6ª Vara da Justiça Federal do DF pelo qual questionaram uma decisão da corregedoria geral do MPF de instaurar um inquérito administrativo também em relação à ação civil pública sobre Sergio Moro. "Os impetrantes reputam a iniciativa de violadora da independência funcional dos membros do Ministério Público, pois fundada em verdadeiro 'crime de hermenêutica'."

A expressão é usada para descrever uma descabida responsabilização criminal de um operador de Direito pelo simples fato de sua interpretação ter sido divergente de algum órgão revisor.

Em parecer de novembro de 2021 no bojo do mandado, o procurador da República no DF Mário Alves Medeiros se manifestou favorável a posição de Ferreira e Boaventura.

"Cabe ao Poder Judiciário e não ao órgão de controle disciplinar do Ministério Público apreciar o mérito de sua atuação funcional. E isso foi feito no caso presente, como reconhecido nas próprias informações da autoridade impetrada. Pode-se imaginar a perplexidade que seria causada na hipótese de acolhimento dos pedidos formulados em juízo e concomitante punição disciplinar em razão da formulação desses mesmos pedidos. Um
paradoxo que causaria danos severos tanto ao Ministério Público quanto ao Poder Judiciário", escreveu Medeiros.

"Não se advoga a impossibilidade de responsabilização dos membros do Ministério Público em decorrência de seus atos funcionais, mas que devem estar presentes as causas legais para tanto: atuação dolosa ou movida por culpa grave. Mera divergência de juízo técnico-jurídico, entretanto, não configura nem uma e nem outra situação."