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Petrobras: indicado a presidir conselho atuou em firma suspeita de lavagem
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Indicado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) para presidir o Conselho de Administração da Petrobras, o engenheiro Márcio Andrade Weber, de 58 anos, atuou em contratos e licitações na estatal como representante de uma empresa suspeita de participar da lavagem de propina endereçada a agentes públicos, de acordo com o MPF (Ministério Público Federal). A informação consta nas investigações da Operação Lava Jato no Rio de Janeiro.
Entre 2007 e 2020, Weber atuou como funcionário da Petroserv Marine, firma que atua há 50 anos em diversas áreas da indústria do petróleo, desde a fabricação de equipamentos de perfuração à produção de petróleo.
Documentos obtidos pela coluna mostram que ele tinha procuração dos donos da empresa para defender seus interesses no âmbito de licitações da Petrobras.
A indicação de Weber para a presidência do Conselho de Administração será votada em assembleia de acionistas da Petrobras prevista para acontecer amanhã, dia 13. Ele já atua como integrante do conselho. O governo tem a maioria das ações com direito a voto.
À coluna, Weber disse não ter envolvimento com pagamento de propina a agentes públicos, nem ter sido citado em investigações.
Colaboração internacional
Contas da Petroserv no exterior são citadas em relatórios de análise financeira obtidos por autoridades brasileiras junto ao governo holandês, por meio de acordo de cooperação internacional no âmbito da Lava Jato, em 2014.
De acordo com estes documentos, a empresa foi intermediária de pagamentos ilegais de uma outra fornecedora da Petrobras, a empresa SBM, ao lobista Julio Faerman.
Faerman atuou como representante da SBM no Brasil e também como intermediário de propina a funcionários da Petrobras, empresa com a qual a SBM tinha contratos bilionários de afretamento de plataformas.
Recursos originários de contas no exterior da SBM passaram por contas da Petroserv e, em seguida, foram repassados a Faerman, responsável por pagar 0,5% dos contratos com a Petrobras aos ex-funcionários da estatal Pedro Barusco e Paulo Roberto Carneiro.
Em colaboração premiada, Barusco confessou ter recebido recursos da SBM por meio de contas no exterior e apresentou às autoridades brasileiras parte do caminho percorrido pelo esquema.
Planilha holandesa
Autoridades holandesas também compartilharam com o governo brasileiro uma planilha intitulada "petroserv split.xls", em que são detalhados pagamentos da filial holandesa da SBM à empresa e posterior repasse de valores a contas de offshores de Julio Faerman nas Ilhas Britânicas ou Panamá.
Parte destes pagamentos foi atribuída a propina do contrato relativo às plataformas de petróleo administradas pela SBM no campo de Espadarte, localizado na Bacia de Campos, a 110 quilômetros do litoral.
Em 2014, a SBM pagou uma multa de US$ 240 milhões ao governo holandês para encerrar investigações sobre sua conduta em países com os quais fazia negócios, entre eles o Brasil. Em 2018, a empresa assinou acordo de leniência com autoridades brasileiras, concordando em pagar R$ 1,4 bilhão em multas e indenizações.
De acordo com as investigações, a empresa holandesa pagava comissões de vendas entre 3% e 10% a operadores, dependendo do tipo de contrato com a Petrobras, do material fornecido e da existência ou não de licitação.
Em contrapartida, obtinha informações sobre empresas concorrentes e estimativa de preços esperados pela estatal em licitações, segundo as investigações.
Procuração para atuar pela Petroserv
No período em que ocorreram os pagamentos a agentes da Petrobras, Márcio Weber, agora indicado por Bolsonaro para presidir o Conselho de Administração da Petrobras, tinha procuração dos donos da Petroserv, Tobias Cepelowicz e Roberto Jessourun, para representar a empresa em licitações de afretamento de plataformas da estatal.
De acordo com documento obtido pela coluna, os proprietários da Petroserv deram a Weber, em 2008, "plenos poderes para apresentar proposta, juntar documentos, assinar atos e termos, tomar deliberações", entre outras atribuições.
Em depoimento à Justiça Federal do Rio de Janeiro, em junho de 2016, o chefe de Weber, Tobias Cepelowicz, proprietário da Petroserv, alegou que a participação da empresa em pagamentos de interesse da SBM no exterior seria "uma exigência de internacionalização de negócios".
A hipótese foi refutada pelo juiz Vitor Barbosa Valpuesta, da 3ª Vara Federal Criminal da Justiça Federal no Rio de Janeiro.
Em sentença que condenou agentes da Petrobras e da SBM, ele destacou que a internacionalização destes capitais "jamais haveria de redundar na forçosa necessidade de utilização de sociedades offshore, cujo efeito principal é justamente ocular o titular das disponibilidades em conta registrada em nome de pessoa jurídica".
Em outras palavras, esconder das autoridades quem é o pagador e quem é o beneficiário de recursos.
"A utilização de tais esquemas societários é plenamente condizente com o ânimo de escondimento compreensivelmente derivado do cometimento dos ilícitos de corrupção de sua autoria, os quais tiveram sua ocorrência positivamente aferida, em minuciosa análise", escreveu o magistrado, a respeito da conduta de Julio Faerman.
Mesmo na condição de colaborador, Faerman foi condenado a 28 anos de prisão por crimes de corrupção ativa, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e evasão de divisas. O Juízo entendeu que o acusado tentou reduzir suas responsabilidades diante dos fatos investigados. A sentença está em grau de recurso no Tribunal Regional Federal da 2a Região.
Apesar do uso das contas da Petroserv no exterior no esquema, diretores da empresa não foram denunciados pelo MPF na ocasião. De acordo com procuradores, o caso segue em investigação.
Indicado nega envolvimento com o caso
À coluna, Weber disse não ter envolvimento com pagamento de propina a agentes públicos.
"Não tive que lidar com estes fatos, meu nome nunca foi citado. Este assunto já foi explicado no âmbito das investigações, não houve acusação em relação à Petroserv neste caso", afirmou.
De acordo com Weber, a Petroserv dava suporte técnico à SBM quando ela veio para o Brasil, razão da existência de pagamentos da holandesa à empresa brasileira no exterior.
Apesar de parte desses recursos terem sido posteriormente endereçados pela Petroserv a Julio Faerman, ele nega que a empresa tivesse conhecimento do pagamento de propina da SBM a funcionários da Petrobras por parte do lobista.
"A gente não pagava propina. As contas da Petroserv não foram usadas para isso", afirmou.
Na noite de terça-feira, a Petrobras informou que Weber "atende integralmente aos requisitos e à ausência de vedações" previstas em legislações que regulamentam a Lei de Estatais e na Política de Indicação de Membros da Alta Administração da Petrobras.
"Weber prestou todos os esclarecimentos devidos durante a aplicação do procedimento de background check de integridade da Petrobras, incluindo o seu relacionamento pretérito com a empresa Petroserv S.A., ainda por oportunidade de sua primeira indicação ao cargo de membro do Conselho de Administração, em abril de 2021", informou a estatal.
O advogado de Faerman, Antonio Sergio Pitombo, informou que seu cliente não se manifestaria sobre o caso. "Os processos correm em segredo de Justiça. Agradeço a oportunidade, mas nada tenho a comentar", afirmou.
A reportagem procurou a Petroserv Marine por meio de telefones de seu escritório, em Macaé (RJ). Uma representante da empresa pediu que fosse encaminhado um e-mail à direção, mas não houve retorno.
Presidência da estatal
A assembleia de acionistas da Petrobras amanhã também deve votar a indicação do nome de José Mauro Ferreira Coelho para assumir a presidência da estatal.
Ferreira Coelho foi indicado após o consultor Adriano Pires renunciar ao convite para assumir a companhia, alegando conflito de interesses.
O atual presidente da estatal, o general Joaquim Silva e Luna, foi demitido na semana passada em razão de insatisfação do presidente Jair Bolsonaro com o preço dos combustíveis.
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