OCDE aponta risco à independência do MP para combater corrupção no Brasil
A OCDE (Organização para Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) alertou em relatório divulgado hoje (19) para o aumento de riscos à independência e autonomia do Ministério Público no Brasil, detectadas pelo grupo de trabalho que examinou a implementação da Convenção Antissuborno transnacional no país.
Responsável por examinar as políticas executadas desde 2017, ano da última avaliação, o grupo relatou que o Brasil "não tem sido capaz de manter o nível de aplicação das leis antissuborno estrangeiro que alcançou nos últimos anos", numa referência a iniciativas como a Operação Lava Jato, e precisa implementar melhorias substanciais.
As críticas trazem constrangimento ao país, que há pelo menos uma década pleiteia a entrada na OCDE. O "clube" exige de países-membros práticas sustentáveis e de boa governança.
Prescrição
A equipe identificou 60 casos de suborno estrangeiro relatados às autoridades brasileiras no período de pesquisa, mas obteve informações sobre status de investigações a respeito de 28 deles. O grupo verificou que nenhuma pessoa física foi condenada até o momento de forma definitiva por crime relacionado corrupção transacional.
No entendimento da entidade, regras prescricionais que envolvem este tipo de crime deveriam ser revistas.
O texto também defende o reforço de garantias contra o uso de medidas disciplinares como retaliação a agentes aplicadores da lei. Ele faz referência a recentes decisões do TCU (Tribunal de Contas da União) e do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) contra procuradores que participaram de investigações de corrupção no país.
Caso Odebrecht
A decisão recente do ministro do STF Dias Toffoli de proibir o uso em outros processos judiciais das provas obtidas no acordo de leniência da Odebrecht também é citada com preocupação pelo grupo de trabalho em diversas passagens do relatório, em especial por eventual impacto da medida na segurança jurídica de outros acordos.
A mesma decisão é mencionada por colocar em risco a capacidade do Brasil de fornecer e obter cooperação jurídica mútua em casos de suborno internacional, pelo fato de Toffoli ter registrado em seu despacho ter havido irregularidades na cooperação entre países. Tal fato é negado pelo Ministério Público Federal. A resolução deste caso ainda depende de decisão do plenário do STF.
Objeto de críticas por setores da advocacia e do Judiciário, o desenvolvimento de "laços informais e de cooperação" entre autoridades que investigam corrupção em seus respectivos países é mencionado no relatório da OCDE como "boa prática crucial e internacionalmente aceita para navegar com sucesso nos requisitos formais de cooperação legal mútua".
Celebrado em dezembro de 2016, o acordo de leniência da Odebrecht relatou pagamento de US$ 788 milhões em suborno a agentes públicos de 12 países. A empresa concordou em pagar cerca de US$ 2,5 bilhões em multas no Brasil.
Por meio de nota, a assessoria do STF informou na tarde de hoje (19) que o acordo de leniência da Odebrecht "continua válido e eficaz".
Viés político
A convenção da OCDE contra o suborno transnacional prevê que a condução de processos não podem ser influenciadas pela identidade dos investigados, sejam eles pessoas físicas ou empresas. Em outras palavras, vieses políticos não fazem parte do jogo.
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Quero receberO grupo de trabalho relatou a necessidade de se implementar salvaguardas para garantir que tais vieses não influenciem a aplicação da lei no país, numa referência ao episódio que revelou a ocorrência de comunicações inapropriadas entre o então juiz Sérgio Moro e o então coordenador da força-tarefa Lava Jato, Deltan Dallagnol.
O texto registrou também o aumento da percepção de falta de independência e politização do gabinete do Procurador-Geral da República nos últimos anos, durante o o governo de Jair Bolsonaro (PL), e defendeu salvaguardas para proteger a autonomia do cargo.
A indicação de um novo integrante do MPF para o cargo de Procurador-Geral da República vem sendo adiada pelo presidente Lula (PT).
Conformidade corporativa
O texto traz elogios ao país por promover ações de atenção à responsabilidade corporativa e à conformidade corporativa, entre outros tópicos.
E menciona a participação em 12 iniciativas em cooperação com outros países signatários da Convenção Antissuborno da OCDE, que resultaram em penalidades monetárias que somam US$ 9 bilhões.
"Devido ao papel integral que as autoridades brasileiras desempenharam nesses casos, como a detecção dos esquemas subjacentes e no trabalho com suas contrapartes para reunir as provas relevantes, o Brasil acabou recebendo aproximadamente US$ 5,6 bilhões do valor total", registra o grupo de trabalho.
Por outro lado, critica a ausência de uma política consistente de proteção a denunciantes de crimes de suborno transnacional. A cobrança é reiterada ano após ano pela OCDE e outras organizações internacionais, mas segue sem resposta por parte do Brasil.
Sabatina
Na última semana, representantes do governo brasileiro passaram por uma sabatina na sede da organização, em Paris, na França, para responder pessoalmente aos questionamentos de países-membros levantados por meio de pesquisas e missões internacionais realizadas nos últimos anos.
Essa foi a quarta fase de monitoramento da implementação e efetiva aplicação da Convenção Antissuborno da OCDE pelo Brasil, que assinou o acordo no fim dos anos 90, junto com outros 43 países.
Até outubro de 2025, o país deverá apresentar um relatório a respeito da implementação das recomendações da organização.
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