PM que atirou em motoqueiro desarmado vira comandante de batalhão em SP

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O balconista de farmácia Luan dos Santos, 32, viajava em fevereiro do ano passado na garupa da moto de um amigo na rodovia Anchieta, que liga São Paulo à Baixada Santista, quando uma viatura da Polícia Militar se aproximou e solicitou que eles parassem.
Luan e o amigo estavam a poucos metros de uma outra motocicleta, da marca BMW, e a polícia desconfiava que o plano da dupla era roubá-la.
Quando apoiou o braço no ombro do condutor para descer da moto, em atendimento à abordagem policial, Luan foi alvejado com um tiro da arma do major Rafael Cambuí, subcomandante do 1º Batalhão de Policiamento Rodoviário.
Ele foi levado ao hospital, mas chegou sem vida.
O motorista da moto BMW, um policial civil, voltou para ver o que havia ocorrido. Esclareceu que todos ali eram amigos, não era um assalto.
Os ocupantes das duas motos viajavam juntos para comer camarão em Santos.
Em boletim de ocorrência, o major Cambuí registrou ter entendido que a vítima, ao colocar a mão no bolso de seu moletom, sacaria uma arma.
Por causa de uma freada brusca da viatura, disse ter disparado sua arma acidentalmente.
No relato do major, após o tiro, a vítima desceu da moto, "arremessou um objeto no rio e sentou-se no chão".
Os ocupantes das duas motos disseram em depoimento que o major mentiu, pois não havia arma.
Laudo médico-legal reforçou a tese — o parecer concluiu que o tiro perfurante no pulmão e no coração tornava impossível para Luan lançar qualquer objeto no rio e ainda posicionar-se sentado no chão, no instante seguinte.
Operação Verão
A morte do jovem ocorreu duas semanas depois do assassinato de um policial militar por um criminoso em Santos.
Esse episódio motivou a Operação Verão, ação policial destinada a localizar o autor dos tiros e "restabelecer a ordem pública" na Baixada Santista.
A operação foi encerrada depois de 53 dias, em abril do ano passado, com o saldo de 56 pessoas mortas em supostos confrontos com a polícia, segundo números oficiais.
Para o MP-SP (Ministério Público de São Paulo), Luan é um deles.
Os casos também são investigados pela Polícia Civil e pela corregedoria da PM.
Após o episódio, o major Cambuí foi transferido do 1º para o 4º Batalhão de Policiamento Rodoviário, em Jundiaí. Mas pouco mudou na sua rotina, ele seguiu atuando como subcomandante, agora em uma nova unidade.
Na virada deste ano, ele foi promovido a comandante interino do batalhão.
Na última quarta-feira (29), o juiz Alexandre Betini, da Vara do Júri do Foro de Santos, recebeu denúncia do Ministério Público contra Cambuí por homicídio qualificado e determinou que ele seja afastado da "atuação operacional externa".
Solicitou também que o policial apresente sua defesa nos autos, antes da instrução do julgamento.
Cambuí é o militar de mais alta patente a ser denunciado por um crime cometido por militar no curso da Operação Verão na Baixada Santista. O MP também pede ao Judiciário que seja declarada a perda do cargo de policial de Cambuí.
O UOL perguntou à PM como é possível conciliar a restrição judicial com a atividade de comando de uma unidade policial. Perguntou também qual era a resposta do oficial à denúncia do MP-SP.
Por meio de nota, a Secretaria de Segurança Pública informou na noite desta quarta-feira (4) que o Comando de Policiamento Rodoviário tomou conhecimento da decisão judicial pela reportagem e "determinou o afastamento do oficial, que foi remanejado para funções administrativas".
A secretaria não se manifestou sobre o teor da denúncia do MP-SP.
"A PM reitera o seu compromisso com a legalidade, a transparência e a preservação da ordem pública, assegurando o cumprimento rigoroso das determinações judiciais e institucionais", registrou.
Em 2019, Cambuí candidatou-se ao cargo de prefeito de Paulínia, no interior de São Paulo, cidade cujo batalhão esteve sob seu comando por quatro anos.
O filho do ex-presidente Jair Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro (PL-SP), pediu votos para ele no palanque. O oficial ficou em quinto lugar.

No perfil público do batalhão sob seu comando, Cambuí aparece em fotos divulgando operações, homenagens a ex-policiais e até encontro com representante do MP em inspeção para fins de "controle externo da atividade policial".
As postagens trazem sempre a mesma assinatura: "Polícia Militar, rumo aos 200 anos. Vamos todos juntos. Ninguém fica para trás".
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