TCU condena Janot, Deltan e ex-chefe do MPF a pagar R$ 3,4 mi por diárias
A 2ª Câmara do Tribunal de Contas da União condenou o ex-coordenador da Operação Lava Jato Deltan Dallagnol, o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot e o ex-chefe da Procuradoria da República no Paraná José Vicente Beraldo Romão pelo pagamento considerado "desproporcional" de diárias e passagens a outros sete procuradores durante sete anos.
As contas do trio foram consideradas irregulares e eles foram condenados a indenizar os cofres públicos em mais de R$ 3,43 milhões.
Eles devem pagar R$ 2,83 milhões, em valores atualizados, pelas despesas feitas por sete procuradores, mais R$ 600 mil de multa. O trio deve dividir essa despesa igualmente, cada um tendo de pagar cerca de R$ 1,14 milhão.
Os sete procuradores que receberam os valores tiveram suas contas aprovadas com ressalvas pelo TCU e não serão alvo de punição alguma. A decisão foi tomada nesta terça-feira (9) pelos quatro ministros que compõem a 2ª Câmara.
Os condenados podem recorrer ao plenário do TCU.
Segundo o relator do processo, ministro Bruno Dantas, a condenação equivale a "ato doloso de improbidade administrativa". Na prática, isso significa que um partido pode usar esse argumento para tentar impedir Dallagnol, pré-candidato a deputado federal pelo Podemos no Paraná, de disputar eleições por considera-lo "ficha suja".
As circunstâncias que cercam tal decisão indicam uma atuação deliberada de saque aos cofres públicos para benefício privado e, portanto, revestido dos contornos estabelecidos em tese pela lei para atos dolosos de improbidade administrativa que causam lesão ao erário"
Bruno Dantas, ministro do TCU
Em nota, Deltan Dallagnol protestou contra a condenação e disse que vai recorrer. "A 2ª Câmara do TCU entra para a história como órgão que perseguiu os investigadores do maior esquema de corrupção já descoberto na história do Brasil", afirmou ele.
"O órgão se junta àqueles que, ao invés de condenar o desvio de bilhões de reais de recursos públicos, decidem condenar aqueles que se dedicaram arduamente ao combate à corrupção. Trata-se de uma absurda inversão de valores que não encontra eco na opinião pública", acrescentou no comunicado (veja mais abaixo).
Em tese, a decisão pode tirar Deltan da disputa eleitoral. Mas isso depende de vários fatores, principalmente o fato de que cabe recurso da decisão de hoje, segundo dois advogados ouvidos pelo UOL.
Segundo o ex-procurador, o provável recurso deles ao plenário do TCU vai suspender a decisão da 2ª Câmara. Além disso, caso o plenário do tribunal confirme a condenação, uma decisão judicial da Justiça comum impediria a utilização desse novo julgamento para fins eleitorais, segundo o ex-procurador.
Se essa decisão da Justiça comum for anulada, ainda seria necessário ir ao TRE (Tribunal Regional Eleitoral) pedir que a condenação de Deltan no TCU o tornasse um "ficha suja". O TRE do Paraná é que definiria se este foi um caso de equivalente a "ato doloso de improbidade", o que poderia tirar o ex-coordenador da Lava Jato da disputa por uma cadeira no Congresso.
O UOL procurou Janot, mas não obteve retorno. "O procurador da República João Vicente Beraldo Romão não vai se manifestar", informou a assessoria da Procuradoria da República no Paraná.
O vice-presidente da Unafisco, Kleber Cabral, criticou a decisão do TCU sobre diárias da Lava Jato: "A condenação de Deltan Dallagnol por causa de diárias que ele não recebeu nem mandou pagar só mostra a total inversão de valores e a falta de vergonha do sistema político. O TCU se dobrou a Bruno Dantas, a mão vingadora dos corruptos atingidos pela Lava Jato. Agora resta o STF", afirmou.
Pagamentos ocorreram a partir de 2014
Segundo o voto do ministro Bruno Dantas, os pagamentos à força-tarefa de procuradores do Ministério Público lotados em Curitiba, no Paraná, começaram em 2014 e se estenderam até 2021. Os integrantes foram escolhidos, segundo ele, de maneira pessoal, sem critérios objetivos. Eram "agentes amigos", afirmou.
Os que moravam fora de Curitiba receberam diárias e passagens aéreas. Alguns, afirmou, tinham até imóveis em Curitiba. E todos já recebiam auxílio-moradia - devido a uma decisão do Supremo Tribunal Federal que estendeu esse benefício de mais de R$ 4 mil até a quem vivia na sua própria cidade.
Os pagamentos de diárias e passagens
Procurador - Valores recebidos
1. Antonio Carlos Welter - R$ 549 mil
2. Orlando Martello - R$ 509 mil
3. Januário Paludo - R$ 405 mil
4. Carlos Fernando Lima - R$ 347 mil
5. Isabel Groba - R$ 405 mil
6. Diogo Castor - R$ 373 mil
7. Gerusa Viecili - R$ 186 mil
Total - R$ 2,7 milhões
Fonte: Relatório do ministro Bruno Dantas, do TCU
Segundo o ministro Bruno Dantas, havia soluções mais econômicas para financiar o trabalho do grupo que investigou o maior esquema de corrupção na história recente do país. Só uma empreiteira condenada, a Odebrecht, aceitou pagar mais de R$ 7 bilhões em multas no Brasil, Estados Unidos e Suíça para evitar punições ainda maiores. Segundo Deltan, foram recuperados R$ 15 bilhões em dinheiro desviado da Petrobras e outras empresas estatais e órgãos públicos brasileiros.
Bruno Dantas afirmou que, passados alguns anos, em 2016, já se sabia que a investigação era ampla e profunda. Por isso, poderiam ter adotado modelos de funcionamento da força-tarefa mais baratos. Entre as opções, estava a remoção dos procuradores para Curitiba. Outra seria criar um ofício apenas para a Lava Jato na capital paranaense. Uma terceira solução seria utilizar os Gaecos (Grupos de Atuação Especializada Contra o Crime Organizado).
No entanto, nada disso foi feito. E, para Dantas, o motivo foi a intenção deliberada de aumentar os salários dos procuradores "artificialmente".
Ex-procurador vê "recado" e perseguição
Em nota, a assessoria de Deltan afirmou que a decisão é um ato de perseguição e um "recado" a todos que investigam irregularidades cometidas por pessoas poderosas no Brasil. "Tudo isso com o objetivo de perseguir o ex-procurador Deltan Dallagnol e enviar um claro recado a todos aqueles que lutam contra a corrupção e a impunidade de poderosos."
O ex-procurador reclamou de o TCU ignorar 14 pareceres técnicos, alguns feitos por entidades de classe dos próprios procuradores, aprovando a atuação administrativa da força-tarefa da Lava Jato.
Hoje, uma das entidades, a Associação Nacional dos Procuradores da República, disse que "lamenta a decisão", motivada por "supostas irregularidades no pagamento de diárias e passagens".
"Não houve qualquer ilícito administrativo nem dano ao erário", afirmou a associação. "O entendimento prevalecente não levou em conta as manifestações técnicas e valeu-se de linguagem bastante adjetivada para atacar as funções institucionais do MPF. A ANPR manifesta preocupação com a linha adotada e espera que o TCU possa, em julgamento técnico e isento, rever a decisão."
Decisão aponta para lei da "Ficha Limpa"
Na decisão da Câmara, os ministros apontaram para a lei da Ficha Limpa. "Que o Tribunal (...) julgue irregulares as contas (...) em razão de prática de atos antieconômicos, ilegais e ilegítimos consubstanciados em condutas que, em tese, podem caracterizar atos dolosos [intencionais] de improbidade administrativa, a serem examinados em ação própria pelos órgãos competentes". A Lei da Ficha Limpa barra candidatos que condenados pelo TCU em atos dolosos de improbidade.
No entanto, é preciso que não caibam mais recursos contra essas condenações. Deltan, Janot e Romão podem recorrer ao plenário. "Sem a primeira, ele não está inelegível ainda porque cabe recurso de reconsideração", disse a advogada eleitoral Gabriella Rollemberg.
Um advogado e ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) confirmou essa avaliação. De forma reservada, o ex-magistrado disse que, se Deltan for condenado no plenário, possivelmente será barrado como candidato "ficha suja".
Gabriela entende da mesma maneira: "Configurado o dolo [intenção] com dano ao Erário, não tem argumento aí, não, de margem". "Só se ele conseguisse suspender a decisão no Judiciário", avaliou a advogada eleitoral. O TCU não é um órgão do Judiciário, mas do Poder Legislativo.
O que diz a lei
"Art. 1º São inelegíveis: (...) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição"
Lei complementar 64/1990, com as alterações feitas em 2021
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