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Wálter Maierovitch

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Tortura na ditadura: STM, com passado e sem futuro, está na hora de acabar

Sessão do STM (Superior Tribunal Militar) em Brasília - Divulgação/STM
Sessão do STM (Superior Tribunal Militar) em Brasília Imagem: Divulgação/STM

Colunista do UOL

19/04/2022 14h32Atualizada em 19/04/2022 16h48

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STM (Superior Tribunal Militar), com passado e sem futuro, está na hora de acabar.

Graças à tenacidade do advogado Fernando Fernandes e ao exame acurado de Carlos Fico, professor de História do Brasil da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), vieram a furo - em reportagem da jornalista Miriam Leitão - áudios de sessões de julgamentos do STM.

Sessões oficiais, realizadas entre 1975 e 1985, registradas em pleno regime de ditadura militar. Mais de 10 mil horas de gravações.

As revelações devem conduzir à volta do debate sobre a necessidade ou desnecessidade da Justiça Militar, que integra o Poder Judiciário.

Numa radiografia, a conclusão deste colunista é que se trata de um Tribunal com passado a abafar, como regra, a ditadura militar e com futuro a apontar pela sua desnecessidade como ramo específico do Poder Judiciário nacional.

Significativo, no particular e pelos novos áudios, o voto do então ministro-general Rodrigo Otávio. Isso com relação à condenação decorrente da cassação de mandato, por Ato Institucional (AI-5), do deputado federal Márcio Moreira Alves.

Para o referido ministro Rodrigo Otávio, não havia base jurídica para condenar a manifestação do deputado, em plenário da Câmara. E acrescentou, "mas vou deixar de lado a lei porque pela lei não se pode condená-lo de maneira alguma".

No prosseguimento da sua exposição de voto, o ministro Rodrigo Otávio ressaltou haver sido o ato de cassação contrário ao Direito.

Arrematou que votaria pela condenação como ministro de um "Tribunal de segurança e não como membro de um Tribunal de Justiça". Em outras palavras, o general togado decidiu como se estivesse numa corte de exceção (ad hoc).

Como órgão revisor de decisões de graus inferiores de jurisdição, temos o STM, com 15 ministros, sendo dez militares do serviço ativo das Forças Armadas, escolhido pelo Presidente da República, dentre os da mais alta das patentes.

No Brasil, a Justiça Militar foi implantada em 1808 e, com nome de Supremo Tribunal Militar, restou recepcionada pelo regime republicano, a partir de 1891.

Na ditadura militar, muitos ministros, diante de indicativos de tortura e flagrantes violações a direitos naturais dos seres humanos, não cumpriram os deveres do ofício.

Ou melhor, não comunicaram, como consta da lei processual, os fatos ao Ministério Publico: "quando em autos ou papéis de que conhecerem os juízes ou tribunais verificarem a existência de crime de ação pública, remeterão ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao oferecimento de denúncia" (CPP de aplicação subsidiária).

E tem mais ainda. Os ministros do STM, à época, não requisitavam, como lhes competia e diz a lei, a instauração de inquéritos para apurar a autoria e a materialidade de crimes, em face das torturas e violações às integridades física e mental de vítimas torturadas pela ditadura militar.

Soa como escapismo a manifestação da ministra Maria Elizabeth Rocha do STM, publicada na edição de hoje do jornal O Globo.

Disse a supracitada ministra que o STM reconheceu, em 1977, torturas, por decisão unânime. Não julgou os envolvidos em razão de o Ministério Público Militar nunca ter promovido uma ação penal: "o STM não podia julgar sem ação penal", frisou Elizabeth Rocha.

Até um leigo sabe o que a ministra destacou na entrevista. Só que tem um porém. Esqueceu a ministra Elizabeth Rocha de recordar algumas regras constitucionais e legais, extraídas dos princípios gerais do Direito.

Convém recordar. Os juízes estão sujeitos apenas à lei. São imparciais e independentes da autoridade do governo. Por isso, podem e devem praticar certos atos, diante de indícios de crimes. Ou seja, devem provocar o Ministério Público ou requisitar à autoridade de polícia judiciária a instauração de inquérito criminal.

Não se trata de aguardar provocação, como disse a ministra Elizabeth Rocha, em defesa do STM e dos ministros daquela época.

A supracitada ministra disse, ainda, da importância do efeito disciplinador das decisões do STM entre os militares. Ora, para isso, não há necessidade de especializar o Judiciário, com o devido respeito. E nem se colocar numa corte uma maioria de militares. No STM, dos 15 ministros, dez são militares. Vira corte corporativa.

A calar os negacionistas das torturas e desaparecimentos na ditadura, a silenciar os adeptos dos atos institucionais e dos que aplaudiram a debochada fala do vice-presidente Hamilton Mourão, defensor do torturador Brilhante Ustra, acaba de surgir mais um acervo de provas.

São provas reveladoras da já plenamente comprovada prática desumana de torturas e violências.

Na verdade, houve terrorismo de Estado, com censura e violência contra opositores que resistiram à ditadura aniquiladora da democracia e do Estado de Direito.