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Baleia Azul: chantagem de administradores é "blefe", dizem especialistas

Imagem que circula pelas redes sociais, associada ao desafio da Baleia Azul - Arte/UOL
Imagem que circula pelas redes sociais, associada ao desafio da Baleia Azul Imagem: Arte/UOL

Guilherme Azevedo

Do UOL, em São Paulo

22/04/2017 04h00

Investigações policiais em curso em pelo menos nove Estados indicam que participantes do Baleia Azul, que propõe desafios via Facebook ou WhatsApp que incluem automutilação e até o suicídio, estariam sendo chantageados pelos coordenadores (chamados de "curadores" ou "administradores") quando tentam abandonar o desafio.

A chantagem incluiria ameaças de agressões físicas a parentes, como pai e mãe. A intimidação tem sido apontada como uma das razões para que jovens prossigam no jogo mesmo à revelia, segundo a polícia.

Mas essas ameaças seriam mesmo para valer?

O UOL conversou com policiais e especialistas em crimes cibernéticos. Eles foram unânimes em afirmar que as ameaças são recursos de intimidação e persuasão, como nos golpes de suposto sequestro aplicados por telefone, e não se transformaram, nem vão se transformar, em casos concretos.

Quanto às mensagens que circulam velozmente pela internet com avisos alarmantes de possíveis ameaças relacionadas ao jogo, o melhor é avisar as autoridades antes de repassar, porque a chance de alimentar apenas boatos e disseminar o pânico é grande, dizem os especialistas.

Automutilações e suicídios suspeitos de ligação com o jogo foram notificados em diversos Estados brasileiros (São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso, Goiás, Pernambuco e Paraíba).

Investigação complexa

Ainda não se sabe quantos casos realmente estão ligados ao Baleia Azul, mas a Polícia Civil tem feito diligências nos Estados para descobrir a identidade dos responsáveis pelo recrutamento e administração dos jogos. Há suspeitas de que alguns estejam até em outros países, como os Estados Unidos, tornando-se um crime de natureza internacional. Computadores e telefones celulares de vítimas foram apreendidos e estão sendo examinados.

No caso da menina de 16 anos morta por afogamento em Vila Rica (MT), os pais relataram a possibilidade de a morte estar relacionada com o jogo. De acordo com as investigações iniciais, haveria adultos atuando na incitação ao suicídio e os envolvidos seriam da própria região da cidade, que fica a cerca de 1,2 mil km de Cuiabá, já perto da divisa com o Pará. Segundo o delegado responsável, eles podem ser acusados de homicídio.

O tenente-coronel da PM Arnaldo Sobrinho de Morais Neto, especialista em crimes cibernéticos, ressalta que a dinâmica de ambientes digitais é superior à da investigação, que precisa de autorização judicial para a quebra de sigilo de perfis no Facebook, por exemplo. "Na internet, a produção de provas se dissipa muito velozmente e não se chega a uma punição efetiva", identifica.

Em nome de investigações mais eficientes, defende um caminho entre a livre coleta e a interceptação de mensagens online pela polícia e o sigilo absoluto, garantido pela Constituição Federal.

Aqui entra a colaboração das ferramentas de comunicação online como Facebook e WhatsApp. Segundo Pablo Cerdeira, da FGV Direito Rio, o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente, lei 8.069) no artigo 4º e um artigo semelhante da Constituição Federal, o 227, responsabilizam também as empresas de tecnologia diretamente ligadas ao jogo. "Essas empresas precisam colaborar", defende.

A Polícia Civil anunciou que vai pedir a quebra de sigilos de dados para avançar no rastreamento de aliciadores.

Número alto de suicídio entre jovens vem de antes da Baleia Azul

A advogada Ana Paula Siqueira Lazzareschi de Mesquita diz que o Baleia Azul não é o primeiro jogo de desafio na internet a incentivar o suicídio, identificando outros casos desde pelo menos a rede social Orkut, agora extinta. A ONG Safernet, que combate crimes online, destaca que fóruns online e grupos em aplicativos de troca de mensagens que incentivam formas de automutilação e suicídio sempre existiram na internet. 

Isso não é de hoje. Agora é Baleia Azul, amanhã vai ser Golfinho Dourado, ou outro nome. Todo mundo precisa estar preparado porque existem outros jogos que incitam ao suicídio"

Ana Paula Siqueira Lazzareschi de Mesquita

"O número de suicídios de jovens no Brasil não é pequeno e não se sabe quanto desses suicídios é [relacionado ao] Baleia Azul", diz Cerdeira. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), “o número de suicídios frequentemente é subestimado” no mundo por estigmas, fatores políticos e sociais.

Mesmo assim, o Brasil é o oitavo país com mais número de suicídios. Em nota, o Conselho Federal de Medicina disse que há anos o suicídio é a segunda causa de morte em jovens dos 15 aos 29 anos de idade. Em mulheres, é a principal causa de mortalidade entre 15 e 19 anos.

Mortes na Rússia eram notícia falsa

Analistas acreditam que o desafio da Baleia Azul (Blue Whale, no inglês) tenha se originado de uma notícia falsa na Rússia, em 2016, de jovens que teriam se suicidado por incentivo de um jogo difundido via Vkontakte, o Facebook de lá.

Tudo indica que nasceu de um 'hoax' [boato na internet, em inglês], que, por causa da excessiva divulgação, virou um caso real"

Pablo Cerdeira, coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade, da FGV Direito Rio.

No Brasil, o Baleia Azul se difundiu recentemente entre adolescentes e jovens por meio de páginas e grupos em redes sociais, como o Facebook e o WhatsApp.

Seriam desafios com 50 etapas a ser cumpridas sequencialmente. Segundo os investigadores, os passos incluem cortes na palma da mão e no braço com navalha, para formar o desenho de uma baleia-azul, por exemplo, ou subir o mais alto possível em um telhado às 4h20. Por fim, a última etapa seria cometer o suicídio.

Chantagem é blefe

Segundo relatos, o curador/administrador fiscaliza o cumprimento de cada etapa, exigindo provas do jogador. O curador também intervém para dissuadir, no caso de tentativas de desistência, valendo-se de ameaças violentas à integridade física de pessoas próximas ao jogador. Com medo das represálias, jovens aceitam continuar, diz a polícia.

"Mas essas ameaças são, via de regra, blefes para que as pessoas permaneçam no jogo", pondera Arnaldo Sobrinho de Morais Neto, tenente-coronel do Centro Integrado de Operações da Polícia Militar da Paraíba, vinculado à secretaria estadual da Segurança e Defesa Social, e chefe do escritório brasileiro da Associação Internacional de Prevenção e Combate ao Cibercrime. "Essas ameaças nunca se concretizaram de fato, nem vão."

Não existe o menor risco físico para os pais, familiares ou professores no caso de eles [os participantes do jogo] virem a contar essa experiência ou a desistir da participação nesse jogo" Wagner Mesquita

O secretário estadual da Segurança Pública e Administração Penitenciária do Paraná, Wagner Mesquita, conta que estão investigando menores que estão com medo. "Sendo ameaçados e com medo de desistir desse jogo."

Vítimas dão detalhes para os criminosos

É que os curadores do Baleia Azul se aproveitam da suscetibilidade de adolescentes e jovens para intimidar e induzir ao suicídio, explica Lazzareschi de Mesquita, que orienta escolas a lidar e se posicionar diante de questões digitais envolvendo os alunos.

"'Eles sabem quem é meu pai, minha mãe, sabem onde eu moro, podem fazer mesmo algum mal', pensam os adolescentes", diz a advogada. "O que amedronta a vítima é a precisão da informação. E quem participa desse jogo já está sofrendo de alguma fragilidade emocional", avalia.

De acordo com a advogada, o adolescente não consegue distinguir a pura chantagem do fato e tenta resolver sozinho a questão. "A chantagem não tem limite. As palavras têm poder e o chantagista sabe usá-las muito bem."

A advogada frisa, porém, que as informações que os curadores utilizam na hora de chantagear foram na verdade compartilhadas pelo próprio participante e pelos pais dele na internet. "Estão dando informações gratuitas para sequestradores, pedófilos, assaltantes", alerta, recomendando mais cuidado.

Bala envenenada é boato

Boato baleia 2 - Reprodução/WhatsApp - Reprodução/WhatsApp
Segundo mensagem, escolas de Ponta Porã (MS) seriam alvo de ataque com balas envenenadas
Imagem: Reprodução/WhatsApp

A multiplicação de suspeitas de vítimas do desafio da Baleia Azul durante essa semana foi acompanhada da divulgação e compartilhamento nas redes sociais de uma série de mensagens com falsos alarmes relacionados ao jogo.

Em uma delas, que circulou por grupos de WhatsApp provocando pânico entre pais, um suposto menino chamado Lucas dizia ser participante do jogo e que o desafio de agora era dar balas envenenadas a 30 crianças de três escolas diferentes.

O mesmo texto circulou em mensagens diferentes, apenas com a troca dos nomes das cidades e das escolas: em uma eram escolas de Ponta Porã (MS) e em outra, de Ipanema (MG), por exemplo. Na cidade mineira, o boato exigiu até a intervenção da polícia, com o reforço da segurança nas escolas. Mas tudo não passa de boato. 

Boato baleia 1 - Reprodução/WhatsApp - Reprodução/WhatsApp
Mensagem com alerta a suposto ataque a escolas em Ipanema (MG)
Imagem: Reprodução/WhatsApp

O secretário estadual da Segurança Pública e Administração Penitenciária do Paraná, Wagner Mesquita, recomenda: "Não busquem nas ferramentas de comunicação eletrônica, por celulares ou internet, a fonte das suas orientações. Nós temos um conselho tutelar que está atuando de maneira muito correta".

O ideal é não dar imediata credibilidade e não repassar essas informações em mídias sociais sem que tenha certeza da origem dessa informação para justamente não criar uma cadeia de pânico.

 

Crimes de incitação ao suicídio, constrangimento, ameaça e até homicídio

Do ponto de vista do Direito, explica Pablo Cerdeira, da FGV Direito Rio, os curadores do Baleia Azul, no caso de maiores de idade, podem ser responsabilizados pelo crime de incitação ao suicídio, inscrito no artigo 122 do Código Penal. A pena de reclusão é de dois a seis anos, no caso de o suicídio ser de fato consumado. Ou reclusão de um a três anos, se da tentativa resultou lesão grave. Se a vítima for menor de idade, as penas são duplicadas.

Os curadores que chantageiam os jogadores poderão ser condenados também por constrangimento ilegal ou ameaça, descritos nos artigos 146 e 147 do Código Penal, diz o professor da FGV. Por constrangimento ilegal, a pena vai de três meses a um ano de detenção ou multa. Por ameaça, a detenção é de um a seis meses ou multa.

Mas, no entendimento do delegado de Vila Rica (MT), Gutemberg de Lucena Almeida, responsável pelas investigações da morte da jovem de 16 anos na cidade, a acusação poderá ser de homicídio a depender do que as investigações apontarem, mas é um possível agravante.

Pais podem ser punidos

Os pais e a sociedade como um todo também podem ser responsabilizados pelos casos ligados ao Baleia Azul. Cerdeira lembra que o ECA, que "dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente", determina, em seu artigo 4º, que "é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”. Segundo o professor, trata-se de “responsabilidade compartilhada".

Os pais de filhos que participam do jogo também podem sofrer sanção financeira, de 3 a 20 salários de referência, baseada no artigo 249 do ECA. Isso se aplica, diz o professor, no caso de ficar patente que os pais não cuidam adequadamente de seus filhos, não cumprindo sua obrigação.

Os pais de uma criança que induziu uma outra a participar do jogo ainda poderão ser obrigados a indenizar moral e materialmente os pais da outra criança. Isso se apoia em artigos do Código Civil que dizem respeito às obrigações de reparar delito (o artigo 932 trata especificamente da responsabilidade dos pais pelos atos dos filhos).

Ainda, numa situação extrema, os pais podem perder o poder familiar, isto é, a guarda dos filhos. "Mas, na prática, isso não acontece, porque afastar a criança do convívio familiar poderá ser ainda mais danoso", relativiza Pablo Cerdeira.

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