"Caso Bruno é ainda mais complexo que o caso Isabella", diz criminalista
Vestígios, quebra de sigilo telefônico, infrações de trânsito, exame de DNA. Mas nenhum corpo. Se no caso Isabella Nardoni a dúvida sobre o que provocou a morte da menina ainda permanece, mesmo após a condenação de pai e madrasta por júri popular, a morte de Eliza Samudio pode sequer chegar a ser desvendada.
O UOL Notícias teve acesso ao inquérito que investigou o desaparecimento da jovem e explica, em quadrinhos, com base em que provas o ex-goleiro do Flamengo foi acusado pelo homicídio da ex-namorada (Veja aqui).
Bruno é réu em processo penal que corre em Minas Gerais, junto com oito acusados, por homicídio triplamente qualificado (por motivo torpe, meio cruel –asfixia–, e uso de recurso que impossibilitou a defesa da vítima); cárcere privado qualificado, ocultação de cadáver e corrupção de menor.
Há provas suficientes para incriminar o goleiro Bruno?
Nesta quinta-feira (26), o goleiro participa de audiência em outro processo, na 1ª Vara Criminal de Jacarepaguá (RJ), em que é acusado de tentar fazer com que Eliza tomasse remédio abortivo, em 2009. Ela reclamava pensão alimentícia ao bebê, que dizia ser do goleiro.
Caso Bruno x Caso Isabella
“O caso Bruno é ainda mais complexo que o caso Isabella”, afirma o criminalista Leonardo Pantaleão. Entre os complicadores está justamente a ausência do corpo da vítima. “Enquanto não se encontrar o corpo, para ter a prova material do crime, permanece a dúvida. Uma condenação dessas, se ocorrer mesmo o júri popular, não será, por enquanto, embasada em prova cabal”, avalia.
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Segundo as investigações, Eliza foi rendida a caminho do apartamento de Bruno; a senha para imobilizá-la teria sido dita por Macarrão, amigo do goleiro. Em seguida, o menor dá três coronhadas em Eliza. A versão da polícia é baseada no depoimento do menor
Em sua opinião, no entanto, a ausência de corpo não significa que o conjunto de provas seja insuficiente para comprovar o envolvimento dos acusados. Assim como o inquérito que concluiu que Anna Carolina Jatobá e Alexandre Nardoni haviam jogado Isabella da janela do 6º andar do apartamento onde moravam na capital paulista, a Polícia Civil de Minas Gerais diz ter contra Bruno depoimentos de testemunhas e provas materiais que o apontam como mandante da morte da ex-namorada.
Indícios x Perícia
O júri do caso Isabella ficou conhecido como um dos divisores de água do Judiciário brasileiro. O trabalho dos peritos envolvidos nas investigações foi fundamental para que o promotor do caso montasse uma linha do tempo capaz de incluir o casal no exato momento em que a menina era arremessada. Ainda assim, há dúvida.
No caso Bruno, além de também não haver confissão, a polícia teve dificuldades para concluir o desencadear dos acontecimentos e apurar cada participação. Nele, como em qualquer processo, as provas estão divididas em dois tipos: técnicas, obtidas pela perícia, e indiciárias, aquelas que apontam que determinada ação ocorreu.
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Infrações de trânsito também ajudaram a polícia a remontar a viagem do RJ para Minas Gerais
Conduzido pelo delegado Edson Moreira, chefe do Departamento de Investigação de Homicídios e Proteção à Pessoa (DIHPP) de Minas Gerais, o inquérito não somente se embasa no que dizem testemunhas, como também traz dados das quebras de sigilo telefônico de diversos investigados, laudos e infrações de trânsito, que serviram para remontar o cenário do crime.
O que pesa contra Bruno
Entre os indícios mais fortes de que o goleiro comandou uma espécie de “operação” para matar Eliza, estão o sangue encontrado na Range Rover do goleiro, apreendida com um de seus amigos, infrações de trânsito cometidas no Rio de Janeiro e Minas Gerais, e o horário das ligações telefônicas entre todos os acusados. Por meio do cruzamento das informações, a polícia diz ter conseguido remontar o que aconteceu.
As evidências mais importantes, no entanto, são depoimentos contraditórios. As duas principais testemunhas, que foram o ponto de partida para a prisão dos demais acusados, os primos de Bruno –Sérgio Rosa Sales e o adolescente apreendido J.–, mudaram suas versões ao longo das investigações.
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O cartão de débito de Bruno foi usado em um motel em Contagem (MG), onde camareiras disseram ter visto os envolvidos junto de uma mulher e um bebê. Uma fralda foi apreendida no local pela polícia
Segundo Pantaleão, é o conjunto de evidências que determina como é feita a acusação, mas a dúvida pode vir a se refletir em um júri popular, que julga casos de crimes contra a vida. “Em situações em que não se encontra o corpo, o legislador prevê meios indiretos de prova. A testemunhal e os vestígios que levem à conclusão de que o crime foi praticado”, explica.
Um dos indícios mais contundentes contra o goleiro é o fato de o bebê de Eliza ter sido encontrado com conhecidos de Bruno. “E onde está ela, que não veio reclamar o filho? Isso gera convicção em um júri”, diz o especialista. Já outros vestígios podem vir a deixar de ser prova. “E se o exame de DNA comprova que Bruno não era o pai do filho de Eliza? Como comprovar seu real motivo para cometer o crime? Aí, o interesse dele no desaparecimento dela some. Aí, a acusação tem que comprovar que ela morreu”, complementa.
Além disso, qualificadoras para o homicídio podem sequer chegar a ser comprovadas. “No caso da asfixia, tem que ter prova técnica para embasar. Não há laudo, porque não há necropsia, porque não há corpo. Essa qualificadora fica muito prejudicada com as mudanças de depoimento do menor”, diz Pantaleão. “O mesmo serve para impossibilidade de defesa da vítima. Se o menor resolve negar tudo em depoimento, não tem prova testemunhal.”
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A mesma antena de telefonia em Vespasiano (MG) capta ligações entre Bola, o menor e Macarrão, evidências que comprovariam que eles estavam no local onde Eliza teria sido morta pelo ex-policial
As quebras de sigilo telefônico são prova técnica do local onde estavam os acusados, mas também não são evidências concretas do comportamento de cada réu. “Nesse caso, as provas indiciárias podem se transformar num meio de prova muito forte, a exemplo do caso Isabella”, diz o advogado. “Mas o que eles estavam fazendo nesse local?”
O especialista relembra o caso do advogado Mizael Bispo de Souza, acusado pela morte da ex-namorada Mércia Nakashima, em São Paulo. “No caso do Mizael, comprovaram que ele telefonou para o comparsa. Mas o que ele disse?”, questiona. O advogado responde ao processo por homicídio em liberdade. A Justiça entendeu que não há indícios suficientes para mantê-lo preso.
“Agora resta saber se esses indícios serão revestidos de convencimento. Em um júri, depoimentos ganham força, geram um reflexo nos jurados. Mas esse caso é um pouco mais difícil. No Isabella, se discutia a autoria. Agora, se discute a autoria e a materialidade. E se a Eliza aparecer?”, conclui o professor do Complexo Damásio de Jesus.
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