Colisões de aviões com aves triplicam em 10 anos, e aeroportos brasileiros apelam para fogos, falcões e até robô
Os aeroportos brasileiros têm se preocupado como nunca com as colisões entre aves e aviões. Segundo dados do Cenipa (Centro Nacional de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos), o número de acidentes do tipo vem crescendo de forma bem mais rápida que o aumento da frota e virou motivo de dor de cabeça para autoridades aeroporturárias. Em 2010, foram registradas 998 colisões –uma média de quase três batidas em aves por dia.
O número é recorde: em 2009, até então ano com maior número de casos registrados, foram 949. Se compararmos com o número de uma década antes, quando foram registradas 311 ocorrência, o número de colisões mais que triplicou em 10 anos. No mesmo período, a frota brasileira cresceu menos de 20%, saltando de 10.641 aeronaves para 12.505.
Dos quase mil choques do último ano, 24% foram registrados no motor da aeronave, 12% na fuselagem e 11% na asa. A maioria das colisões com aves acontece durante a decolagem –em 2010, elas representaram 24% do total. Já durante o pouso, o número cai para 14%.
Em 2010, o aeroporto de Viracopos, em Campinas (SP), foi o que registrou o maior número de colisões –56 no total. Os aeroportos de Brasília e de Porto Alegre vieram logo atrás, com 54 ocorrências cada um.
Proporcionalmente ao número de voos, o aeroporto com situação mais preocupante é o de Joinville (SC), com uma média de 19,3 ocorrências para cada 10 mil voos. Entre as capitais, o mais perigoso é o aeroporto de Campo Grande (MS), com média de 7,49 colisões para cada 10 mil voos.
PRINCIPAIS ALVOS
Quero-quero Urubu | Mais de metade (54%) das colisões ocorrem com aves não identificadas. Entre as identificadas, o quero-quero (13%) e o urubu (9%) são os mais atingidos |
Falcão e robôs
Para minimizar o problema, a Infraero diz que desenvolve o programa “Gestão do Perigo da Fauna Aeroportuária”, que estabelece os procedimentos básicos a serem executados dentro do sítio aeroportuário. Além disso, cada um dos 66 aeroportos administrados pela empresa tem um programa específico, de acordo com a situação especifica.
Fora isso, muitas são as táticas usadas pelos aeroportos. Em Joinville, o aeroporto Lauro Carneiro de Loyola testou durante 10 dias de setembro de 2011 o uso de um “falcão-robô”. Operado por controle remoto, ele simula o comportamento de um predador e dá voos rasantes nas proximidades do aeroporto para espantar os pássaros, especialmente o quero-quero.
Outros aeroportos, como o Galeão (RJ) e o de Navegantes (SC), também testaram a ave mecânica, mas, segundo a Infraero, o uso do equipamento ainda está em fase de teste no país e não há previsão para instalação definitiva.
Já a experiência com falcões vivos é usada com sucesso no aeroporto de Porto Alegre, onde as colisões com os quero-queros são frequentes. “O objetivo da técnica não é matar as aves, mas, sim, capturá-las a partir de um predador natural, nesse caso, o falcão. Uma vez capturadas, as aves são soltas em uma reserva com autorização do Ibama”, disse o coordenador do Departamento de Treinamento de Voo da Faculdade de Ciências Aeronáuticas da PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Rio Grande do Sul, Guido César Carim Júnior.
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Fogos de artifício
Em Teresina, a ave que mais preocupa as autoridades é o urubu. Para tentar afugentar os animais, a direção do aeroporto usa fogos de artifício. “Esse é um procedimento normal quando você tem ocorrência de aves próximas ao aeroporto. Mas é um procedimento, não é suficiente. O urubu não é burro, ele se acostuma. E ele é a ave mais preocupante, porque voa para poder observar de cima e, nessas espirais, é o que chega mais alto”, disse o coordenador regional de Meio Ambiente da Superintendência Nordeste da Infraero, Fernando Aoun.
Segundo Aoun, o trabalho realizado na capital piauiense foi considerado uma referência nacional, mas uma “afrouxada” no combate aos pássaros trouxe de volta o temor de colisões. “Desde 2003, já realizamos diversos eventos de sensibilização à população, sobre jogar lixo nas proximidades do aeroporto, o que atrai as aves para a área. Mas não é só a direção do aeroporto quem tem de agir. Nós não temos competência para atuar do lado de fora e precisamos da atuação da prefeitura e da consciência das pessoas. Recentemente houve uma afrouxada nesse processo, e o problema voltou”, afirmou.
“O Brasil tem uma dificuldade muito grande de integrar as administrações aeroportuárias e as prefeituras. Não são raros os casos em que as prefeituras autorizam abatedouros, lixões, peixarias e outros tipos de estabelecimentos que induzem a presença de aves em regiões próximas o aeroporto, e até mesmo dentro da zona de proteção aeroportuária”, completou Carim.
"Estamos no lugar errado"
As colisões de aeronaves com aves são comuns na aviação e, em alguns casos, resultam em dano à aeronave e cancelamento de voos. No final do ano passado, um avião da Azul que fazia o voo 4208, entre Salvador e Teresina, colidiu com um pássaro durante escala em Recife. Resultado: o avião precisou passar por manutenção, e os passageiros esperaram por horas para embarcar em outra aeronave.
Você sabe como funciona um aeroporto? Veja o vídeo
"Aquela foi uma ocorrência mais grave, pois resultou na paralisação da operação de uma aeronave. Mas esse problema precisa ter --e tem-- uma grande atenção, independente do tamanho do aeroporto. Uma única ocorrência pode causar a derrubada da aeronave", disse Aoun. "Nesse processo, nós é que estamos no lugar errado e o importante é aprender a conviver. A gente tem muitos problemas de limpeza urbana, e isso atrai as aves."
Para tentar avançar nos estudos sobre as aves atropeladas por aviões, um projeto tenta identificar os animais que colidem por meio do DNA. O estudo é feito em parceria entre a PUC-RS, a Infraero e as bases aéreas de Canoas e de Santa Maria.
O professor Guido Carim também aposta que o aumento no número de colisões com pássaros tem relação com o crescimento na quantidade de voos e também com o “esforço” do Cenipa para receber as notificações do caso. Segundo ele, as pessoas tendem a reportar mais ao saber que algo está sendo feito para reduzir o índice de acidentes. “Um dos fatores de aumento nesses números pode ser um aumento no número de reportes de colisões e não nas colisões propriamente ditas”, disse.
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