Trabalhadores estão entre as vítimas da onda de violência em São Paulo
Os três vizinhos mortos durante a chacina da última quarta-feira (21) em um bar do Jardim Boa Vista, zona sul da capital paulista, têm em comum histórias de pessoas trabalhadoras que tinham muitos sonhos. A mais jovem entre eles, a promotora de eventos Luciene Luzia Neves, de 24 anos, era integrante de um grupo de jovens da Igreja Católica que ajudava a recuperar ex-presidiários e viciados em drogas.
Entre os inúmeros amigos, conhecidos e familiares que participaram do enterro de Luciene hoje (23) pela manhã, no Cemitério Memorial Parque das Cerejeiras, zona sul, estava Kelly Vaz Nogueira, de 27 anos. A amiga, que trabalha como auxiliar administrativo, frequentava a mesma igreja, no bairro de Piraporinha.
Kelly tinha um motivo especial para estar presente na última homenagem à colega. Naquele mesma sala em que a amiga era velada, há um mês e meio, a auxiliar administrativo chorava a morte do seu irmão, Leonardo Vaz Nogueira, 28 anos. “É difícil estar aqui, porque aqui o Leonardo também foi enterrado e velado. Mas nós estamos aqui para nos unir, todas as famílias que perderam [pessoas] dessa forma trágica, para a gente fazer justiça”, disse.
Assim como Luciene, Leonardo foi morto a tiros por ocupantes de uma moto. Segundo a mãe do rapaz, a professora Adais Vaz Nogueira, 55 anos, ele foi executado à noite, enquanto deixava a namorada na casa dele, na zona sul da capital. “O passageiro da moto passou atirando e a moto caiu por cima dele e da namorada. Ela se levantou, eles viram. Daí eles [assassinos] voltaram, ela pediu para não atirar, mas atiraram contra ela, de raspão. Meu filho morreu no local”, disse. Leonardo trabalhava como garçom e cursava o último semestre de radiologia
O pai de Leonardo, José Luis Vaz Nogueira, 58 anos, aposentado, não se conforma com o fim trágico de Leonardo. “Meu filho era trabalhador, estudante, estava quase para se formar. Era um menino do bem. Na periferia tem trabalhadores, pessoas honestas. Não tem só vagabundo e bandido”, disse. José relatou que a rotina da família e de toda a vizinhança mudou. “Estamos atentos, com medo. Tenho outros três filhos. Quando eles saem da faculdade, eu ligo para saber se estão saindo. Não durmo enquanto eles não chegam”.
Segundo o último balanço da Secretaria de Estado de Segurança Pública, 176 pessoas foram assassinadas em outubro de 2012, um aumento de 114% em relação ao mesmo mês de 2011. A vizinhança, que antes das execuções era calma, agora está assustada.
A reportagem da Agência Brasil conversou com moradores da Rua Albino Correia de Campos, onde ocorreu a chacina. Donos de bares, que antes encerravam o expediente depois da meia-noite, dizem agora que irão fechar as portas antes das 19 horas. À noite, o medo predomina.
Para o mecânico Amaro Assunção, 62 anos, considerado por Luciene como um segundo pai, a vizinhança não será mais a mesma. A promotora de eventos ia à casa de Amaro com frequência. “Ela era uma pessoa maravilhosa, alegre, feliz, contente com tudo. Muito divertida, sincera. Uma pessoa excelente”, disse. Na última vez em que a viu, no último sábado, Luciene estava feliz. “Ela era muito carinhosa comigo”.
Outro amigo, Robson Rodrigues, 27 anos, analista de redes, lamenta a morte de Luciene antes de se casar. “Ela ia ser madrinha do meu casamento, que será em maio de 2013”. Robson participa há cinco anos do mesmo grupo de jovens que luta contra a violência com Luciene. “Lá ela não tinha uma função específica, ela se doava ao grupo”, disse. Nos encontros, os membros buscavam como principais objetivos a disseminação da paz.
Robson declarou que, após a morte da amiga que conhecia há seis anos, vai estudar direto para trabalhar na área criminal. “Quero fazer justiça em casos como esse. Eu não vou ficar indiferente a isso. Não quero me aliar à guerra, mas quero tomar consciência da paz. Eu resolvi encara essa paz de frente, sem que haja violência”.
O analista de redes tem boas recordações de Luciene. “Ela sempre foi uma pessoa muito extrovertida, muito brincalhona, muito amiga de todo mundo. Dá para perceber pelo tanto de gente que está aqui [no velório]”, disse.
A amiga Juliana Martins, 21 anos, designer, trabalhava na mesma empresa que Luciene, uma gravadora musical voltada para o público católico. No trabalho, Luciene cuidava da parte comercial e das produções de shows e eventos. “Ela era uma pessoa totalmente única, alegre, feliz, simpática, muito bem humorada. Eu acho que Justiça é uma coisa que precisa acontecer porque ela não merecia nada disso”.
No dia da morte da promotora de eventos, elas haviam passado o dia todo praticamente juntas e foram ao shopping passear, antes de Luciene voltar para casa. “Nesse dia, é impressionante dizer, mas ela estava muito feliz. Eu nunca vi a Luciene triste. Ela é o tipo de pessoa que a gente não vê chorando, reclamando da vida”, disse.
Luciene adorava ir às missas do padre Marcelo Rossi. “Íamos juntas todas as quintas-feiras”, disse a amiga administradora Talita Macedo, 25 anos. Segundo Talita, os planos para o futuro da amiga envolviam fazer curso superior. “Ela pretendia voltar a fazer faculdade, ela chegou a começar dois cursos, mas trancou”, disse.
No momento em que Luciene era sepultada, os outros dois mortos na chacina também era velados, no mesmo cemitério. Um deles, Marcos Faustino Quaresma, 31 anos, era eletricista de automóveis e tinha uma oficina mecânica. “Ele sonhava ampliar a oficina dele. Estava animado para crescer o negócio”, disse o irmão da vítima, Elias Faustino, 34 anos. “Ele era uma pessoa tranquila, não era envolvido com nada errado. Uma pessoa que trabalhava, tinha família, uma filha de sete anos”.
De acordo com o irmão, Marcos havia parado no bar para tomar uma cerveja depois do trabalho. No estabelecimento, haveria um show de música sertaneja.
O vendedor Edson Alves dos Santos, 55 anos, conhecia a outra vítima, Alexandre Figueiredo, 38 anos, desde criança. Pai de duas filhas, Alexandre estava noivo e planejava se casar em breve. Ele dividia-se entre o trabalho e os cuidados com a mãe idosa, que precisava constantemente ser levada ao médico.“Ele era fora de série. Um cara de fazia festas na sua casa, brincalhão com todo mundo. O cara era dez”, disse o amigo, emocionado.
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