Um mês após tragédia de Santa Maria (RS), pais de vítimas buscam força ajudando uns aos outros
“Se me perguntassem há alguns meses como eu reagiria se perdesse um filho, eu diria que iria enlouquecer”, disse Ogier de Vargas Rosado, 51. Há um mês, seu filho, Vinícius Montardo Rosado, 26, morreu na tragédia da boate Kiss, em Santa Maria (RS). Outras 238 pessoas também perderam a vida no incêndio.
Ogier não enlouqueceu. Pelo contrário, o drama pessoal o deixou ainda mais lúcido. Tampouco parecia estar desesperado. O pai precisou aprender a juntar forças para conseguir passar pelo momento mais triste de sua vida.
Os personagens da tragédia
Os donos |
Mauro Hoffmann, 47, e Elissandro Spohr, o Kiko, 29, são os donos da casa noturna Kiss, onde aconteceu o incêndio que matou até agora 237 pessoas no dia 27 de janeiro. Eles são suspeitos de manter a boate sem plano contra incêndio adequado, com saídas de emergência insuficientes e equipamento, como extintores, defasados. Também é possível que o local estivesse superlotado. Ambos estão presos |
A banda |
A Gurizada Fandangueira se apresentava na boate na hora da tragédia. A suspeita para o início do incêndio é o uso de um sinalizador, inapropriado para um show fechado, durante a apresentação. A banda diz que sempre utilizou esse tipo de pirotecnia e alegam pane elétrica como causadora do fogo. O vocalista, Marcelo Santos, e o produtor Luciano Bonilha Leão estão presos. O gaiteiro Danilo Jaques, 30, morreu no incêndio |
O delegado |
O delegado regional Marcelo Arigony chefia a investigação. Ele, que também é professor de direito e perdeu alunos e uma prima de 18 anos na tragédia, já afirmou que a espuma usada como isolamento acústico na boate foi a grande vilã do incêndio e que a casa havia feito reformas "ao arrepio de qualquer fiscalização, por conta e risco dos proprietários" |
Responsável pelo primeiro alvará |
O então major Daniel da Silva Adriano, do Corpo de Bombeiros, assinou, em 2009, o alvará de prevenção e proteção contra incêndio da boate, válido por um ano. Foi esse documento que permitiu a abertura da casa |
Responsável pela renovação do alvará |
O capitão Alex da Rocha Camillo assinou a renovação do documento, em 2011. Segundo o registro, o local "foi inspecionado e aprovado, de acordo com a legislação vigente" |
O prefeito |
Cezar Schirmer (PMDB) foi reeleito prefeito de Santa Maria em 2012. O político vive um embate com o governo estadual, do petista Tarso Genro, responsável pelos bombeiros. O prefeito afirma que a prefeitura local não tem culpa pela tragédia e a aponta os bombeiros como responsáveis pela falta de fiscalização do sistema de combate a incêndios |
Já no velório, Ogier começou a se dar conta que seu filho havia morrido tentando ajudar amigos a sair da boate. Saber que o jovem pensou no bem de outras pessoas durante um incêndio tão devastador ajudou o pai a aceitar a morte de Vinícius.
“Se ele tivesse sobrevivido, o corpo dele estaria conosco, mas acho que a alma ficaria na boate”, afirmou Ogier.
Conversar com outros pais de vítimas também auxiliou Ogier. Diante de famílias que perderam dois ou três filhos, ele se deu conta de que sua tragédia, por mais gigantesca que fosse, poderia ter sido ainda pior. Sua filha, Jéssica, 24, também estava na Kiss durante o incêndio, mas conseguiu se salvar.
Compartilhar a dor e, até mesmo, auxiliar quem está tendo dificuldade em lidar com a perda de um filho levou Ogier a colaborar com a recém-criada Associação dos Pais e Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia em Santa Maria. Eleito diretor de Comunicação, ele trabalha para evitar que a história se repita.
“Estamos curando nossa dor, ajudando os outros. Os estudantes vão continuar querendo se divertir em Santa Maria. Preciso lutar para que essa diversão ocorra com total segurança”, disse.
História muito parecida tem o presidente da entidade, Adherbal Alves Ferreira, 48, que perdeu a filha, Jennefer Mendes Ferreira, 22, no incêndio.
Adherbal ficou arrasado. Sua vida parecia acabada em casa, já que a falta que sentia da sua filha era gigante e também no trabalho, já que a jovem era a gerente da loja da família.
No entanto, no sétimo dia após a tragédia, Adherbal decidiu reagir. No meio de uma missa em homenagem às vítimas, pediu o microfone para o padre e, em suas próprias palavras, “abraçou os outros pais usando o som”. Também sugeriu a criação de uma associação. No último sábado (23), foi eleito presidente da organização .
“Nunca fui membro de nada. Jamais achei que teria um cargo assim”, disse. Adherbal só aceitou assumir a associação porque viu, nas reuniões, que os outros pais estavam se sentindo bem naquele ambiente.
Ele decidiu, então, assumir essa missão como a coisa mais importante a se fazer de agora em diante. Além de ajudar os outros pais e buscar justiça --o que para ele é totalmente diferente de vingança--, quer, de alguma maneira, humanizar mais as pessoas.
Essa é a sua maneira de buscar forças para superar a dor. Claro que momentos de choro e sofrimento, após apenas um mês, ainda surgem. Todos os dias, antes de dormir, Adherbal espera que consiga sonhar com a filha.
“Quero sonhar com ela todos os dias”, disse. “Para aliviar a saudade, passo um tempão no quarto dela. Virou meu santuário. Vou ali e rezo bastante.”
Há poucos dias, encontrou dentro de uma Bíblia uma lista, escrita por Jennefer, com tudo aquilo que já havia alcançado na vida.
Para cada item, a jovem fez um agradecimento a Deus. Ao ver aquilo, Adherbal sentiu que sua filha estava preparada para morrer em paz. “Aquilo me deu certo alívio. Acho que ela está bem”, desabafou.
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