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"Os adolescentes não são vilões", diz funcionário agredido em abrigo para jovens infratores

Paula Daibert

Do UOL, no Rio

15/06/2013 06h00

Com experiência de 15 anos e passagem por todas as unidades de internação para adolescentes infratores no Estado do Rio de Janeiro, um funcionário seriamente ferido por adolescentes durante uma rebelião em 2000 relata a rotina de constantes confrontos entre agentes e internos, mas ressalta o fato de que os menores de idade “não são vilões na história”.

Vagas em abrigos para menores infratores no RJ

Cense-GCA (Centro de Socioeducação Gelso de Carvalho Amaral)64 vagas
Centro de Socioeducação Dom Bosco233 vagas
EJLA (Escola João Luiz Alves)133 vagas
Centro de Socioeducação Professor Antonio Carlos Gomes da Costa44 vagas
ESE (Educandário Santo Expedito)232 vagas
CAI-Baixada (Centro de Atendimento Intensivo Belford Roxo)143 vagas
Centro de Socioeducação Professora Marlene Henrique Alves (Campos dos Goytacazes)80 vagas
Centro de Internação de Tratamento de Uso e Abuso de Drogas15 vagas
  • Fonte: Secretaria Estadua de Educação do Rio de Janeiro

“Alguém gosta de ser aprisionado contra sua vontade, com pessoas em quem você não confia? Isso é o Degase [Departamento Geral de Ações Socioeducativas]. Eles não gostam, claro, não respondem com boa vontade e querem fugir”, contou ao UOL o funcionário, que pediu para não ser identificado. “Então temos os problemas de intimidação, medo, agressividade, hostilidade. Os funcionários e os adolescentes obviamente não são amigos, pela essência da situação.”

Ele diz ainda que o Estado não apoia juridicamente os servidores agredidos dentro do sistema socioeducativo para jovens infratores e paga salários equivalentes à metade do que recebe um agente penitenciário, apesar de as funções serem similares.

UOL: Você já foi agredido em seu trabalho?
Funcionário do Degase:
Fui refém em uma rebelião em 2000, no Educandário Santo Expedito (Bangu), e recebi 18 estocadas. O estoque é uma faca artesanal feita com a ferragem que os adolescentes arrancam da unidade. Fiquei muito machucado na coluna, mas estava em estágio probatório na época. Se você abre uma licença médica nesse período, é imediatamente desligado do sistema. Então tive que continuar trabalhando, mesmo fazendo tratamento médico. Passei por uma cirurgia para reconstruir um disco de cartilagem entre duas vértebras, mas ainda tenho dores.

Que medidas foram tomadas?
O Degase ignorou, eu recorri ao advogado do sindicato. O advogado do Degase não trata desse tipo de problema, não socorre juridicamente seus funcionários que são agredidos. Vários passaram pela mesma situação que eu, ou ainda pior. O Juan Pogian (assassinado em Bangu no dia 9 de abril) foi fuzilado com 40 tiros, estava voltando para casa de moto e foi pego. É traumatizante.

E qual é a situação do agente Maxwell Vaz Rocha, agredido por adolescentes numa tentativa de fuga da Escola João Luiz Alves no dia 5 de maio?
Ele levou socos, foi rendido, bateram nele com um extintor de incêndio. Agora está com vários hematomas pelo corpo e o risco de perder a visão em um dos olhos. A situação dele é a mesma da minha em 2000, está em estágio probatório, não pode abrir licença médica. 

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  • http://noticias.uol.com.br/enquetes/2013/04/11/voce-concorda-com-penas-mais-rigidas-para-adolescentes-infratores.js

Como são as condições de trabalho no Degase?
Até papel e caneta para escrever você tem que trazer. Não há servidores suficientes para a quantidade de internos, tanto que é previsto um quadro de funcionários maior. Sempre recebemos novas contratações de concursos públicos, mas as condições de trabalho são tão ruins que as pessoas que entram, saem. Nosso salário foi desvinculado da nossa função. Quando o Degase saiu da antiga secretaria de Justiça e Interior e passou para a secretaria de Educação, não recebemos reajustes. Hoje eu ganho a metade do que ganha um agente penitenciário. Antes do governo de Sérgio Cabral [governador do Rio de Janeiro] era igual, porque as funções são similares.

Como é a relação entre agentes e adolescentes?
Você não precisa ser violento para ser odiado. Mas os adolescentes não são vilões na história. Alguém gosta de ser aprisionado contra sua vontade, com pessoas em quem você não confia? Isso é o Degase. Eles não gostam, claro, não respondem com boa vontade e querem fugir. Então temos os problemas de intimidação, medo, agressividade, hostilidade. Os funcionários e os adolescentes obviamente não são amigos, pela essência da situação. E o sistema mistura tudo: grau de infração, idade, adolescentes pequenos com grandes, homossexuais, jovens com problemas psiquiátricos, são todos internados juntos.

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O subdiretor do Degase afirma que o sistema trabalha em sua capacidade limite. Na sua opinião, a superlotação é um problema?
Sim, a nova unidade de internação em Campos, por exemplo, já foi inaugurada [em maio] com suas vagas comprometidas. A Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente também está acima da sua capacidade, os juízes das Varas de Infância e Juventude não têm mais agenda, as audiências estão se encavalando. A unidade de triagem, por exemplo, recebe adolescentes de todos os municípios que tenham cometido qualquer ato infracional, desde fumar maconha na escola, trabalhar para o tráfico até matar a avó. É uma unidade concentradora, mas não tem escola, só atendimento médico, psicológico e odontológico. Nós já tivemos um adolescente que chegou num estado tão lastimável que, quando assinamos o recebimento dele para chamar o médico, já tinha morrido.

Qual é a situação do Centro Socioeducativo Dom Bosco, inaugurado em 2012 para substituir o Instituto Padre Severino, fechado por denúncias de péssimas condições?
Algumas partes foram reformadas, mas a estrutura é a mesma. O Instituto Padre Severino foi desativado por ordem do Ministério Público --se dependesse do Estado, ainda estava funcionando. Mas ainda há internos que estão no antigo Padre Severino. No Educandário Santo Expedito, em Bangu, também tem lugares sem reformar. Com o que é bom você tenta faturar, o que é ruim você esconde.