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Testemunha diz que Anac usou documento sem validade sobre segurança em Congonhas

Aparecida Bertoldi, que perdeu a filha Priscila no acidente da TAM, em julho de 2007, exibe foto da jovem durante ato de familiares de vitimas do acidente em frente ao Fórum Ministro Jarbas Nobre, em São Paulo - Nelson Antoine/Fotoarena/Estadão Conteúdo
Aparecida Bertoldi, que perdeu a filha Priscila no acidente da TAM, em julho de 2007, exibe foto da jovem durante ato de familiares de vitimas do acidente em frente ao Fórum Ministro Jarbas Nobre, em São Paulo Imagem: Nelson Antoine/Fotoarena/Estadão Conteúdo

Gil Alessi

Do UOL, em São Paulo

07/08/2013 16h05

A desembargadora Cecília Marcondes, primeira testemunha de acusação a depor no julgamento dos três réus acusados de atentado contra a segurança aérea no caso do acidente com o voo JJ 3054 da TAM, que matou 199 pessoas no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, no dia 17 de julho de 2007, afirmou que a Anac encaminhou um estudo interno, sem validade de norma, como se fosse um certificado internacional que atestava a segurança na pista de Congonhas.

No dia 15 de fevereiro de 2007, Cecília, então desembargadora da República, solicitou à agência uma tabela com distância de pistas e pesos máximos de aeronaves para pousarem no aeroporto de Congonhas. Seis dias depois, a Anac apresentou o documento que determinava o parâmetro de segurança para o pouso no local.

Posteriormente descobriu-se que eram estudos internos sem validade de norma. “Como era um caso técnico, fiz questão de destacar no meu parecer que a Anac era a responsável pela veracidade dos documentos”, disse Cecília, em seu depoimento. 

O advogado Roberto Podval, que representa a ré Denise de Abreu, questionou Cecília sobre o escopo do documento, que limitava aterrissagens de apenas três tipos de aeronaves – Fokker 100 e dois modelos Boeing. Segundo o advogado, a aeronave que se se acidentou era um Airbus. 

Relembre o caso

  • Arte/UOL

    Infográfico mostra como ocorreu o acidente do voo JJ-3054 da TAM

O julgamento começou nesta quarta-feira (7), em São Paulo. Pela primeira vez na história dos desastres aéreos no país, ex-diretores de companhias aéreas serão levados ao tribunal. Marco Aurélio dos Santos de Miranda e Castro, à época diretor de Segurança de Voo da TAM, Alberto Fajerman, que era vice-presidente de Operações da TAM, e Denise Maria Ayres Abreu, então diretora da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), podem ser condenados a até seis anos de prisão.

Na primeira etapa do julgamento, que acontece nos dias 7 e 8, serão ouvidas as testemunhas de acusação arroladas pelo Ministério Público Federal. São elas: ex-diretores da Anac, uma desembargadora e pilotos.  

De acordo com o Ministério Público Federal, Castro e Fajerman "não providenciaram o redirecionamento necessário das aeronaves para outro aeroporto, mesmo após inúmeros avisos de que a pista principal do aeroporto estaria escorregadia, especialmente em dias de chuva".

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Veja as etapas do julgamento

7 e 8 de agostoSerão ouvidas seis testemunhas da acusação
11 e 12 de novembroSerão ouvidas seis testemunhas da defesa
3,9 e 10 de dezembroSerão ouvidas 15 testemunhas da defesa
Sem dataOitiva dos réus 
  • Fonte: Justiça Federal

Já Denise teria liberado a pista de Congonhas sem que o serviço de grooving (ranhuras que facilitam a frenagem das aeronaves) fosse executado.

Julgamento sem precedentes

Para Décio Corrêa, piloto e presidente Associação Brasileira das Entidades de Formação Aeronáutica, no entanto, é difícil estabelecer a culpa da cúpula no acidente.

“É inédito. Não me lembro de nenhum caso no país em que um executivo de aviação seja julgado. Isso porque, no meu entendimento, a autoridade deles para exatamente na porta do avião”, afirma. 

Para Côrrea, apenas indícios de "compra de peças sucateadas, manutenção negligente e utilização de ferramentas descalibradas" poderiam levar à condenação dos diretores. "Isso seria uma gestão criminosa do avião, mas parece que não foi o caso."

Por outro lado, Priscila Dower Mendizabal, presidente da comissão de Direito Aeronáutico da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil – São Paulo), destaca a importância de que a culpa não recaia apenas sobre os pilotos e controladores, como costuma acontecer.

“Um acidente nunca é culpa de apenas um fator: são várias as causas. É preciso que se analise a cadeia de fatores contribuintes. O piloto é apenas a ponta da situação”, diz. “Ninguém sabe quais as condições que ele enfrenta. É fácil para criticá-lo. Mas e sua fadiga? A escala de trabalho permitiu que ele estivesse descansado? Ele conseguiu dormir antes do voo?”

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Priscila diz que se trata de um caso sem precedente, tanto aqui quanto no exterior, mas que pode ter um resultado contra-producente. "A condenação de diretores ou pilotos apresenta um problema, porque inibe futuras investigações. Se eu sou piloto e sei que serei punido, a tendência é que não colabore."

Já Luiz Roberto Stamatis de Arruda Sampaio, advogado que já representou mais de 20 familiares de vítimas de acidentes aéreos –incluindo os dois da TAM, em 1996 e 2007, e o da Air France, em 2009– defende que o julgamento de diretores é, no mínimo, "salutar", já que "as autoridades e executivos das aéreas muitas vezes concorrem decididamente para os acidentes”.

“Nos casos anteriores, ninguém era sequer denunciado. Muitas vezes os envolvidos acabavam procurando jogar a culpa nas costas do piloto morto, e tudo acabava em pizza”, afirma.

O problema, ressalta Cláudio Jorge Pinto Alves, professor titular do departamento de Transporte Aéreo do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), é a necessidade de apontar culpados. "Eu sinto que houve uma politização do acidente", afirma. "A investigação nunca deve ser voltada para a punição. O objetivo deve ser descobrir o que provocou a tragédia para poder prevenir futuros casos. A punição dos réus não colabora para tornar a aviação civil mais segura, pelo contrário, provoca medo e contribui para que futuras investigações fiquem ‘emperradas’.”

Defesa

Segundo Roberto Podval, advogado de Denise, o julgamento é "absolutamente ilógico" e a ré está sendo usada de "bode expiatório".

"Não me parece razoável que uma única diretora da Anac seja responsável pela queda do avião. As perícias indicam que houve falha dos pilotos”, diz.

Para Paola Zanelato, advogada de Fajerman e Castro, “nenhuma das condutas atribuídas" aos clientes aconteceram por atos deles.