Polícia não nos protege, afirma neta de ex-presa política morta na ditadura
Cândida Guariba, 22, recorda com detalhes do dia que sofreu repressão por parte da Polícia Militar por estar protestando, assim como aconteceu há mais de quatro décadas com sua avó, uma ex-presa política desaparecida durante a ditadura. Era junho de 2013, em meio a uma onda de manifestações pela redução do preço da tarifa do transporte público. O palco foi a praça da Sé, na área central de São Paulo.
“A manifestação já tinha acabado. De repente, foi uma chuva de gás lacrimogêneo. A gente corria no meio da praça, e caíam bombas para todos os lados, na minha frente. Eu não parava de correr, e as bombas caiam por cima de mim”, lembra.
Não foi a primeira vez que a jovem viu a Polícia Militar reprimir protestos. Em vários atos que participou, diz ter visto colegas sendo alvos de agressão e até presos. Felizmente, ela nunca passou por isso. “Já cheguei a ficar encurralada, com balas de borracha passando bem perto de mim. Se não tivesse corrido muito, certamente eu teria sido atingida”, fala.
“[A PM] que está aí atira para matar. Ela não está nos defendo; ela está servindo a outros interesses”, critica a estudante de história, que enxerga “continuidade” entre a polícia da época da ditadura e os dias de hoje.
Sua avó, Heleny Guariba, era diretora de teatro na periferia de Santo André, no ABC paulista, e fez parte da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária). No começo da década de 70, após entrar para a luta armada contra o regime ditatorial, ela foi presa, torturada e ficou presa. Cândida conta que a avó chegou a ser libertada, mas continuou sendo vigiada e, pouco tempo depois, desapareceu.
Fruto da ditadura
“A violência policial de hoje é fruto da ditadura”. A opinião é do jornalista e membro da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo Ivan Seixas, 59, que foi preso aos 16 anos, junto com seu pai, por criticar o governo militar. Eles faziam parte do MRT (Movimento Revolucionário Tiradentes).
Sua mãe e duas irmãs também foram detidas. Ele foi torturado e ficou preso durante cerca de seis anos. Seu pai morreu durante uma sessão de tortura no DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna), em São Paulo.
“Meu pai foi assassinado aqui [no antigo DOI-Codi], e a justificativa que foi dada é que ele travou um tiroteio e morreu a caminho do hospital. É a mesma coisa que a Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) faz com as pessoas da periferia, morre sempre a caminho do hospital, após um tiroteio com as forças policiais”, ironiza.
Na opinião do jornalista, a atuação da polícia na época da ditadura militar e nos dias de hoje guardam semelhanças porque “a ditadura ainda está na cabeça dos governantes e principalmente das polícias”. “Temos de desconstruir a ditadura que há na cabeça dessas pessoas, das polícias, do Exército, da Marinha e da Aeronáutica”.
Dor e humilhação
Terça-feira, 11 de junho do ano passado. O jornalista Pedro Nogueira, 28, foi designado pelo portal de educação Aprendiz para fazer a cobertura de um protesto no centro de São Paulo, contra o aumento do preço das passagens de ônibus, trem e metrô.
“Eu estava tentando sair daquela loucura [local do protesto] quando fui espancado, linchado por sete homens armados. Fui agredido, rendido, bateram na minha cabeça, me jogaram num cárcere sujo e fedido por três dias”, relata. Um morador da região filmou o momento da agressão.
A explicação dada pelos policiais para a sua prisão, segundo Pedro, foi desacato à autoridade e resistência à prisão, mas ele acabou sendo indiciado por dano ao patrimônio público e formação de quadrilha.
“Senti dor, humilhação, sentimento de impotência por sofrer uma violência grande. Foi horrível”, define. Pedro conta que passou dois meses sem poder sair de casa à noite e aos fins de semana, como medida cautelar. E depois do que aconteceu não cobriu mais manifestações por medo. “Foi uma grande violência”, desabafa.
“O sistema político mudou [da ditadura para a democracia], mas a violência continua. Incomoda ver que tanta coisa, como prisão arbitrária e ocultação de cadáver, continuam acontecendo em níveis alarmantes no Brasil”, avalia.
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