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Quadrilha de PMs cobrava propina até para entregar geladeira no Rio, diz MP

O coronel Alexandre Fontenelle Ribeiro (ao centro), o terceiro homem na hierarquia da Polícia Militar, é uma das 20 pessoas que foram presas - Pablo Jacob/ Agencia O Globo
O coronel Alexandre Fontenelle Ribeiro (ao centro), o terceiro homem na hierarquia da Polícia Militar, é uma das 20 pessoas que foram presas Imagem: Pablo Jacob/ Agencia O Globo

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

15/09/2014 12h26Atualizada em 15/09/2014 16h31

A quadrilha liderada por policiais militares do alto escalão do batalhão de Bangu (14º BPM), bairro da zona oeste do Rio de Janeiro, é acusada de cobrar propina "até para uma simples entrega de geladeira", afirmou nesta segunda-feira (15) o promotor do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) Cláudio Calo. Até o momento, 22 PMs foram presos por envolvimento com o grupo criminoso.

Calo afirmou que a ação da quadrilha indica a existência de uma "corrupção institucionalizada" na Polícia Militar, já que envolve todo o Estado-Maior do 14º Batalhão. O ex-comandante do batalhão e atual chefe do COE (Comando de Operações Especiais) Alexandre Fontenelle Ribeiro, terceiro homem na hierarquia da corporação, é acusado de ser o líder do grupo. Ele foi capturado em sua residência nesta manhã.

De acordo com a investigação, os policiais cobravam taxas para facilitar ou não reprimir diversos tipos de serviço, sendo a maioria associada ao transporte de passageiros e de carga. Para liberar um mototaxista sem carteira de habilitação, por exemplo, os PMs exigiam pequenas quantias. Já para liberar entregas de eletrodomésticos, móveis, entre outros produtos, a propina podia chegar até a R$ 2.000.

Calo informou ainda que o total do faturamento dos criminosos ainda está sendo calculado. Durante a operação, os agentes apreenderam quantias de R$ 287 mil e R$ 33 mil, respectivamente, nas residências de dois dos policiais presos. Foram expedidos pela Justiça 25 mandados de prisão. Três pessoas são consideradas foragidas, sendo dois PMs e um civil. Os militares terão que se apresentar em sete dias sob pena de deserção.

O secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, também falou sobre a operação. "A gente trabalha externamente, mas internamente também. As coisas aqui não param. A gente tem mais investigações dessa natureza para serem feitas", afirmou Beltrame. "Temos mais investigações de milícias, de UPP, de tráfico. Não há um calendário de investigações. As investigações ficam prontas e elas acontecem."

Calo explicou que a quadrilha se organizava como uma empresa de sociedade anônima. Cada policial tinha uma atribuição definida previamente: desde as equipes de policiamento ostensivo (que faziam a arrecadação nas ruas) até oficiais do comando do batalhão, responsáveis pela distribuição do dinheiro.

"As equipes de policiamento ostensivo tinham a função de arrecadar a verba e repassar para a administração [da quadrilha]. Era uma verdadeira holding criminosa militar”, disse o promotor. "Alguns praças do batalhão de Irajá forneciam propinas arrecadadas para integrantes do 14º BPM, o que demonstra uma institucionalização da corrupção e não algo isolado", completou.

Quadrilha atuava em outro batalhão

De acordo com o Ministério Público, ao assumir o comando do 14º BPM (Bangu), o coronel Fontenelle providenciou a transferência de quatro oficiais que estavam sob seu comando no 41º BPM (Irajá): os majores Carlos Alexandre de Jesus Lucas, Nilton João dos Prazeres Neto, Edson Alexandre Pinto de Góes e o capitão Walter Colchone Netto.

O promotor Cláudio Calo explicou que o mesmo grupo já ordenava a cobrança de propina em localidades de Irajá. Com a troca de comando, argumentou Calo, Fontenelle preocupou-se em manter a configuração funcional do grupo a fim de perpetuar o esquema, dessa vez em Bangu.

"O comandante era responsável por nomear e manter no seu Estado-maior, em posições estratégicas do batalhão, essas pessoas que ele trouxe do 41º BPM. À época do 41º BPM, esses policiais já cometiam os mesmos crimes. Isso demonstra que a corrupção está institucionalizada", declarou Calo.

Segundo o subsecretário de Inteligência da Seseg (Secretaria de Estado de Segurança Pública do Rio), Fábio Galvão, o major Góes --que ocupava o cargo de coordenador de operações-- era o "grande articulador da propina no batalhão". Em sua casa, foram apreendidos R$ 287 mil na manhã desta segunda-feira (15). Segundo os investigadores, ele era um dos oficiais que tinha a incumbência de distribuir o dinheiro.

Outro oficial que se destacava na quadrilha era o capitão Colchone, que tem grande amizade com Fontenelle. Prova disso, argumenta o Ministério Público, é que Colchone foi levado para o COE Comando de Operações Especiais mesmo depois de ser preso e liberado por conta de um suposto envolvimento com a máfia dos caça-níqueis.

"Em vez de ir para a geladeira, que é o que acontece com o policial quando este responde a um processo, ele foi para uma unidade importante da PM por ordem do Fontenelle. Há uma forte amizade entre eles. É um fato que nos ajudou a elucidar a formação de quadrilha", explicou Calo.

A investigação mostrou também que Fontenelle e seus subordinados se preocupavam com a possibilidade de uma eventual discórdia entre os policiais do segundo escalão da quadrilha. Por esse motivo, o grupo providenciava o pagamento de propina em domicílio para um dos PMs presos nesta quarta. O acusado obteve licença total de serviço após ser atropelado, mas não deixou de receber a propina. "Os responsáveis pela arrecadação iam até a casa dele para fazer o pagamento", resumiu Calo.

Formação de quadrilha armada e concussão

A investigação de contra-inteligência durou cerca de 12 meses, e todos os crimes ocorreram entre o segundo semestre de 2012 e o fim do ano passado. Além do material apreendido hoje (dinheiro, documentos, extratos bancários, entre outros), o MP apresentará à Justiça elementos probatórios como interceptações telefônicas, escutas e depoimentos de vítimas. O material não foi divulgado para não comprometer o andamento do processo.

Os denunciados responderão pelos crimes de formação de quadrilha armada e por cada um dos crimes de concussão (extorsão cometido por servidor público) previstos na Justiça Militar. Além disso, o MP solicitará à Corregedoria da Polícia Militar a abertura de uma sindicância para verificar a evolução patrimonial e a movimentação financeira dos réus. Se forem constatadas irregularidades, o Gaeco deve denunciar os PMs também por lavagem de dinheiro.

Na denúncia, o Ministério Público também pediu ainda reparação por danos materiais e morais. “Morais, em respeito à Polícia Militar, porque a imagem do Estado do Rio de Janeiro foi afetada”, finalizou Calo. (Com Agência Brasil)