Florianópolis tomba campo de aviação para criar parque inspirado em Exupéry
A Prefeitura de Florianópolis tombou um antigo campo de aviação na praia do Campeche, em Santa Catarina, para construir um parque inspirado no escritor francês Antoine de Saint-Exupéry, autor do livro “O Pequeno Príncipe”. Na década de 1930, como um dos pioneiros da aviação e antes da fama literária, ele fez escalas várias vezes na praia, onde se tornou conhecido pelos pescadores como “Zé Perri”.
A área equivale a 20 campos de futebol. Fica a 500 metros de um mar superlimpo, num dos pontos mais valorizados da capital catarinense, cercada por condomínios de luxo e pela antiga vila de pescadores.
O terreno foi comprado em 1927 pela companhia aérea francesa Latécoère, onde foi construído gramado com mudas trazidas da França. A pista servia de escala para voos dos correios na rota da Europa para Buenos Aires. Exupéry era um dos pilotos da companhia.
A passagem de Exupéry é cultuada pelos moradores. O velho casarão que abrigou a administração da Latécoère foi preservado. Hoje, abriga a subprefeitura, um lava-carros e um clube de idosos. Uma placa na parede indica o quarto onde o escritor teria dormido durante suas paradas no aeroporto. O velho hangar foi demolido e virou uma escola municipal.
Toda a mística do local gira em torno das visitas de Exupéry. Não há fotos dele no Campeche, apenas relatos de pescadores. A biografia oficial do francês não registra suas passagens por Santa Catarina naqueles anos 1930. Exupéry só alcançou fama universal nos anos 1940, depois da publicação do "Pequeno Príncipe": é o terceiro livro mais vendido do mundo, com 146 milhões de cópias em 250 idiomas.
O pessoal da Latécoère escolheu mal o lugar. Os ventos fortes tornavam difíceis os voos na região. O aeroporto foi encampado pela União em 1943 e transferido para onde hoje está o Hercílio Luz. A Latécoère virou Aéropostale e agora é a Air France.
O guardião da memória de Exupéry no local é o tenente reformado da Aeronáutica Getúlio Manoel Inácio, 63, filho do lendário Deca, pescador que teria sido amigo do escritor.
O pai contava que pescava corvinas com ele, nos costões do sul da ilha de Santa Catarina. Celebrizado pela amizade, Deca deixou registrado que “nós comemos muita corvina ensopada, com biju” --uma rosca de farinha de mandioca feita no engenho da família.
O escritor teve tempo de participar do casamento de Deca com dona Chica e até assistir ao nascimento de alguns dos filhos do pescador -- foram 21, que lhe renderam 103 netos e 68 bisnetos, conta feita pela revista "Veja" em março de 1991. De lá para cá, a família parou de contar os descendentes.
Exupéry desapareceu no mar durante uma missão de reconhecimento sobre o Atlântico, em 1944, quase ao final da Segunda Guerra. O avião, sem o corpo, foi encontrado em 2004. Já Deca morreu de causas naturais, aos 83 anos, em 1994.
Foi Deca quem transformou Exupéry em “Zé Perri”. Uma sobrinha-neta do francês visitou Florianópolis depois da morte de Deca e as duas famílias trocaram homenagens.
Inácio tem um armário cheio lembranças daqueles tempos, entre fotos, documentos e até peças de um motor de avião. Entre elas, um disco em vinil com a voz do escritor.
Exupéry nunca escreveu sobre a capital catarinense. Suas obras "Correio do Sul" e "Voo Noturno" relatam experiências como piloto na África. "O Pequeno Príncipe" é dedicado a um amigo francês.
Os moradores querem dedicar seu novo parque a Exupéry, embora a prefeitura, nos ofícios, chame o lugar de Pacuca, sigla derivada de Parque Cultural do Campeche.
Getúlio Inácio reclama que a área tombada “poderia ser maior, porque o local tem 300 mil, conseguiram dar uma encurtada nele”. O espaço atual tem 114 mil m². As bordas do parque foram invadidas, os córregos drenados, mas os moradores sempre mantiveram vigília sobre o velho aeroporto, até o tombamento.
A grama dos franceses se revelou ótima para futebol. Por décadas, o lugar foi um "point" de peladeiros de final de semana. Durante a ditadura militar (1964-1985), os sentinelas da Aeronáutica costumavam expulsar os jogadores, provocando algumas brigas.
A cessão definitiva do terreno à prefeitura foi feita na semana passada em acordo na Vara Ambiental de Florianópolis, entre Ministério Público Federal, Secretaria de Patrimônio da União e prefeitura, com a condição de destinação exclusiva para parque público.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.