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Hoje subvalorizada, praça da Sé é ponto central da história de São Paulo

A Praça da Sé, em São Paulo, em imagem de 2014; no detalhe, a praça em foto de 1880 - Divulgação/Google e Divulgação
A Praça da Sé, em São Paulo, em imagem de 2014; no detalhe, a praça em foto de 1880 Imagem: Divulgação/Google e Divulgação

Márcio Padrão

Do UOL, em São Paulo

25/01/2015 06h00

Dos 461 anos da cidade de São Paulo, completados neste domingo (25), há pelo menos um século a praça da Sé está inserida no histórico de transformações estéticas e sociais da capital paulista. Apesar de ter perdido parte de sua relevância em relação a outros ambientes da cidade, como as avenidas Paulista e Brigadeiro Faria Lima, já foi palco de vários encontros políticos e considerada um sofisticado espaço público, principalmente após sua terceira grande reforma, nos anos 70.

Foi em 1912 que a praça, ponto fundamental do centro da cidade, passou por sua primeira grande reforma, no qual foi demolida a antiga Igreja da Matriz, antecessora da atual catedral neogótica que existe hoje. Esta, por sua vez, levou décadas para ser concluída; o início das obras foi em 1913, mas só foi inaugurada em 1954, ano da segunda grande reforma na praça.

Na ocasião, o amplo asfalto à frente, que servia de estacionamento e ponto de transporte público, teve o piso trocado por mosaico português e recebeu suas primeiras árvores. A reforma mais radical, porém, veio a partir de 1973, quando prédios do entorno foram demolidos (os edifícios Santa Helena e Mendes Caldeira) e a estação de metrô da Sé foi construída. Outros ganhos foram a união com a antiga praça Clóvis Beviláqua, parque de esculturas, espelhos d'água e a valorização do marco zero de São Paulo. A conclusão ocorreu em 1978.

Quem conduziu a reforma dos anos 70 foi o arquiteto José Eduardo Lefevre. Hoje com 71 anos e professor do Departamento de História da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, Lefevre se inspirou nos trabalhos do americano Lawrence Halprin e do japonês Yoshinobu Ashihara, que estudavam novas formas de valorizar espaços abertos.

O desafio do projeto foi buscar equilíbrio entre os diversos elementos em um ambiente irregular como é o da praça. "As fileiras de palmeiras, por exemplo, tinham o objetivo de destacar a fachada da catedral, pois a construção ficou na extremidade do espaço. O parque de esculturas, além de decorar, serve para trazer um senso de localização e referência a quem caminha por lá. Para o marco zero, pus um grande desenho central que lembra a rosa dos ventos dos mapas, pois ele é muito pequeno", diz.

Os espelhos d'água foram parte importante do planos do arquiteto, pois as fontes em constante movimento causam uma sensação de conforto e calmaria ao visitante. Porém, Lefevre lamenta que os jatos d'água não estejam funcionando atualmente. "Pensamos em equipamentos com bons materiais, para durar muito tempo, mas se eles deixam de funcionar, vão degradar", afirma o professor.

Sobre a atual situação da praça, frequentada por muitos sem-teto e dependentes de drogas, Lefevre crê que isso é um reflexo da nossa sociedade atual.

"Não é que eles não mereçam estar lá, mas penso que são consequência de uma falta de cuidado com a praça. Se o lugar estiver sempre limpo e bem cuidado, todo mundo ajuda a manter limpo também. O espaço publico é de todo mundo, então tem que haver esse respeito", afirma.

Cuidados

A professora Zilda Iokoi, do departamento de História da USP, diz acreditar que a situação dos sem-teto vem da inaptidão do poder público de cuidar do espaço público de forma mais democrática.

Ela relembra o que ocorreu na última reforma da praça, em 2007, quando o então prefeito Gilberto Kassab (PSD) recebeu críticas ao supostamente instalar dispositivos "antimendigo" no local, como canteiros para vetar o banho no lago artificial e bancos menores para dificultar que moradores de rua durmam neles.

"A população despossuída foi ganhando consciência e participando da vida da cidade."

Mas em termos políticos, a Praça da Sé será lembrada mesmo por casos como o comício das Diretas Já, em 1984, onde reuniu mais de 1 milhão de pessoas, ou na missa do sétimo dia do jornalista Vladimir Herzog, morto por policiais na ditadura, em 1975.

A morte de Herzog se mistura com a trajetória de Zilda, pois ela também estava detida pelo Doi-Codi (órgão repressor da ditadura) na ocasião. "Eu estava lá no dia em que ele foi torturado e morto. Ouvi tudo: gritos e depois um silêncio. 'Mataram alguém', pensei.

O arcebispo Dom Paulo Evaristo Arns tomou a iniciativa de realizar na catedral da Sé a missa de sétimo dia de Herzog, que acabou virando um protesto político com cerca de 8 mil pessoas. Militares foram ao local com metralhadoras e barricadas, mas pressionados pela imprensa internacional, não reagiram ao evento.

Se o passado da Praça da Sé é rico, o futuro é incerto. Eventos políticos como os do Movimento Passe Livre, por exemplo, optam por protestar na Paulista ou em outras áreas do centro. Mas para Zilda, a história da Sé como palco de atos não vai acabar.

"Creio que há um movimento pendular no espaço: quando os protestos são de origem sindical e econômica, pendem para a avenida Paulista; quando é sobre direitos civis, migram para a Sé. As grandes empresas que outrora viviam no centro migraram para outros lugares, deixando a praça livre novamente para ocupação política", teorizou a professora.