Ativistas pró-parque Augusta dormem no local e fazem assembleias semanais
Nem mesmo a chuva fina que caía no início da noite de segunda-feira (26) inibiu que mais pessoas adentrassem, pouco a pouco, o velho portão de metal da ampla área verde, já chamada extraoficialmente de parque Augusta, área de 25 mil metros quadrados em um quarteirão da rua de mesmo nome, no centro de São Paulo.
Representantes dos vários grupos que defendem a manutenção da área --Sociedade dos Amigos e Moradores do Bairro Cerqueira César (Samorcc), Movimento Parque Augusta e Organismo Parque Augusta, entre outros-- querem a horizontalidade, ou seja, não elegem a figura de líderes. A mobilização e divulgação das ações ocorrem pelas redes sociais e site.
O movimento conta ainda com o apoio da organização Advogados Ativistas para ajudar integrantes a lidar com a polícia e advogados das construtoras Cyrela e Setin, as donas do terreno que pretendem construir um empreendimento imobiliário na área.
Na entrada, diversas faixas, placas e dizeres coloridos convidam o cidadão para conhecer o espaço. A reportagem do UOL chegou ao local no momento da reunião de um grupo de estudo, com a presença de cerca de 30 pessoas. Mas o terreno, que conta com um bosque com 800 árvores catalogadas, também é usado para outras atividades.
São permitidos ali encontros de leitura, shows musicais, ioga, aulas diárias de capoeira, debates e até sessões de cinema com documentários. A programação é decidida nas assembleias semanais --todas segundas-feiras, às 20h-- bem como os participantes que se revezarão para cuidar da área dia e noite. Cerca de cinco a dez pessoas dormem em barracas na vigília noturna.
No entanto, todos os integrantes ouvidos pela reportagem têm suas próprias residências; alguns são moradores do entorno, outros vêm de bairros mais distantes, como Lauzane Paulista e Jaçanã (zona norte). O perfil é variado: há estudantes, profissionais liberais e até aposentados. Durante o dia, dividem o tempo entre participar das atividades lúdicas e cuidar da limpeza e manutenção. Varrem, retiram e reciclam lixo, além de manter bituqueiras para pontas de cigarro.
Simpatizantes da causa eventualmente trazem comida e utensílios para os voluntários. O alimento já vem cozido, pois não é permitido fazer fogueiras ou usar fogão a gás. A água vem de uma estrutura com banheiros, mas como o abastecimento tem se mostrado irregular, o movimento reutiliza também a água de um lençol freático, despejada na rua Augusta por um condomínio recém-construído.
Conscientização ecológica
"Na mata não se mexe, até que os estudos dos biólogos sejam realizados", afirma a educadora ambiental Henny Freitas, 33, uma das ativistas presentes. Ela se refere ao novo levantamento que será feito com uma atualização da catalogação das espécies vegetais, provenientes da Mata Atlântica. Convidadas pelo grupo, duas biólogas se voluntariaram para este serviço.
"Moro aqui por perto há oito anos e sempre trouxemos nossos cachorros para passear, até que um dia me deparei com os portões fechados [no final de 2013]. Desde então me aliei à causa", diz o jornalista Valter Cunha, 44.
"Participei dos protestos contra o aumento das passagens em 2013 e pouco depois vi na internet um chamado para contribuir com a criação do parque. Desde então ajudo nos mutirões de limpeza", descreve o estudante Rafael Pelletti, que também dedica parte de suas noites à vigília noturna.
Pouco antes de começar uma assembleia, chegou ao local Ana Dulce Maraschin, 81, professora aposentada de educação artística que foi apelidada de "musa" do movimento e já fez até boletim de ocorrência representando o grupo. Porém, apesar de tratada com respeito, ela deixa claro que não é mais ou menos importante que os demais participantes.
"Não posso fazer o que os jovens fazem, mas ajudo como posso. Venho aqui quase todo dia, tentando pressionar para a existência do parque. Essa causa é muito importante", diz Ana Dulce, gaúcha de Bagé, que viveu em um sítio na juventude. "Já plantei muita árvore na vida".
Entenda o caso
O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), declarou o local --antiga sede do Colégio Des Oiseaux e hoje tombado pelo Patrimônio Histórico-- como espaço de utilidade pública desde dezembro de 2013 para a criação de um parque, mas logo depois informou que não teria verbas para fazer a desapropriação -- o terreno valeria atualmente cerca de R$ 120 milhões.
A ocupação 24 horas por dia começou em janeiro deste ano, após uma nova tentativa das construtoras de obter a reintegração de posse. O Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo) aprovou nesta terça-feira (27) a construção de três edifícios com até 45 metros de altura em uma área que equivale a 40% do terreno. O parque ficará restrito ao restante da área.
"A postura do movimento não vai mudar por conta disso, porque o intuito é que a área total se destine ao parque. Essa decisão chega a ser ultrajante em um momento de crise hídrica, porque climatólogos dizem que quanto mais área verde, menos incidências de zonas de calor que impedem a vinda das chuvas caírem", defende Daniel Biral, membro do Advogados Ativistas e participante do movimento a favor do parque Augusta.
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