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Fotógrafo cego por PM em SP teve "culpa exclusiva", diz juiz em sentença

O fotógrafo Sérgio Silva perdeu o olho esquerdo enquanto cobria os protestos contra o aumento da tarifa em São Paulo - Junior Lago/UOL
O fotógrafo Sérgio Silva perdeu o olho esquerdo enquanto cobria os protestos contra o aumento da tarifa em São Paulo Imagem: Junior Lago/UOL

Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo

17/08/2016 19h12

O juiz da 10ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, Olavo Zampol Júnior, entendeu que um fotógrafo que perdeu um olho ao ser atingido por bala de borracha da Polícia Militar teve “culpa exclusiva” pelo episódio. Sérgio Andrade da Silva, 34, cobria uma das manifestações de junho de 2013 pela redução das tarifas de transporte coletivo quando foi atingido. Ele perdeu o olho esquerdo. O caso aconteceu em 13 de junho, data em que a PM paulista reagiu com um forte esquema de repressão aos manifestantes.

Silva havia entrado com pedido de indenização contra o Estado, mas o magistrado negou ao argumentar que o fotógrafo teria se posicionado na “linha de tiro" entre os policiais e os manifestantes.

A decisão do juiz é do último dia 12. Nela, ele escreveu que “mesmo que houvesse provas de que o ferimento experimentado pelo autor tenha sido provocado por bala de borracha disparada pela polícia, ainda assim, não haveria de se cogitar da pretendida indenização”.

"No caso, ao se colocar o autor entre os manifestantes e a polícia, permanecendo em linha de tiro, para fotografar, colocou-se em situação de risco, assumindo, com isso, as possíveis consequências do que pudesse acontecer, exsurgindo desse comportamento causa excludente de responsabilidade, onde, por culpa exclusiva do autor, ao se colocar na linha de confronto entre a polícia e os manifestantes, voluntária e conscientemente assumiu o risco de ser alvejado por alguns dos grupos em confronto (polícia e manifestantes)", diz trecho da sentença.

Zampol Júnior ainda definiu que, ao fazer coberturas jornalísticas de situações de risco, a imprensa “sabe que deve tomar precauções, justamente para evitar ser de alguma forma atingida. Não por outro motivo alguns jornalistas buscam dar visibilidade de sua condição em meio ao confronto ostentando coletes com designação disso, e mais recentemente, coletes a prova de bala e capacetes", atestou o magistrado, que, por outro lado, ressalvou não estar “insensível ao drama do autor".

Com o pedido de indenização negado, o fotógrafo foi condenado a arcar com as custas de R$ 2 mil do processo com honorários advocatícios -- metade do valor que ele estimou ter gasto de junho a novembro de 2013, por exemplo, com remédios, uma prótese e deslocamentos entre sua residência, em Osasco (Grande São Paulo), e um hospital na zona sul da capital paulista.

"Nenhum ser humano quer sentir dor", diz fotógrafo

Ao UOL, o fotógrafo lamentou e criticou a sentença. "Além de absurda, é uma decisão ignorante e que desqualifica a minha profissão: eu estava trabalhando, não esperando levar um tiro no olho e sentir dor. Nenhum ser humano quer isso", disse.

Silva, que já havia tido negada a antecipação de tutela nessa ação, afirmou que vai recorrer da decisão de agora.

"É muito clara a mensagem que fica com esse tipo de decisão: eu e muitos outros que sofremos ou os que sofrerem com a violência do Estado vamos ser sempre esse tipo de personagem colocado como culpados de um erro que não é nosso, mas do agente público. Mesmo porque, não sou um caso isolado", declarou, referindo-se ao também fotógrafo Alex Silveira, que perdeu parte da vista esquerda, em 2000, ao ser atingido por um PM com bala de borracha quando cobria uma manifestação de professores.

Há dois anos, a 2ª Câmara Extraordinária de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo também negou recurso em que Silveira pedia indenização por danos morais e materiais e o considerou culpado pelo ferimento. A decisão acabou revendo despacho de 2008 em que a Justiça havia dado ganho de causa ao pedido de indenização feito por Silveira, obrigando o Estado a pagar a ele o equivalente a cem salários mínimos.