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Após divergência entre juízes, STJ terá de decidir destino de chefão da FDN

Gelson Lima Carnaúba, um dos líderes da FDN, está em presídio federal no Paraná - Divulgação
Gelson Lima Carnaúba, um dos líderes da FDN, está em presídio federal no Paraná Imagem: Divulgação

Flávio Costa

Do UOL, em São Paulo

13/01/2017 04h00

Preso em uma penitenciária federal de segurança máxima no Sul do país, o chefe da FDN (Família do Norte) Gelson Lima Carnaúba poderá voltar a um presídio estadual no Nordeste, onde o controle de detentos é menos rígido, por causa de uma disputa entre juízes de três Estados.

O impasse jurídico reside no seguinte ponto: enquanto a Justiça Federal no Paraná afirma que o líder da FDN deve voltar para a prisão no Rio Grande do Norte, pois não recebeu informações sobre o processo criminal contra o detento, os juízes do Amazonas e do Estado nordestino pedem que ele continue no sistema penitenciário federal, onde teria menos chance de passar ordens para os subordinados de sua facção criminosa.

Caberá ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) decidir quem tem razão na polêmica entre os magistrados, que já teve duas decisões de juízes federais se contradizendo. O UOL teve acesso aos documentos do processo, cuja relatoria é da ministra Maria Thereza de Assis Moura. 

Entenda o caso

Desde o dia 17 de julho de 2015, Carnaúba encontra-se detido no presídio federal de Catanduvas (PR). Seis meses antes, ele havia sido preso por agentes da Polícia Federal enquanto desembarcava no aeroporto de Natal (RN). O chefe da FDN estava foragido desde julho de 2014, quando escapou do Compaj (Complexo Penitenciário Anísio Jobim), em Manaus -- palco do massacre promovido por sua facção criminosa no último dia 1º.

De acordo com o Ministério Público Federal e a Polícia Federal, Carnaúba divide o comando da FDN com José Roberto Fernandes Barbosa. Ele seria o responsável por firmar a aliança com o CV (Comando Vermelho), além de atuar como articulador da facção nas unidades prisionais por onde passa.

Após autorizar a entrada de Carnaúba no presídio da cidade, a Justiça Federal em Catanduvas pediu à Justiça estadual do Amazonas e, posteriormente, à do Rio Grande do Norte, os autos do processo do detento -- condição necessária para que ele continuasse no sistema penitenciário federal.

Começou, então, a confusão jurídica sobre o destino do chefão da FDN, considerada a terceira maior facção criminosa do país.

Quem vai ficar com Carnaúba?

O juiz da Vara de Execuções Penais de Manaus, Luis Carlos Valois, informou que enviou os autos do processo à Vara de Execução Penal de Nísia Floresta (RN), lugar onde Carnaúba estava preso antes de ser transferido para o presídio federal no Paraná.

Porém, entre 17 de julho de 2015 e 20 de outubro de 2016, mais de um ano após a chegada do detento ao presídio, nenhuma informação havia sido passada pela Justiça do Rio Grande do Norte à Justiça Federal em Catanduvas.

"Inúmeros ofícios foram enviados à Vara de Execução Penal da Comarca de Nísia Floresta no Rio Grande Norte solicitando a remessa dos autos de Execução Penal do reeducando Gelson Lima Carnaúba, sem que houvesse qualquer êxito neste intento", afirma o juiz federal em Catanduvas Nivaldo Brunoni na decisão em que determina o retorno imediato de Carnaúba a um presídio estadual do Rio Grande do Norte.

A defesa de Carnaúba concorda com esta decisão (leia mais abaixo).

Por sua vez, a Justiça Federal de Manaus já havia entrado no caso ao afirmar que Gelson Carnaúba deveria permanecer no presídio federal, por ser considerado "um criminoso de alta periculosidade", contra o qual havia um mandado de prisão preventiva relacionado à Operação "La Muralla", que desvendou a estrutura da FDN.

A 2ª Vara Federal de Manaus emitiu uma decisão em que determina que Carnaúba fique no sistema penitenciário federal. Ou seja há duas decisões de juízes federais -- de Manaus e Catanduvas -- que se contradizem.

Processo de Carnaúba sumiu no RN

Uma semana após a decisão da Justiça Federal em Catanduvas, a juíza da Comarca de Nísia Floresta, Maria Nivalda Neco Torquato Lopes, enviou ofício ao Paraná, no qual afirma que sumiram os processos relacionados a Gelson Carnaúba. oriundos de Manaus: "[os processos] não foram localizados fisicamente na Secretaria desta Vara, havendo sérios indícios de que foram extraviados".

Mesmo assim, a juíza potiguar pediu que a Justiça Federal do Paraná reconsiderasse sua decisão ao defender que Carnaúba permaneça detido na penitenciária federal de Catanduvas "para salvaguardar o interesse da segurança pública". Ela afirma ainda que o sistema penitenciário estadual do RN está em situação de calamidade pública e informa que 337 detentos fugiram das unidades prisionais do Estado durante o ano de 2016.

"O retorno do apenado Gelson Lima Carnaúba, a este Estado [RN], serviria como facilitador da comunicação com as referidas organizações criminosas e impactaria até mesmo a recuperação daqueles que estão em condições de de ressocialização".

Manaus recorre ao STJ

O Ministério Público Federal e a Justiça Federal do Amazonas consideram que é essencial que Gelson Carnaúba continue no presídio federal, onde é mais difícil ele entrar em contato com outros membros da FDN. 

Diante da decisão de mandá-lo de volta ao Rio Grande do Norte, a Justiça Federal do Amazonas decidiu recorrer ao STJ, ao abrir um processo chamado "Conflito de Competência", em que o tribunal superior decidirá quem tem razão na celeuma jurídica.

"A decisão do juízo federal de Catanduvas, de fato, retira a eficácia do provimento judicial [a decisão de Manaus] que determinou a permanência de Gelson Carnaúba no sistema penitenciário federal, circunstância a ensejar que seja suscitado conflito de competência", afirma em sua decisão a juíza federal de Manaus Mara Elisa de Andrade.

Carnaúba está incomunicável, diz defesa

A advogada Paloma Gurgel afirma que Gelson Carnaúba deveria voltar a um presídio estadual no Rio Grande do Norte e inclusive fez requerimentos neste sentido à Justiça Federal em Catanduvas. "Não há razões legais para que meu cliente continue no presídio federal já que a Justiça do Rio Grande do Norte não passou as informações devidas à Justiça Federal do Paraná, como prevê a lei".

Ainda de acordo com a defensora, Carnaúba encontra-se em incomunicável, sem condições de passar ordens a quem quer que seja. "As visitas da mulher dele, por exemplo, foram realizadas no parlatório, onde as pessoas ficam separadas por uma parede de vidro. Os encontros com meu cliente são gravados pela direção do presídio", diz Paloma Gurgel. "Não há como ele ter passado ordens. Ele não teve qualquer participação nos fatos ocorridos nos últimos dias em Manaus, por exemplo. Só se ele deu ordem por telepatia".

A ministra-relatora do processo no STJ, Maria Thereza de Assis Moura, abriu vistas para que o Ministério Público Federal se pronuncie sobre o caso. Enquanto o processo tramitar, Gelson Lima Carnaúba continuará detido no presídio federal de Catanduvas.

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