Topo

Secretaria da Segurança da Bahia executar escutas telefônicas é ilegal, diz MPF

Delegados baianos disputam controle sobre escutas com a cúpula da SSP-BA - Reprodução/Internet
Delegados baianos disputam controle sobre escutas com a cúpula da SSP-BA Imagem: Reprodução/Internet

Flávio Costa

Do UOL, em São Paulo

24/01/2017 04h00

O MPF (Ministério Público Federal) considera "ilegal e inconstitucional" que um órgão da SSP-BA (Secretaria da Segurança Pública da Bahia) seja responsável por operar as escutas telefônicas em investigações criminais no Estado.

Na Bahia, os grampos telefônicos autorizados pelo Poder Judiciário são executados e analisados pela SI (Superintendência de Inteligência), ligada diretamente à SSP-BA. Esse setor produz relatórios com as transcrições das conversas telefônicas dos investigados e, posteriormente, envia o conteúdo das escutas aos delegados responsáveis pelos inquéritos.

Após analisarem a situação, três procuradores da República recomendaram oficialmente ao delegado-geral da Polícia Civil baiana, Bernardo Brito, o cancelamento da permissão para que as escutas sejam operadas pelo órgão da SSP-BA. O MPF quer que Brito revogue um artigo de uma portaria interna que delega essa função à SI. O delegado-geral afirmou que pedirá uma análise da Procuradoria-Geral do Estado antes de tomar qualquer decisão.

A decisão do MPF é mais um capítulo da disputa pelo controle dos grampos na Bahia entre um grupo de delegados e o secretário Maurício Barbosa, como mostrou reportagem do UOL em novembro passado.

Saiba como funcionam os grampos telefônicos

UOL Notícias

No texto da recomendação, os procuradores Vanessa Gomes Previtera, Fábio Conrado Loula e Pablo Coutinho Barreto afirmam que a SI não pode exercer uma função que é exclusiva da Polícia Civil, de acordo com as leis - entre elas a Constituição.

Para eles, o papel da SI é "assessorar o secretário de Segurança Pública na formulação de políticas voltadas à prevenção e controle da criminalidade, sendo, portanto, órgão externo à persecução criminal, não detendo atribuição para a abertura de inquérito policial e o desenvolvimento de investigações, visando à repressão de crimes".

Ainda de acordo com o texto dos procuradores, "a manipulação de dados sigilosos captados em interceptação telefônica por pessoas estranhas aos quadros de pessoal da Polícia Civil, Ministério Público e Poder Judiciário encontra-se em contradição a todos os preceitos normativos citados nesta peça, além de representar ingerência indevida da Superintendência de Inteligência sobre a atividade desenvolvida pela Polícia Judiciária Baiana".

Quem deve grampear investigados?

"Essa recomendação emitida pelo Ministério Público Federal na Bahia espelha que o nosso posicionamento é correto: o que acontece atualmente na Bahia é ilegal. Quem deve controlar as escutas em uma investigação são os delegados responsáveis pelos inquéritos", afirma o presidente do sindicato dos delegados da Bahia, Fábio Lordello.

Desde 12 de setembro do ano passado, um grupo de delegados baianos resolveu suspender novos pedidos à Justiça de quebras de sigilos telefônicos e bancários em protesto contra o controle exercido pela SSP-BA sobre dados sigilosos em investigações criminais.

A medida paralisou, por um tempo, parte dos inquéritos que apuram crimes no Estado, a exemplo de homicídio, tráfico de drogas e corrupção, à exceção de extorsão mediante sequestro. 

Ouvidos pelo UOL, delegados baianos afirmaram que o atual modelo, além de ilegal, é ineficaz no combate ao crime organizado.

Na escuta: Cinco grampos que balançaram a República

UOL Notícias

Procurado pelo UOL, o delegado-geral Bernardo Brito afirmou, por meio de sua assessoria, que enviará a recomendação para análise da PGE (Procuradoria Geral do Estado). Sua decisão sobre o que fazer se baseará no parecer deste órgão.

Por sua vez, a SSP-BA afirmou que o secretário Maurício Barbosa não irá se pronunciar sobre o assunto já que o texto da recomendação do MPF foi direcionado ao chefe da Polícia Civil baiana.

TJ-BA deu razão à SSP-BA

Em novembro, a SSP-BA afirmou ao UOL, por meio do comando da própria Polícia Civil baiana, que age dentro da legalidade, com respaldo da PGE e do TJ-BA (Tribunal de Justiça da Bahia). 

A corte baiana afirmou à reportagem que o Executivo do Estado "tem a prerrogativa de escolher o modelo de execução das interceptações telefônicas". Também instado a se manifestar sobre quem tem razão na celeuma, o MP-BA (Ministério Público da Bahia) ainda não emitiu seu parecer sobre o caso.

Brito tem 15 dias, a partir do dia que recebeu o ofício, para informar o MPF a respeito do "do acolhimento desta recomendação". A reportagem apurou que há possibilidade de os procuradores ingressarem com uma ação civil pública, caso o modelo atual não seja revertido.

Escândalo dos grampos de ACM gerou modelo atual

O modelo de controle das interceptações por parte da SSP-BA foi adotado na Bahia após o estouro do chamado "escândalo dos grampos de ACM" no início dos anos 2000. Nesta época, cabia diretamente à Polícia Civil baiana executar as interceptações telefônicas.

ACM - Sérgio Lima/Folhapress - Sérgio Lima/Folhapress
ACM acusou Geddel de enriquecimento ilícito e grampeou o adversário
Imagem: Sérgio Lima/Folhapress
Investigações demonstraram que desafetos políticos do então senador Antonio Carlos Magalhães (PFL), morto em 2007, como o ex-ministro Geddel Vieira Lima (PMDB), o deputado federal Nelson Pelegrino (PT) e até uma amante do político, que tiveram seus sigilos telefônicos quebrados ilegalmente. A Justiça Federal condenou, no final de outubro de 2016, por improbidade administrativa, um funcionário da SSP-BA e o delegado-geral da Polícia Civil da Bahia, à época, Valdir Barbosa. Ele foi expulso da corporação; cabe recurso à sentença.

Á época, Geddel, Pelegrino e a advogada Adriana Barreto, que se relacionava amorosamente com o senador, o acusaram publicamente de mandante das escutas. “ACM grampeou a Bahia inteira”, reagiu Geddel, apontado à época como arqui-inimigo do cacique baiano. “Eu não tenho dúvida nenhuma de que o senador participou do esquema”, apontou Pelegrino. Adriana denunciou que ACM a perseguia após o fim do relacionamento com ele.

O caso dos grampos repercutiu nacionalmente. ACM chegou a ser alvo de processo de cassação do mandato no Congresso, que não chegou a avançar. Em 2004, o STF (Supremo Tribunal Federal) determinou o arquivamento do inquérito contra ACM.