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Governo do ES indicia 703 PMs, corta salários e ameaça com expulsões

O comandante da PM, coronel Nylton Rodrigues (à esq.), e o secretário de Segurança do ES, André Garcia, anunciam medidas do governo contra os policiais aquartelados - Gilson Borba/UOL
O comandante da PM, coronel Nylton Rodrigues (à esq.), e o secretário de Segurança do ES, André Garcia, anunciam medidas do governo contra os policiais aquartelados Imagem: Gilson Borba/UOL

Paula Bianchi e Nathan Lopes

Do UOL, em Vitória e em São Paulo

10/02/2017 11h51Atualizada em 10/02/2017 14h20

Ao menos 703 policiais militares do Espírito Santo foram indiciados, nos últimos dois dias, pelo governo estadual por participação no movimento que deixou o Estado sem policiamento desde sábado (4). O número corresponde a mais de 7% dos 10 mil PMs que compõem o efetivo da força no Estado. Eles terão o ponto cortado a partir do início da paralisação, há uma semana, e não irão receber as férias, segundo o comandante da PM, coronel Nylton Rodrigues.

O número de indiciamentos, porém, deve crescer, avalia o coronel. “É a primeira leva”, complementou o secretário de Segurança capixaba, André Garcia. "Estamos diante da prática de crimes militares", disse, lembrando que isso impactará em "consequências quanto às carreiras desses indivíduos aquartelados".

Entre os 703 indiciados estão cabos, soldados e subtenentes. Para o comandante, “esse movimento caracteriza-se pelo envolvimento dos PMs com menos tempo de serviço”. Os policiais negam e dizem que membros de alta patente também apoiam a mobilização dos familiares.

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Ao UOL, a ASC (Associação dos Cabos e Soldados) da PM capixaba disse que irá se reunir para decidir o que fazer e, novamente, negou participação direta na paralisação. "Ficou bem claro nas negociações que esse movimento não é das associações, é das mulheres. Quem negocia são as mulheres, não os PMs. As associações participaram ontem intermediando a negociação", comentou o cabo Thiago Bicalho, diretor de Relações Públicas da ASC.

Os indiciados ainda poderão ser presos, de acordo com Rodrigues. “Quando ocorre desobediência, é um crime militar. Neste caso, evoluiu para motim, quatro a oito anos de detenção. Neste caso, evoluiu para revolta, com os policiais agrupados e armados dentro do quartel, com pena de 8 a 20”. Eles serão julgados pela Justiça Militar. "Se for necessário indiciar, expulsar, expulsaremos quem for necessário", diz o comandante.

Policiais ouvidos pelo UOL após o governo ter divulgado o indiciamento dizem que, a cada momento que não se negocia, a revolta aumenta. Eles também não acreditam nas expulsões porque é “muito difícil formar um policial de uma hora para outra”. O período de formação de um PM dura cerca de um ano e meio. 

Segundo Garcia, foi criada uma força-tarefa "para dar celeridade aos procedimentos". "Estamos ajustados com o MP (Ministério Público) Militar nesse aspecto para que esses processos transcorram de forma célere".

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Responsabilidade

Desde o início da paralisação, os policiais dizem que a mobilização dos familiares é espontânea, sem envolvimento deles. Essa versão não tem o apoio do governo. “Não é verdade que as mulheres estão proibindo os PMs de saírem dos batalhões”, diz Rodrigues.

O secretário Garcia também vê "responsabilidade clara das mulheres e familiares". "Diversas mulheres já foram identificadas, e essa relação será expandida para o MPF [Ministério Público Federal], que nos solicitou uma relação de responsáveis por esse movimento. Essas pessoas irão pagar os custos da mobilização das forças nacionais". Ao menos 3.000 militares foram enviados para o Espírito Santo para fazer a patrulha das ruas durante a paralisação dos policiais. Mais 500 serão enviados pelas Forças Armadas para o Estado.

"O recado está dado para as mulheres e familiares, que não vão sair isentos desse protesto", disse Garcia, apontando que o governo tem o desejo de encerrar o movimento. "Mas nós não podemos ser fracos". Contudo, ele descarta o uso da Força Nacional e dos militares para retirá-las da frente dos quartéis.

Nesta madrugada, Fernanda Silva, uma das representantes do movimento das mulheres, disse, após a reunião com o governo que o Estado alegou ter chegado "ao limite da negociação". "A gente pede o reajuste, mas eles dizem que não tem mais negociação. Nós já perdemos muitos nas ruas [em relação aos mais de 120 homicídios desde sábado], mas o governo não está vendo o tamanho da emergência".

Inconstitucional    

Mais uma vez, o governo voltou a qualificar o movimento como "inconstitucional". "Fere a lei, a legalidade. Torna a sociedade refém da criminalidade, tendo por pano de fundo interesses meramente corporativos", comentou o secretário, que, novamente, disse que o Estado não tem condições financeiras de arcar com um aumento salarial neste momento. "Estamos em um momento de crise. Não há dinheiro".

Na pauta dos familiares dos policiais, está o reajuste salarial de 43% e a anistia aos militares que não trabalharam nos últimos dias. 

Garcia diz que o diálogo sempre esteve aberto e que, no encontro de ontem, que terminou sem acordo após mais de 11 horas de duração, "as entidades entenderam que era hora de encerrar o movimento, mas parte das mulheres decidiu por não celebrar o acordo".

Para o coronel José Vicente da Silva Filho, especialista em segurança pública, a atitude do governo capixaba foi correta. "[Manifestantes] extrapolaram todos os limites de tempo de negociação". Em sua opinião, os familiares e os PMs esqueceram que "a polícia não pertence a eles, pertence à sociedade". "Essa paralisação está afetando a população".

Agora, além de "restabelecer a disciplina, a hierarquia na PM", o secretário diz que o desejo do governo é normalizar o transporte público e convencer os comerciantes a voltarem ao trabalho. Nesse cenário, a população ainda têm dificuldades para retomar a vida normal. Nesta sexta-feira (10), uma lotérica serviu como substituta de agências bancárias para o pagamento de contas. Bancos, escolas e serviços públicos não estão funcionando. 

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Entenda a crise no ES

No sábado (4), parentes de policiais militares do Espírito Santo montaram acampamento em frente a batalhões da corporação em todo o Estado. Desde segunda-feira (6), o movimento é considerado ilegal pela Justiça do Espírito Santo porque ele caracteriza uma tentativa de greve, o que é proibido pela Constituição. As associações que representam os policiais deverão pagar multa de R$ 100 mil por dia pelo descumprimento da lei.

A ACS-ES (Associação de Cabos e Soldados da Polícia Militar e Bombeiro Militar do Espírito Santo) afirma não ter relação com o movimento. Segundo a associação, os policiais capixabas estão há sete anos sem aumento real, e há três anos não se repõe no salário a perda pela inflação.

A SESP (Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social) contesta as informações passadas pela associação. Segundo a pasta, o governo do Espírito Santo concedeu um reajuste de 38,85% nos últimos 7 anos a todos os militares e a folha de pagamento da corporação teve um acréscimo de 46% nos últimos 5 anos.

Segundo o governo, a alocação de recursos para a área de segurança foi uma das poucas que tiveram crescimento nos últimos anos: de 12,6% entre 2014 e 2016, chegando a R$ 2,27 bilhões. "No período, a folha de pagamento da Polícia Militar subiu 11,1%, de R$ 1,012 bilhão para R$ 1,125 bilhão", aponta a administração estadual.

A falta de policiamento nas ruas aumentou a criminalidade no Estado. Segundo o Sindipol-ES (Sindicato dos Policiais Civis do Espírito Santo), desde sábado, foram registradas ao menos 121 mortes violentas. Até o início da crise de segurança, a média de homicídios em território capixaba era de cerca de três por dia. O governo admite o aumento na quantidade de assassinatos, mas não apresentou números oficiais até o momento.