Prefeitura quer "caçada humana" com internação compulsória na cracolândia, diz MP
O Ministério Público de São Paulo classificou como uma “caçada humana” a tentativa da prefeitura da capital de promover a internação compulsória de usuários da região conhecida como Cracolândia.
Nesta quarta (24), a administração do prefeito João Doria (PSDB) entrou com pedido de tutela de urgência para que médicos municipais avaliem a necessidade de usuários de crack serem internados à própria revelia. Desde domingo (21), ao menos duas grandes operações na região da cracolândia removeram usuários e causaram, ontem à tarde, a demolição de um imóvel onde funcionava uma pensão e onde havia três pessoas. Elas ficaram feridas.
Hoje à tarde, em entrevista coletiva no MP, promotores e defensores públicos do Estado questionaram as ações de remoção e as tentativas da prefeitura de internar compulsoriamente os usuários de drogas –ainda que por meio de uma equipe “multidisciplinar”, como pretende a administração.
O pedido à Justiça foi feito hoje, mas, segundo o Tribunal de Justiça, depende de manifestação do MP antes de o juízo da 7ª Vara da Fazenda se manifestar. Segundo os promotores, isso será feito nesta quinta (25) pela tarde. A ação em que a administração municipal pediu a tutela, no entanto, era de 2012, mas apresentada pela promotoria contra o Estado por conta de repressão policial contra usuários da região. À época, a repressão causou uma espécie de descentralização da cracolândia do centro, na região da Luz, para concentrações menores e mais dispersas de usuários em outras localidades de São Paulo.
“Esse pedido da prefeitura foi feito em uma ação nossa, de 2012, que tinha por objetivo, liminarmente, impedir que a PM tratasse os usuários de forma ilegal; além disso, se pedia que o Estado reparasse os danos causados na ocasião”, afirmou o promotor Arthur Pinto, de Saúde Pública. Ele prosseguiu: “A prefeitura saltou agora no meio dessa ação e fez um pedido contrário ao objeto da ação, com um pedido contra o autor”, disse. “Foi o pedido mais esdrúxulo que vi em toda a minha carreira; é uma caçada humana que não tem paralelo na história do Brasil e do mundo”, criticou.
Para o promotor de Direitos Humanos e Inclusão Social, Eduardo Valério, as ações da prefeitura, sobretudo via GCM (Guarda Civil Metropolitana), ferem o acordado em reuniões feitas entre os promotores, o prefeito e secretários, no próprio MP, este ano. Um dos pontos do acordo, por exemplo, segundo Valério, era a não-adoção de um “dia D” de ação na cracolândia, já que se trata de público mais vulnerável.
“Não ter um ‘dia D’ de ação na cracolândia era um compromisso firmado conosco entre o prefeito e o secretário de governo”, disse Valério. “Definiu-se que cada usuário fosse abordado, caso a caso”, completou o promotor, para quem a tentativa de internação compulsória “não é compatível com o século 21” e “tem eficácia zero”, além de bater de frente com a luta antimanicomial.
“Verificamos no domingo, na segunda e na terça a negação de todos os meses de diálogo. O que sugerem é tirar as pessoas, simplesmente, das vistas da comunidade e da imprensa”, concluiu Valério.
Justiça proíbe remoções e demolições na cracolândia
Mais cedo, a Justiça concedeu liminar a uma ação cautelar apresentada ontem pela Defensoria Pública do Estado para que as remoções de moradores da região da cracolândia –sobretudo de pensões e hotéis –e a demolição de estruturas fossem suspensas.
Para a Defensoria, a ação tanto no domingo como ontem teve cunho "higienista" e "com mais violação que garantia de direitos do cidadão" -- mesmo que a administração tenha valido-se de decretos de utilidade pública para isso. Segundo o defensor, como zona especial de interesse social (ZEIS), a cracolândia demanda ações conversadas com a sociedade civil.
“Após a operação policial, muitas famílias com crianças e idosos foram removidas de hotéis e pensões de baixo custo que existem na região porque a prefeitura simplesmente lacrou os prédios de posse de decretos de utilidade pública. Aparentemente, a administração quer uma intervenção urbanística sem prévia participação popular e sem garantias das pessoas que moram ali -- e há normativas, inclusive da ONU (Organização das Nações Unidas), de que esses moradores precisam ser notificados da ação, com antecedência, e têm direito a assistência jurídica, de saúde e de habitação”, avaliou o defensor público Rafael Faber, da área de habitação.
“O poder público não pode piorar a situação da pessoa por não ter seguido essas normativas que preservem a dignidade e o respeito à integridade física dela", completou o defensor.
Reunião na prefeitura
Para esta quinta (25), já estava previamente agendada uma reunião entre prefeitura e representantes do MP para tratar do programa municipal “Redenção”, de tratamento de usuários. A iniciativa previa a remuneração de dependentes por serviços pagos pela prefeitura, como varrição, e com oferta de vagas em empresas privadas –mediante submissão do usuário a tratamento médico.
A reunião acontece na prefeitura, das 9 às 11h. Até esta publicação, entretanto, o MP não confirmou se enviaria representantes ao evento.
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